
A última audiência pública para a revisão do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) foi realizada ontem, na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF). O objetivo do plano é orientar o crescimento do Distrito Federal nos próximos 10 anos, definindo em que regiões podem ser construídas moradias, comércios, indústrias e as que devem ser mantidas como áreas verdes.
O processo, iniciado em 2021, vem estimulando a participação ativa da população por meio do envio de sugestões de pautas a serem analisadas e trabalhadas pelo governo, em trabalho coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh-DF). O secretário da pasta, Marcelo Vaz, afirmou que, desde 2023, o órgão percorreu todas as regiões administrativas, colhendo de fato as demandas da sociedade do DF.
"A participação tem sido massiva, não só nos eventos presenciais, mas também por meio da nossa ferramenta interativa de participação. Recebemos mais de 16 mil contribuições. Presencialmente, já contamos com quase 12 mil pessoas ao longo das audiências e, hoje, nesta última, temos quase mil presentes", celebrou o secretário.
Segundo ele, o Plano Diretor possui um aspecto bastante amplo, no sentido de permitir uma atualização da visão territorial do Distrito Federal. No entanto, uma das alterações mais sensíveis à população diz respeito à criação de novas áreas urbanas com oferta habitacional e às regularizações fundiárias. "Podemos citar, por exemplo, as regiões do 26 de Setembro e da Ponte Alta, que possuem muitas ocupações irregulares e precisam de um olhar do Estado para garantir mais dignidade à população local", ressalta.
O arquiteto Ramires Santiago, 43 anos, foi um dos que compareceu à última audiência do PDOT. Morador da Ponte Alta Norte, ele buscava, junto aos vizinhos e colegas, defender a regularização das moradias às margens da DF-475. "Nosso objetivo é garantir a legalidade e a dignidade dessas famílias. São centenas de pessoas que já moram na região há anos. Sabemos que existem áreas irregulares, mas o governo poderia adotar soluções menos agressivas", afirmou.
Ramires também ressalta que a participação da sociedade civil é fundamental por se tratar de um ato democrático. "Estamos aqui para lutar pelo direito à moradia e pela regularização do DF como um todo, para que se torne, de fato, uma cidade de direitos para todos", destaca.
Assim como Ramires, Kátia de Moraes, 59 anos, também busca a regularização da sua área, localizada no setor de chácaras do Lago Norte. No local, ela mantém há 25 anos uma instituição, o Centro Cultural Dançar é Arte (CCDA), que atende cerca de 7 mil pessoas, oferecendo cursos profissionalizantes, ações de geração de renda e atividades nas áreas de esporte, cultura e educação.
"Nossa luta aqui é para que a nossa área, localizada no Trecho 3, seja incorporada como Arine 4. Os Trechos 1 e 3 ficaram de fora, e queremos ser reconhecidos, tanto como instituição quanto como moradores. Lá, temos cerca de 400 famílias, e estamos aqui para defender esse reconhecimento", explicou.
Além das regularizações, outra pauta levantada pelo secretário da Seduh-DF foi a questão ambiental. Segundo ele, o Plano traz uma série de instrumentos que incentivam a preservação ambiental, buscando assegurar a proteção do território do Distrito Federal.
A produtora rural Kamila Nunes da Silva, 39 anos, moradora do Caub I, no Riacho Fundo II, demonstrou preocupação com alterações. Segundo ela, áreas rurais não só do Caub, mas de outras regiões do DF, estão sendo transformadas em urbanas. "Isso impacta diretamente não apenas a nossa atividade como produtores rurais, mas também a qualidade de vida e o meio ambiente. Viemos hoje para reafirmar nosso desejo coletivo de manter o status de área rural", afirma.
Kamila destaca que este é um momento decisivo para o Distrito Federal. "Tivemos muita participação nas oficinas de construção do PDOT, mas percebemos que essa última proposta não reflete o que foi discutido nelas, nem os anseios de quem participou ativamente", expõe.
Liminar do MP
Na última sexta-feira, a Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística (Prourb/MPDFT) obteve uma liminar na Justiça suspendendo a última audiência pública do PDOT, sob o argumento de que o processo vinha sendo conduzido de forma apressada, sem garantir participação popular. No entanto, após recorrer da decisão, a Seduh-DF conseguiu derrubar a liminar e manteve a audiência na data originalmente marcada.
O GDF reafirmou que as ações de mobilização social resultaram na realização de 85 eventos públicos. Durante a audiência, os moradores Ramires e Kátia de Moraes avaliaram que a briga judicial atrapalhou o comparecimento de parte do público, pois muitos acreditaram que o evento havia sido cancelado.
"Algumas pessoas pensaram que a audiência havia sido cancelada, o que deu a impressão de uma tentativa de esvaziar o evento. Mesmo assim, conseguimos mobilizar muita gente. A revogação da decisão foi fundamental para estarmos aqui hoje e discutirmos as questões com seriedade. Precisamos buscar soluções que atendam a todos", declarou Kátia.
Kamila, no entanto, discorda. Em sua visão, o processo do PDOT deveria ter tido mais tempo para escutar a sociedade. "A proposta final ainda não está clara, e os responsáveis não aproveitaram as sugestões feitas nas oficinas para reformular o texto. Então, vejo a liminar como uma oportunidade que poderia ter garantido mais tempo de debate", lamentou.
Próximos passos
Com o encerramento da audiência pública, a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) dará início à avaliação final de todas as contribuições recebidas — tanto nas semanas que sucederam a convocação quanto durante a audiência. Esse processo deve durar entre 15 e 20 dias.
Na sequência, o texto será consolidado e apresentado ao Comitê de Gestão Participativa e ao Grupo Técnico Interinstitucional, que compõem a Comissão de Governança do Plano Diretor.
Após essa etapa, a versão final será divulgada à população e, em seguida, encaminhada ao Conselho de Planejamento, última instância antes do envio do projeto à Câmara Legislativa.
Cidades DF
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