CRÔNICA DA CIDADE

'Adolescência', IA, redes sociais: um mundo assustador

Todos nós seremos afetados de alguma forma, com a nossa produção sendo usada pela IA de maneira indiscriminada. Enquanto as discussões circulam e reverberam, as máquinas seguem "treinando" e produzindo conteúdo sem conceder qualquer direito autoral

Adolescência  -  (crédito: Divulgação / Netflix)
Adolescência - (crédito: Divulgação / Netflix)

Medo está geralmente associado a algo ruim, algo que sentimos quando uma ameaça que se aproxima ou pela imprevisibilidade de uma situação futura. Consiste porém num elemento de sobrevivência essencial, segundo mostram estudiosos da nossa espécie. Também pode ser relacionado àquela sensação de frio na barriga que temos quando estamos prestes a fazer algo muito desafiador ou emocionante. Uma prova, o dia do casamento, o nascimento de um filho, uma entrevista de emprego, um pulo de paraquedas.

É com esse misto de sensações que encaro o mundo de hoje. Ele é assustador nas suas possibilidades e potencialidades. A inteligência artificial mostrou um bocado delas, mas a falta de imposição de limites compromete sua idoneidade, para usar uma palavra talvez mais próxima do campo do direito. Se a discussão sobre o limite da liberdade de expressão e o respeito à vida do outro já entra no campo de uma perigosa relativização, o do uso da propriedade intelectual alheia para a construção de imagens e de textos gerados por inteligência artificial também consiste em um desafio.

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Para quem gastou anos de esforços e de estudos para chegar a um resultado digno de prêmios, a indignação deve ser imensurável. Todos nós seremos afetados de alguma forma, com a nossa produção sendo usada pela IA de maneira indiscriminada. Enquanto as discussões circulam e reverberam, as máquinas seguem "treinando" e produzindo conteúdo sem conceder qualquer direito autoral e os seres humanos se criam imersos em bolhas cada vez mais sufocantes, ao largo dos contextos sociais e da ignorando a complexidade da formação das sociedades.

O sucesso de Adolescência, série da Netflix, é um exemplo disso. O fato de ter alcançado audiência extraordinária reflete o quanto o assunto é urgente. Os espaços de casa e da escola não são mais seguros o suficiente com o acesso popularizado à internet e a interação sem controle nas redes sociais. Núcleos de ódio e de crimes emergem e se disseminam com velocidade.

Apresentar um mundo como esse às crianças é assustador, e por isso a escolha do tema da crônica de hoje. A inteligência artificial não ensina as estratégias necessárias para protegê-las de todos os perigos que perpassam a infância e a adolescência, desde a influência de discursos misóginos e opressores aos riscos da violência física. Ela só torna o processo mais complexo e confuso. Negar o avanço tecnológico não parece ser o caminho, muito menos aceitar ou se submeter a tudo o que advém dela.

Desenvolver-se requer criatividade, tempo, leitura, cores e vivências ao ar livre. Há tempos o espaço entre quatro paredes não é maia seguro para nossos filhos, como nos ensina a ficção e a realidade. As oportunidades de aprendermos surgem quase na mesma intensidade que as de nos iludirmos. Basta fazermos as escolhas certas e deixar que o medo nos guie também na dose adequada.

postado em 31/03/2025 16:34 / atualizado em 31/03/2025 17:24
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