AMOR ADOTADO

Confira histórias de famílias que nasceram do amor, por meio da adoção

Apesar da burocracia e da lentidão judicial, relatos de adoção mostram que vínculos de verdade se constroem com criação, afeto e permanência

As irmãs, Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita) são o grande sonho da mãe -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
As irmãs, Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita) são o grande sonho da mãe - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Maria Reis, de 30 anos, foi encontrada ainda bebê, dentro de uma cesta, em um hospital em Santa Catarina. Vitória Reis, 30, sua irmã, nasceu três meses depois, no Paraná, e foi entregue para adoção logo após o parto. Com elas, Ana Maria Reis, 67, mãe das duas, concretizou um lar. 

Baiana, chegou a Brasília ainda jovem. Sonhava em ser mãe, mesmo sem poder engravidar. Foi por meio de uma freira de um convento, Irmã Brígida, que Ana soube da possibilidade de adoção. Em uma ligação cheia de emoção, ouviu do outro lado da linha: "Mariazinha chegou".

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"Minha mãe sempre dizia que estava esperando por nós. Desde quando era adolescente. Quando soube de mim, viajou para Santa Catarina logo em seguida", lembra Maria. 

Três meses depois, veio Vitória. Quando nasceu, foi imediatamente incluída na lista de adoção e ficou dois dias na fila. "Minha mãe foi até o Paraná me buscar. Enquanto isso, a Maria ficou com as nossas tias", relembra a irmã.

"(A adoção) nunca foi um segredo pra gente, ela nunca disse que era algo ruim. Nossa mãe sempre contava histórias pra gente na hora de dormir, sobre a adoção, sobre "a mamãe que teve as duas filhas", relata Maria. "Família é quem cria, e a gente tem a nossa, que é perfeita", finaliza.

Mas apesar de histórias como essa serem rápidas, o caminho da adoção nem sempre é assim. Muitas vezes, o maior entrave está na estrutura da Justiça.

"A duração de um processo na Vara de Família depende muito mais da tramitação interna de cada vara do que dos prazos processuais em si", explica o advogado de família Alberto Araújo. Fatores como excesso de processos, estrutura das equipes cartorárias e a priorização de casos são determinantes. "Mesmo dentro da mesma comarca, algumas Varas de Família são mais céleres do que outras, independentemente da complexidade do caso", salienta.

Em algumas situações, é possível acelerar o processo: se a parte for idosa (60 ), tiver uma doença grave, pessoa com deficiência ou estiver em vulnerabilidade, dá para requerer a prioridade na tramitação, com base na lei.

Adotar por escolha

Enquanto Ana Maria foi mãe solo, outros pais também abraçaram a adoção como forma de construir uma família, enfrentando, à sua maneira, os caminhos do sistema judicial. 

A professora Bianca Vieira Passarela, 43, e o marido, o servidor público Marcos André Passarela, 42, são pais de quatro filhos adotivos. "A adoção para nós sempre foi uma via comum de paternidade. Assim como a gestação natural. Nós sempre quisemos uma família grande e estávamos abertos tanto aos filhos naturais como aos que viessem pela adoção. Decidimos entrar com o processo de adoção concomitantemente com as tentativas de engravidar e sempre estivemos abertos ao que viesse", conta Bianca. 

O casal deu entrada no processo em 2013 e, após cinco anos, receberam o primeiro bebê, Léo, que tinha 4 meses quando foi acolhido e hoje está com 8 anos. "Primeiro queríamos um bebezinho para experimentar todas as fases da maternidade. Aceitávamos adotar um bebê junto com irmãos maiores, foi quando recebemos o Léo, que não tinha irmãos biológicos", relembra. 

Hoje, o casal tem mais três filhos: Júlia, 7 anos, Luca, 13 e Paola, 16. 

Origem revelada

Para os jornalistas Maria Helena Martinho, 60; e Alexandre Kieling, 63, a virada veio no meio do caminho. Após 10 anos de casamento e algumas tentativas de inseminação artificial, o casal tomou outro rumo. "Na terceira tentativa de inseminação, estávamos indo para a clínica, mas no caminho decidimos mudar o destino e fomos direto para a Vara da Infância e Juventude, queríamos adotar", recorda Maria Helena. Em 1995, quando foram trabalhar em Cuiabá, conheceram Lucas, um recém-nascido que acabara de sair do hospital. 

"A nossa primeira ideia, como todo casal, era um bebê recém-nascido branco. Quando surgiu a oportunidade, nos habilitamos para a adoção. Era um recém-nascido negro. Mas isso já não importava. Quando é o seu filho, você sabe", destaca Maria Helena.

O tempo passou, e com Lucas ainda pequeno, o pedido por irmãos começou a surgir dentro de casa. "Nós reabrimos o processo para uma segunda adoção". O casal deixou de lado qualquer tipo de exigência sobre o perfil da criança. "Na segunda adoção, nós já estávamos muito mais maduros, então não havia exigência de sexo, de cor, de idade ou de condição de saúde. Nós queríamos apenas mais outro filho." A experiência anterior havia ensinado que, no lugar da busca por uma criança ideal, havia o verdadeiro encontro com um filho do coração.

Hoje, Lucas tem 29 anos, Iago tem 27, e Estela, 25. Todos cresceram ouvindo a verdade sobre sua origem. A família está em Brasília há 14 anos, onde construiu uma vida baseada no afeto, na escuta e na convivência.

O amor transforma

Já a empresária Paloma de Almeida, 32, que mora em Águas Claras, conta na perspectiva de uma pessoa que foi adotada como o afeto transformou sua vida. Adotada com apenas 15 dias de vida, ela não chegou a permanecer muito tempo em um lar de acolhimento. Seus pais, impossibilitados de ter filhos biológicos, já haviam adotado outra menina, com 14 anos na época. "Meus pais sempre foram bem abertos nesse sentido de falar a verdade para a gente. Nunca diferenciaram eu ou minha irmã por sermos adotadas", afirma.

Desde cedo, Paloma soube de sua origem, mas o vínculo construído com seus pais adotivos sempre foi o que prevaleceu. Ela relata que, apesar de saber da existência da mãe biológica, nunca sentiu necessidade de conhecê-la, pois se sentia plenamente acolhida e amada. "Eu nunca tive vontade de conhecer minha mãe biológica. Meus pais abriram essa questão, perguntando se queríamos conhecer. Sempre entendi que meus pais são os que me criaram", explica.

Após a perda dos pais adotivos em 2022, Paloma segue reforçando sua gratidão e reconhecimento pelo amor recebido. "Eu sou muito grata a eles por terem me adotado. Eu não sei como teria sido minha vida se eu não tivesse sido adotada, mas eles me deram todo o suporte e apoio para eu ser a pessoa que eu sou hoje. A adoção é um ato de amor".

Além do preconceito

O administrador Emerson Gonçalves, 51; e o técnico em informática Ricardo Gonçalves, 36, realizaram um sonho antigo ao adotarem o pequeno Levi, que hoje tem 2 anos. O desejo de ter um filho começou há cerca de uma década, mas o caminho até a chegada do menino foi marcado por inseguranças e longas esperas. "Fiquei cinco anos na fila, mas nosso perfil aceitava ambos os sexos até 6 anos, foi uma sorte mesmo", contou Emerson.

"Eu me separei do meu marido anterior porque ele não queria filhos, e entrei sozinho na Vara da Infância. Durante esse processo, conheci meu atual marido, que também sonhava em ser pai. Tudo deu certo, e nos casamos. O mais especial foi a chegada do Levi, com poucas semanas de vida", relembra. Levi não veio diretamente de um abrigo, mas passou um período com uma família acolhedora, que ainda mantém contato com o casal. "Temos um grande sentimento de gratidão por eles", completou.

Mesmo com os avanços nas legislações e nas políticas públicas, Emerson destaca os obstáculos enfrentados por famílias homoafetivas. "Os maiores desafios estão relacionados à criação. No hospital, na creche ou no cartão do Sistema Único de Saúde (SUS), sempre pedem o nome da mãe. Já chegaram até a inventar um nome fictício. Casais como nós existem há mais de uma década, mas ainda passamos por isso em muitos lugares", desabafa. Para ele, apesar das barreiras, a adoção trouxe plenitude: "Levi é uma criança solar. Ele nos lembra todo dia do compromisso de formar um cidadão com bons valores. Levi não tem o meu sangue, mas tem todo meu coração. Nossa vida gira em torno dele".

Duas vezes mãe

Mãe de duas filhas, a comunicadora Leonor Soares Costa, 49 anos, é a prova de que nunca é tarde para realizar o sonho de ser mãe. Aos 43, foi mãe da primeira filha e aos 47, da segunda.

Ao se casar, Leonor descobriu que não conseguiria engravidar. Em 2017, ela e o marido Marcos Francisco Urupá, 48, entraram com o processo de adoção. "Fizemos o curso e, em 2019, entramos oficialmente na fila de adoção. Surpreendentemente, após receber o diagnóstico de que não poderia engravidar, acabei engravidando naturalmente da minha primeira filha, a Naomi", relembra. "Até que, em 2023, entraram em contato avisando que tinha uma criança para adoção. Em outubro do mesmo ano, adotamos a Safyra, que tinha 5 anos de idade na época", acrescenta.

Leonor alerta também para os desafios da parentalidade via adoção. "Há desafios particulares, principalmente considerando a idade da criança. Às vezes, ela já passou por algum trauma ou dificuldades antes de ser adotada", pondera. "É um processo de conquista da confiança e do carinho da criança. Hoje em dia, nossa relação com a Safyra está cada vez melhor. Me sinto muito feliz pelas duas filhas que tenho, quando vejo a amizade das duas, o carinho de uma com a outra, vejo que tudo valeu a pena", pontua.

Artigo — Benefício mútuo

Por Silvia de Oliveira, psicóloga e psicanalista

A adoção é muito mais do que um ato jurídico. Para muitas crianças e adolescentes em acolhimento, ela representa a possibilidade de pertencimento, afeto e reconstrução da própria história. Mas esse caminho também envolve perdas, medos e expectativas, tanto para quem é adotado quanto para quem adota. Chegar à adoção geralmente significa que a criança já enfrentou rupturas afetivas anteriores: abandono, negligência, violência ou perdas familiares. Essas marcas emocionais exigem escuta, cuidado especializado e suporte contínuo.

O acompanhamento psicológico é fundamental antes, durante e após a adoção. A terapia ajuda a criança a dar nome às suas vivências, ressignificar os traumas e construir um vínculo novo, sem o peso da idealização. Também é essencial que os pais adotivos tenham esse apoio. A adoção, como qualquer forma de parentalidade, pode ativar conteúdos inconscientes, medos e expectativas irreais. Quando há espaço terapêutico, os pais conseguem se preparar emocionalmente para acolher não apenas uma criança, mas também sua história, seus silêncios, suas resistências e a necessidade profunda de pertencimento que ela carrega.

Na perspectiva da psicanálise, especialmente a de Winnicott, é o ambiente que permite o desenvolvimento emocional saudável da criança. Um ambiente suficientemente bom, com presença afetiva, previsibilidade e segurança, favorece a construção da confiança e o fortalecimento da identidade.

A chegada a uma família adotiva pode ser a primeira oportunidade real de estabilidade emocional para muitas dessas crianças. Quando há vínculo, escuta e constância, há também espaço para que o verdadeiro self emerja. E isso é transformador. Os benefícios da adoção são recíprocos. Para a criança, é a chance de construir laços afetivos estáveis, desenvolver autonomia emocional e resiliência. Para os pais, é um caminho de amadurecimento, empatia e afeto real.

Adotar é uma escolha profundamente humana. Quando abrimos espaço para o outro, abrimos também uma parte de nós que talvez nem conhecíamos. É um processo de reconstrução mútua.

*Estagiária sob a supervisão de Patrick Selvatti

 

 

  • O casal Emerson e Ricardo, com Levi: sem preconceito
    O casal Emerson e Ricardo, com Levi: sem preconceito Arquivo pessoal
  • Paloma e os pais, Aparecido Francisco e Francisca de Almeida Borges
    Paloma e os pais, Aparecido Francisco e Francisca de Almeida Borges Arquivo pessoal
  • Leonor Costa e Marcos Francisco com as filhas, Naomi e Safyra
    Leonor Costa e Marcos Francisco com as filhas, Naomi e Safyra Arquivo pessoal
  •  17/07/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil.  Brasilia - DF. Matéria sobre Adoção. Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita).
    17/07/2025. Crédito: Minervino Júnior/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF. Matéria sobre Adoção. Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita). Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  • Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita).
    Maria Reis (à esquerda) e Vitória Reis (à direita). Minervino Júnior/CB/D.A.Press
  •  Marcos Passarela Bianca Passarela e seu filhos Paola, Luca, Léo e Júlia.
    Marcos Passarela Bianca Passarela e seu filhos Paola, Luca, Léo e Júlia. Minervino Júnior/CB/D.A.Press

 


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postado em 20/07/2025 06:00
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