
Brincadeiras perigosas seguem atrapalhando o funcionamento dos serviços de emergência no Distrito Federal. Somente em junho, o Corpo de Bombeiros Militar do DF (CBMDF) atendeu, em média, 18 trotes por dia. No total, foram 416 ligações falsas no mês, de um total de 28.621 atendimentos feitos pelo Centro de Operações e Comunicação Bombeiro Militar.
Apesar de representar 1,5% das chamadas, o número não deixa de acender um alerta. Os prejuízos causados por essas ligações falsas vão muito além do desperdício de tempo. Há um impacto direto no tempo de resposta às ocorrências reais, no uso de viaturas, no trânsito da cidade, na segurança dos socorristas e, acima de tudo, no atendimento a quem realmente precisa.
O tenente Jean Charles, do Corpo de Bombeiros, relatou um caso recente em que a central recebeu uma ligação que denunciava um suposto vazamento de gás em Taguatinga, que seria de grande proporção, o que acabou mobilizando cinco viaturas, além do apoio de outros órgãos.
"A pessoa relatou um grande vazamento de gás liquefeito de petróleo (GLP) e que a empresa que fazia a manutenção levaria duas horas para chegar no local. A gente teve um transtorno gigante, levou, indiretamente, um impacto no trânsito, porque a gente gera pressa nos veículos da via, além de criar um contexto estressante para todos os envolvidos", contou o militar.
Ele ressalta que, a cada deslocamento indevido, é representado um custo real aos cofres públicos, e o pior, a central de emergências 193 pode ficar sobrecarregada. "Há todo o deslocamento de viaturas, um pessoal empenhado nas ocorrências, sendo que, neste momento, concomitantemente, tinham outras ocorrências", afirma.
No Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu-192), a situação não é diferente. O sistema registrou 2.731 trotes até junho deste ano. O perfil mais comum dos autores das chamadas falsas é formado por crianças que ligam "brincando" ou pessoas que querem apenas conversar. O problema é que, enquanto uma linha está ocupada por uma ligação sem fundamento, alguém que esteja em uma emergência pode ficar sem atendimento.
Medidas educativas
Diante da gravidade do problema, os serviços de emergência têm adotado uma série de medidas educativas, tecnológicas e punitivas. O CBMDF realiza campanhas frequentes de conscientização, aproveitando entrevistas, visitas escolares, simulações e demonstrações públicas para explicar os riscos dos trotes.
O Samu investe em ações educativas com o público jovem, por meio do projeto Samuzinho. Equipes de profissionais da saúde visitam escolas e ensinam as crianças sobre a importância do serviço, noções básicas de primeiros socorros e os impactos de ligações falsas. Do lado tecnológico, o sistema do Samu 192 consegue identificar números reincidentes. Chamadas repetidas de trote são automaticamente rejeitadas, liberando a linha para quem realmente precisa de ajuda.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública do DF (SSP-DF), o Governo do Distrito Federal editou, em 2023, o Decreto nº 44.427, que prevê multas entre um e três salários mínimos para quem realiza trotes a serviços de emergência. A Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal) pode aplicar penalidades após a identificação do titular da linha telefônica ou do responsável pela chamada indevida.
Prática de crime
O impacto dessas ações vai muito além de um simples "alarme falso". Segundo o advogado Rubens Pires, trata-se de um crime previsto no ordenamento jurídico brasileiro, que gera prejuízos concretos aos cofres públicos e desestrutura o funcionamento de serviços essenciais.
"Hoje, é cada vez mais comum vermos pessoas utilizando canais oficiais para fazer acusações sem qualquer fundamento jurídico, com o claro objetivo de prejudicar terceiros ou alimentar boatos. Essa prática, além de irresponsável, provoca a mobilização indevida do Estado, causando um dano direto ao erário", afirma Pires.
Entre os possíveis crimes, é possível enquadrar a conduta como falsa comunicação de crime, com pena de detenção de até seis meses ou multa. E em casos mais graves, a conduta pode configurar denunciação caluniosa ou difamação, especialmente quando há a intenção de prejudicar terceiros.
"Estamos diante de um verdadeiro desserviço à coletividade. É preciso reforçar, inclusive por meio de políticas públicas, a ideia de que o uso do aparato estatal deve ser feito com responsabilidade e boa-fé. O mau uso é crime e precisa ser tratado como tal", ressalta o advogado.
Cidades DF
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