MEDICINA

Médica transforma rotina da UTI em arte e afeto com a fotografia

Exposição no Sesc Brasília reúne registros emocionantes feitos por uma pediatra intensiva que usa a fotografia e a escrita para humanizar a experiência hospitalar

Médica e fotógrafa, Suzana Berlim registra momentos de famílias e crianças na UTI -  (crédito: Suzana Berlim)
Médica e fotógrafa, Suzana Berlim registra momentos de famílias e crianças na UTI - (crédito: Suzana Berlim)

Entre eletrodos, alarmes e boletins médicos, a médica intensivista pediatra Suzana Berlim, de 48 anos, encontrou na fotografia e na escrita ferramentas potentes para suavizar a dor, eternizar instantes e ressignificar a vivência dentro de uma UTI. O que começou como uma iniciativa despretensiosa no Natal de 2016, ao lado do cunhado e de uma câmera emprestada, cresceu e se transformou em exposições que percorrem hospitais, congressos, e, agora, ganham o olhar do público em uma mostra no Sesc Brasília, na 504 Sul.

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A exposição reúne imagens feitas ao longo dos últimos anos com crianças internadas em unidades de terapia intensiva. As fotos não escondem o cenário hospitalar, mas também não o tratam com frieza, mostram o cuidado, a troca, a delicadeza de um sorriso ou de um toque, momento precisos registrados com a sensibilidade de quem vive intensamente o cotidiano da pediatria.

"Ter um momento em que não estou lá como profissional de saúde me proporciona algo muito especial. Tento tirar uma foto feliz, pelo menos por um instante, como uma pequena tomada de fôlego durante uma prova muito difícil", contou Suzana, que além da fotografia, também escreve crônica sobre as rotinas da UTI.

Como tudo começou

A paixão pela fotografia nasceu de forma espontânea. Em 2016, no Natal, ela e o cunhado passaram a manhã fotografando bebê com bolinhas coloridas do feriado. As imagens foram penduradas na árvore da unidade no hospital. A experiência tocou profundamente a médica, que, quase um ano depois, investiu em um curso básico de fotografia, comprou uma câmera e passou a registrar datas comemorativas na rotina hospitalar. As fotos foram ganhando espaços nas paredes, depois em painéis e, com o tempo, em exposições. 

"Em pouco tempo, virou rotina e expectativa. A equipe já perguntava sobre o próximo Dia das Mães, o Dia das Crianças", lembra. Em 2019, quase todas as datas do calendário foram registradas. A pandemia interrompeu os ensaios por um período, mas o projeto retornou com restrições em 2021.

Em 2022, o trabalho ganhou maior visibilidade com um convite para expor fotos no Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva. Os painéis ficaram em um dos lounges do evento, com QR Code direcionando para o site criado às pressas. Durante os três dias, o site recebeu 2 mil visitas de vários países. "Foi quando me incentivaram a publicar também os textos", contou. 

Hoje, o Instagram do projeto abriga parte dos registros e do olhar sensível da médica. "Uso a desculpa da foto para conversar mais com as família. Enquanto nos preparamos, o assunto deixa de ser o boletim médico. Naquele instante, o foco é outro", disse.

  • Suzana Berlim em exposição no Sesc da 504 sul
    Suzana Berlim em exposição no Sesc da 504 sul Foto: Tatiana Reis
  • Médica e fotógrafa, Suzana Berlim registra momentos de famílias e crianças na UTI
    Médica e fotógrafa, Suzana Berlim registra momentos de famílias e crianças na UTI Suzana Berlim
  • Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI
    Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI Suzana Berlim
  • Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI
    Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI Suzana Berlim
  • Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI
    Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI Suzana Berlim
  • Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI
    Médica-fotógrafa, Suzana Berlim, registra momentos de famílias e crianças na UTI Suzana Berlim

Com sua experiência, ela consegue esconder sondas com pelúcias, disfarçar esparadrapos com desfoques e, sobretudo, criar memórias positivas em um ambiente adverso.

Exposição 

O processo de curadoria das exposições é cuidadoso. Para cada novo espaço, ela seleciona fotos que contam uma narrativa específica. Essa é a quarta mostra organizada, e a primeira aberta ao público geral. As imagens em cartaz no Sesc Brasília foram escolhidas com base nos textos correspondentes já publicados no site. A montagem contou com a ajuda da curadora Monique Andrade, com quem já trabalhou em exposições no projeto Metamorfoses, no espaço Oscar Niemeyer. 

"Apesar da descontração, tirar fotos de crianças na UTI é emocionalmente muito desgastante. No fim do dia, me dou conta de quantas histórias escutei e de quanto me doei para tentar aliviar um sofrimento visível, palpável", desabafou. Ela ainda conta que alguns pacientes e familiares viram seus amigos. 

A edição das fotos, feita com calma em casa, também exige uma dose de reflexão e carinho. "Escolho a imagem mais alegre, penso em como aquela criança vai querer se ver no futuro. Quero que ela se lembre que também foi permitido se divertir. O humor na UTI é bastante variável, tem dia de riso e dia de choro. Eu fico atenta para as histórias que posso contar", destacou.

Do outro lado da história, a médica também enfrentou recentemente uma jornada pessoal delicada. Após um ano e meio de tratamento contra um câncer, ela contou ter recebido a última dosagem em 30 de junho.

Além da exposição no Sesc Brasília, outra mostra foi montada no Congresso de Medicina Intensiva Pediátrica, em Belo Horizonte, com a ajuda da equipe da médica Isabela Serra. Sem poder viajar, ela embalou as fotos e mandou às pressas com o apoio da família. 

Para o futuro, ela planeja manter o site ativo, continuar publicando nas redes sociais e seguir registrando novos encontros. A fotografia, para ela, não é um luxo, mas um instrumento de cuidado. "Escrever é um modo de não mentir o sentimento. O sofrimento existe e entenda, eu não quero contar outra história, mas posso garantir que existe um lado bom na adversidade", concluiu.

Participe

  • Exposição Naquele Instante
  • Até 23 de julho, das 9h às 21h, no Sesc da 504 Sul
  • Entrada gratuita

 

 

postado em 03/07/2025 17:29 / atualizado em 07/07/2025 14:15
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