Entrevista

"Os chorões de Brasília têm uma atitude muito mais rock and roll"

Henrique Neto, violonista e diretor da Escola Brasileira de Choro, foi o convidado desta segunda-feira (23/6) do CB.Poder

 23/06/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. CB Poder, Henrique Neto. Na bancada Ana Maria Campos e Severino Francisco
       -  (crédito:  Bruna Gaston CB/DA Press)
23/06/2025 Bruna Gaston CB/DA Press. CB Poder, Henrique Neto. Na bancada Ana Maria Campos e Severino Francisco - (crédito: Bruna Gaston CB/DA Press)

O choro, gênero musical brasileiro que carrega séculos de história, encontrou em Brasília um terreno fértil para se reinventar e dialogar com novas gerações. Quem afirma é o violonista Henrique Neto, diretor da Escola Brasileira de Choro (antiga Escola de Choro Raphael Rabello), entrevistado de ontem do programa CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília. Aos jornalistas Ana Maria Campos e Severino Francisco, Henrique refletiu sobre a identidade musical da capital, a força das novas gerações, as homenagens ao pai, Reco do Bandolim, e ao jornalista do Correio Irlam Rocha Lima. 

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Por que o choro é um patrimônio de Brasília?

O choro é uma música centenária que encontrou, na nossa cidade, todas as condições para se desenvolver desde a transferência da capital. O choro era muito apreciado pelo nosso ex-presidente Juscelino Kubitschek. Ele trazia Vinicius de Moraes, Tom Jobim e Dilermando Reis. Então, Brasília, desde sua nascente, tem esse vínculo com o choro, que hoje vemos se estendendo e se desenvolvendo nas novas gerações.

O choro ainda está crescendo?

A gente cresce com muitos estigmas, ouvindo que choro é música de gente mais velha, que é algo antigo. Eu era um dos poucos, na minha época, que ouvia. Atualmente, percebemos um grande interesse da juventude pelo choro. Isso serve para quebrar o estigma de que o choro é velho. Na verdade, o choro não é apresentado. A Escola Brasileira de Choro tem um grande papel, pois é a primeira escola destinada ao gênero no país. Cumpre o papel de atrair a juventude para um tipo de música que não era conhecida. Existem pessoas que entram na escola querendo tocar pagode e, quando chegam lá, acabam se encantando por essa música que nem conheciam. Acredito que, por Brasília ser uma cidade muito moderna, não temos uma velha guarda que tome conta do choro. Então, ele cresce livre e com influência de vários gêneros musicais. Não acho que seja melhor ou pior, mas ele cresce de uma maneira muito peculiar, muito brasiliense.

Qual a importância da imprensa nesse trabalho de reconhecimento da música em Brasília?

Minha família é de jornalistas, e eu reconheço no Irlam Rocha Lima — e em todo o trabalho do Correio Braziliense, de maneira geral — que sempre foram parceiros do Clube do Choro, sempre divulgando a programação desde o início, quando ainda não era conhecida. O Irlam, por estar no Clube do Choro desde a década de 1970, se envolveu muito com esse movimento cultural. Essa homenagem que está sendo feita a ele é mais que merecida. É o que a gente precisa hoje em dia: um pouco mais de lucidez na informação, de critério. E eu acho que vocês desempenham realmente um papel indispensável para a população.

Como Reco do Bandolim, seu pai, te influenciou a se tornar o grande violonista que você é?

Eu não via muita diferenciação dentro de casa. Na verdade, todo mundo que frequentava minha casa tocava. Lembro que, com uns 6 anos de idade, perguntei aos meus amigos do colégio o que os pais deles tocavam. Eu achava que todos os pais tocavam. Tinha bandolim no sofá, guitarra baiana em cima da mesa, violão espalhado pela casa, bateria... Meu pai sempre esteve envolvido com a música, apesar de ser jornalista de formação. E, antes de eu nascer, ele trouxe o primeiro trio elétrico para Brasília. Teve que ensinar as pessoas a aproveitarem um trio elétrico, sairem do carro e dançar. 

Como você vê a possibilidade de ampliação dessa escala do Clube do Choro?

Quando a gente pensa nas músicas contemporâneas das Américas, do Caribe, do México, dos Estados Unidos, do Brasil... todas têm mais ou menos a mesma origem, que é a música europeia misturada com os povos colonizados. No Brasil, a gente tem a história do europeu com o africano, basicamente. A depender da região de onde vinham os africanos escravizados, a música também se diferenciava, porque havia uma riqueza incrível de ritmos dentro da África. Quando a gente chega e toca na Europa, por exemplo, eu sinto que eles reconhecem no choro algo deles. Por isso, acho que ele se comunica tão bem com os europeus: porque eles assimilam muito bem. Isso, para a gente, é um orgulho. Sabemos o valor da música brasileira. A música está sempre em alta. Os estrangeiros estão abrindo os olhos e reconhecendo.

Faltam espaços em Brasília para que essas pessoas toquem, para que o público possa assistir? Como você vê esse cenário hoje da música na cidade?

Acredito que Brasília tem bastante opção cultural. Cada vez mais vejo as pessoas se mobilizando, inclusive quanto ao formato de apresentar isso. Vejo que o choro realmente tem crescido bastante. Agora, acho que é sempre importante estarmos atentos a essas manifestações que não recebem tanta projeção como outras. De maneira geral, Brasília é uma cidade muito efervescente. Cresceu muito a atividade cultural.

Você acha que o rock, no começo de Brasília, que deu origem a tantas bandas, influencia essas músicas?

Acho que sim, por conta da postura. Os chorões de Brasília têm uma atitude muito mais rock and roll do que os de outros estados. Até choca um pouco. Parece até que estamos desvirtuando a cultura, mas não é isso. É a forma como você sente a música e se expressa. Tivemos Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Raimundos... Não tem como dissociar. Os músicos interagem muito bem. A classe artística é importante nisso.

Como foi a apresentação do Paul McCartney no Clube do Choro?

Foi a coisa mais incrível, mais inusitada e mais espetacular. A gente admira muito essas pessoas que são a história moderna do mundo — não só da música. E aí, quando você tem um cara ali, na sua frente, fazendo um show nessa casa que é simbolicamente muito importante para a nossa cultura... Ele tem a dimensão disso. Ele quis fazer uma ação no Clube do Choro porque teve uma experiência semelhante.

*Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti

 


postado em 24/06/2025 03:00
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