
Dormir é muito importante para a saúde, mas tem sido cada vez mais negligenciado atualmente. Com o avanço das tecnologias e o uso excessivo de dispositivos eletrônicos, o sono, uma necessidade biológica, tem sido colocado em segundo plano. A exposição prolongada à luz artificial, o uso constante de celulares e o excesso de estímulos mentais dificultam o desligamento necessário para um descanso de qualidade. O neurologista e membro da Academia Brasileira do Sono, Nonato Rodrigues, foi o convidado do CB.Saúde — uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense. Às jornalistas Carmen Souza e Sibele Negromonte, o especialista falou sobre as causas da insônia, especialmente as relacionadas ao uso de celulares e outros aparelhos eletrônicos, os impactos dos distúrbios do sono na saúde física e mental, além de oferecer orientações práticas para quem deseja melhorar sua qualidade de sono.
A insônia está muito ligada ao uso de dispositivos eletrônicos. Como isso tem se manifestado nos atendimentos?
Está havendo uma normalização do que é anormal. A cama foi feita para dormir. O quarto, a temperatura e a luminosidade existem para favorecer o sono. O que estamos fazendo hoje vem de uma tendência antiga. Há um estudo que mostra que, a cada 60 anos, o ser humano perde, em média, uma hora e meia de sono. Com o avanço da tecnologia, essa tendência se intensificou. Levamos para a cama objetos que emitem luz, que piscam, com os quais interagimos, ou seja, levamos estímulos para um ambiente que deveria ser de desaceleração e descanso.
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A televisão no quarto também interfere na qualidade do sono?
Sim. Inclusive, durante o tratamento comportamental para insônia, alguns pacientes aproveitam para redecorar o quarto, retirando a televisão e substituindo por elementos que remetem ao sono.
É verdade que todos precisam dormir oito horas por dia?
O sono varia de pessoa para pessoa. A maioria da população se encaixa em uma curva que chamamos de "normal", no formato de um sino. Estatisticamente, o horário ideal para dormir seria entre 19h30 e 20h. No entanto, há pessoas que precisam de mais de oito horas e outras que funcionam bem com menos de sete, e isso não significa que sejam anormais. Grandes figuras da história dormiam muito pouco. A quantidade de sono ideal depende de como a pessoa se sente ao acordar e da sua funcionalidade ao longo do dia. Além do número de horas, também é importante o horário em que o sono começa. Com o excesso de luz e estímulos hoje em dia, esse início está cada vez mais tardio.
Qual é o melhor momento para começar a dormir?
O sono tem momentos ideais para acontecer, que se chamam bondes de sono. Um desses bondes costuma passar logo após o almoço; outro, por volta das 22h ou 23h. Por volta das 18h, temos um pico de produção de hipocretina, um neuro-hormônio que nos mantém em estado de alerta. Não por acaso, é nesse horário que ocorre o chamado happy hour nas cidades. É um horário que as pessoas estão mais alegres e atentas. Cada pessoa tem suas particularidades.
Como ficam os trabalhadores noturnos diante dessas orientações?
Essa é uma questão muito importante. Nós estamos causando problemas. Vivemos numa época em que é tecnicamente fácil dormir: temos analgésicos, abafadores de som e luz, recursos tecnológicos para criar um ambiente ideal. No entanto, nunca dormimos tão mal. A sociedade atual é pautada pela produtividade, o valor está no que você faz, não no que você é. Muitas pessoas estão trocando o sono por outras atividades, e isso tem gerado consequências sérias para a saúde.
Quais são as consequências de acordar tarde?
Nosso cérebro tem um relógio biológico que controla o nosso sono e a nossa vigília, e o controle hormonal está diretamente ligado a isso. O hormônio do crescimento, por exemplo, atinge seu pico por volta da meia-noite, desde que a pessoa esteja em sono profundo. O cortisol, hormônio ligado à disposição e à imunidade, tem seu pico por volta das 8h da manhã, desde que a pessoa esteja acordada. Quando alguém acorda muito tarde, esse ciclo hormonal é desregulado, o que pode afetar diversas funções do organismo.
A saúde do sono pode impactar a saúde do coração?
Os transtornos do sono matam, e matam pelo coração. O indivíduo que dorme com má qualidade ou simplesmente nem dorme, aciona o sistema de estresse e de preparação para a luta ou fuga. Esse sistema é veiculado pelo cortisol. Isso causa aumento de pressão e arritmias cardíacas. As doenças do sono acabam convergindo com alterações cardiovasculares. Isso tem sido cada vez mais demonstrado, seja qual for o transtorno do sono que a gente estiver estudando.
Esses impactos também afetam a longevidade?
Sem dúvida. Um pesquisador que admiro muito demonstrou que uma única noite mal dormida já é suficiente para causar alterações significativas nos parâmetros que eu mencionei.
O estresse e a ansiedade são grandes causadores da insônia?
Sim. Tem se estudado bastante a respeito disso. Eles são uma associação. Podemos dizer que são quase irmãs gêmeas.
Qual é a principal dica para manter uma boa saúde do sono?
Nosso dia tem 24 horas. Devemos distribuí-las em três blocos: 8 horas para trabalhar, 8 horas para lazer e 8 horas para dormir. Se você não está conseguindo equilibrar essa divisão, há algo errado na gestão do seu tempo.
*Estagiária sob a supervisão de José Carlos Vieira
Cidades DF
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