
O doutor em segurança de trânsito David Duarte definiu o número de acidentes com motociclistas no trânsito brasileiro como um "quadro quase desesperador", destacando que metade das vítimas fatais em sinistros de trânsito são com motos. O também presidente do Instituto Brasileiro de Segurança (IST) ressaltou, no CB.Poder — parceria do Correio Braziliense com a TV Brasília — desta segunda-feira (14/7), que metade dos pilotos de motocicletas não são habilitados. Aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Ronayre Nunes, David também comentou sobre o limite de velocidade no Eixão que, para ele, precisa ser repensado.
O senhor demonstrou uma preocupação sobre os motociclistas no trânsito. Qual é o quadro que o senhor enxerga atualmente?
O Brasil tem um quadro quase desesperador em relação aos motociclistas. Metade de todos os mortos no trânsito são motociclistas, cerca de 15 a 17 mil mortos todos os anos. Para cada 2 mil motos que temos rodando na cidade, um motociclista morre por ano. Às vezes, falamos apenas do óbito, que é uma situação evidentemente trágica, mas há uma parte dessas estatísticas que não vemos claramente. Para cada morte, temos 15 motociclistas que ficam com lesões irreversíveis. Ele fratura a coluna, tem uma lesão medular e vai para a cadeira de rodas ou perde um membro e fica com o que se chama invalidez permanente e vai ser amparado pelo INSS. É uma guerra em que você tem mortos, mutilados e desvalidos. Às vezes, as pessoas pensam que, eventualmente, o problema termina ali, não, o problema só está começando.
Como o senhor acha que poderia se prevenir esse tipo de situação?
Sabemos que, no Brasil, metade dos motociclistas não tem carteira de habilitação, esses são dados da Secretaria Nacional de Trânsito. De cada dois motociclistas, um roda sem habilitação, ou seja, não tem o treinamento mínimo para pilotar o veículo. A primeira coisa a se fazer é facilitar que as pessoas tirem a carteira de habilitação e recebam o treinamento. Outra medida é melhorar os cursos de treinamento do motociclista, conscientizá-lo da fragilidade do corpo, porque vemos muitos motociclistas desvairados pelas vias. Não há uma preservação pela própria segurança, e não é porque não querem, às vezes é pressão do trabalho. Alguns entregadores ganham por entrega, então se ele fizer 10 entregas, um certo valor, e se conseguir com mais velocidade alcançar a marca de 20 entregas, ele ganha o dobro. Se pensarmos bem, a gente quer que a pizza que nós pedimos chegue quente, assim como nós queremos que o envelope ou uma encomenda qualquer também tenha que chegar rápido. Esses motociclistas correm muito, eles são pressionados também, há dois eixos nisso. De um lado, você tem a maioria deles ganhando por entrega. Quanto mais rápido eles andarem, mais entregas farão. Do outro, a pressão das empresas.
Em acidentes fatais, o que chama a atenção do senhor em relação a essas mortes que ocorrem no Distrito Federal? A alta velocidade é um fator crucial para o número de óbitos?
Nenhum país reduziu o número de mortos e feridos no trânsito sem reduzir e controlar a velocidade em áreas urbanas. Reduzir a velocidade de algumas vias é essencial para a segurança no trânsito. Um atropelamento a 60km/h é quatro vezes mais brutal do que um a 30km/h. Atropelamentos a 30km/h machucam as pessoas, mas 5% morrem. Já a 60 km/h, 95% dos atropelados morrem. Você dobrou a velocidade e ampliou o número de óbitos. Se olharmos para o Eixão, por exemplo, é preciso repensar e acalmar um pouco o trânsito para evitar mais fatalidades.
O senhor salientou as medidas de segurança que devem ser observadas, como a obtenção da carteira de motorista e custos de treinamento. Como enxerga isso do ponto de vista econômico?
Há empresas que têm uma pressão para que o motociclista faça as entregas de forma mais rápida. Então, eles trabalham muito sob pressão e a moto é o emprego deles. A grande parte dos motociclistas não possui qualquer amparo de segurança social. Um motociclista que ficou ferido era uma pessoa que trabalhava, que quando ele vai para a cadeira de rodas, a mãe ou uma irmã, geralmente uma mulher, vai cuidar dele e deixa de trabalhar fora. Há um custo muito alto para a vítima e para a família. Por exemplo, o custo do remédio é enorme, além disso, muitas vezes, tem que fazer rampa na casa, tem que fazer adaptação em toda a casa, e isso gera um custo enorme para a família. Isso custa aos cofres do Brasil, mas custa muito mais para a família. Nos casos de internações e lesões, também gera um custo enorme para os hospitais e para o SUS. O mais escandaloso é que nós acostumamos com essas fatalidades. Acho que todos nós, que temos o poder de fazer alguma mudança, a gente está acostumado com o escândalo como se morrer no trânsito fosse uma coisa absolutamente normal.
Às vezes temos a impressão de que Brasília possui um trânsito muito seguro. Onde a cidade se encaixa em relação ao número de mortes no trânsito para o restante do Brasil? Vale lembrar que, no último fim de semana, Brasília registrou quatro mortes em acidentes no trânsito.
Até a primeira metade dos anos 1990, era uma verdadeira tragédia. De cada 10 mortos, um estava no trânsito, isso não existia em lugar nenhum do mundo. O número de mortos atualmente é metade do que os registros daquela época, mesmo com o aumento da população e o aumento da frota, ainda não é ideal. Atualmente, Brasília está em uma situação mediana. Brasília começou uma campanha, inclusive capitaneada pelo Correio, a partir de 1996, que teve um efeito positivo para a paz no trânsito. Conseguimos reduzir a velocidade média com pardais e conscientização e a implantação da faixa de pedestres, que reduziu cerca de 39% em acidentes. É preciso repensar a cidade, na totalidade, para começar a discussão para diminuir a velocidade média, estabelecer um trânsito mais harmônico.
A segurança e o combate à morte passam pela fiscalização de agentes públicos. Como o senhor enxerga a fiscalização no trânsito do Brasil em relação a outros países? A fiscalização brasileira é eficaz?
A fiscalização do Brasil é uma peneira. Quando constatamos uma infração, a multa é cara, mas a grande maioria das transgressões passa batida. Além disso, tem um agravante: ainda fiscalizamos com técnicas dos anos 1960, 1970 e 1980, quando o mundo todo utiliza técnicas modernas com câmeras e inteligência artificial. Outro fator que influencia no número de fatalidades é a legislação, que é forte, mas que não funciona na prática, tem sido negligenciada. E parte disso se deve ao Judiciário, que perdoa bastante. Por ano, temos cerca de 40 mil mortos no trânsito e não temos ninguém preso. Temos feito uma má educação, muito mal, assim como fiscalizamos muito mal também. A maioria das nossas cidades apresenta uma infraestrutura muito sofrível, por isso, penso que para resolvermos o trânsito, são necessárias três coisas: educação para gerar um trânsito de qualidade, mudar o ambiente, ou seja, construir um ambiente de circulação segura; é necessário fazer uma engenharia para garantir segurança para o pedestre, pessoas com mobilidade reduzida, motoristas e ciclistas. O terceiro ponto é a fiscalização efetiva, porque sempre haverá alguém que não obedece às normas.
Assista à entrevista
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
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