
É chegada uma das datas mais esperadas para quem ama doces e também uma das mais importantes do calendário religioso da capital federal: o dia de São Cosme e São Damião, celebrado hoje. A comemoração, que une fé, solidariedade e cultura popular, movimenta tanto famílias quanto comerciantes. Nas próximas horas, caixas de balas, mariolas, pipocas, pirulitos e chocolates, entre outras guloseimas, devem ganhar as ruas, distribuídos em sacolinhas coloridas que fazem parte do imaginário coletivo.
A euforia com a chegada da data contagia quem distribui os doces. Maria das Dores Ramos, 80 anos, moradora do Guará, mantém a prática há quase quatro décadas. Tudo começou quando o filho Randal, que nasceu em 27 de setembro, aniversário dos santos gêmeos, teve filhas gêmeas. A partir daí, ela passou a reunir netos, bisnetos e vizinhos em frente à sua casa para a festa.
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"É um prazer muito grande ver as crianças curtindo com o docinho. Não fiz por promessa, apenas pela alegria de vê-las felizes. As vezes, elas arranjam até briga, porque uma quer pegar primeiro que a outra. Mas é muito gostoso", diz Maria, que oferece balas, pirulitos, pipoca e suspiros, entre outros.
O filho dela Randal Ramos, que completa 60 anos hoje, reforça o sentimento de gratidão aos santos. "Só agradecer a Cosme e Damião, que têm me dado muita alegria nas batalhas que vivo na minha vida. Eles me deram minhas filhas gêmeas, que também me abençoaram com netas gêmeas. Se Deus quiser, vou chegar mais longe com a ajuda deles e de Deus também, claro", destaca.
A devoção inspira outras famílias. Tatiane Rodrigues, 49, também do Guará, retomou a prática depois de uma promessa. "Minha mãe e minha irmã faziam há muitos anos. Quando minha mãe faleceu, a gente parou. Mas, no ano passado, eu prometi que, se desse tudo certo na minha vida, eu voltaria. E deu. Então voltei", relata. Para ela, a tradição carrega um valor especial. "É sobre fazer o bem. É prazeroso ver a criançada pegar os saquinhos e não há nada de errado nisso", enfatiza.
Seja pelos doces, seja pela tradição, o importante é aproveitar o momento de união, como o faz Marcela Sena, 27, que deu continuidade a um costume herdado do pai, que fazia aniversário nesta data. "É a primeira vez que faço, mas é um costume familiar. Hoje, junto a homenagem ao meu pai, eu entrego os doces em forma de agradecimento. Quero que seja um costume meu também, de agora em diante", adianta.
Milagres
Aos 76 anos, Jandira Menezes mantém firme a celebração de Cosme e Damião. Moradora da Asa Norte, ela passou a distribuir doces na intenção da saúde do filho, que sofria de uma alergia severa. "Comecei a fazer por necessidade, pela cura do meu filho. Hoje, ele se curou, está grande, e eu continuo fazendo por amor, por prazer, homenageando o dia deles e a eles também", afirma.
Mais do que uma promessa, a prática se transformou em fonte de felicidade. Todos os anos, Jandira prepara sacolinhas recheadas para distribuir às crianças que batem à sua porta. Para ela, esse é um dos momentos mais especiais. "Só de ver aquele tanto de criança correndo atrás dos doces eu acho muito prazeroso e acho também que me torno uma criança naquela hora. Enquanto puder, vou distribuir os docinhos no dia de Cosme e Damião", garante.
Para Michele Pereira, esse dia é sinônimo de gratidão. A devoção nasceu em um momento delicado: durante a gravidez de João Pedro Nel, hoje com 15 anos, ela enfrentou um descolamento de placenta e risco de perder o bebê. "Foi quando eu virei devota de Cosme e Damião. Falei que, se o meu filho viesse ao mundo, eu daria 18 anos de Cosme e Damião. Esse ano já é o 16º que eu cumpro a promessa", conta. Para ela, cada sacolinha representa a celebração de um milagre que marcou sua vida.
Todos os anos, Michele providencia as guloseimas com a ajuda do filho, a quem chama de "meu milagre". "O meu filho do milagre me acompanha, ele que faz os 50 saquinhos todo ano e eu entrego com ele. Eu fico muito grata ao ver as crianças recebendo com festa. É a minha forma de agradecer o que recebi, e de retribuir esse milagre oferecendo doces, que também simbolizam a doçura das crianças na Umbanda", finaliza.
Comércio
Nas lojas especializadas em doces, a data é uma das mais aguardadas do calendário. Comerciantes relatam aumento significativo na procura por kits prontos e embalagens personalizadas, que facilitam a vida de quem quer manter a tradição sem abrir mão da praticidade. Segundo Leila Miranda, sócia-proprietária da Aliança, distribuidora de doces focada em produtos para a data, o impacto nos negócios é expressivo.
"As vendas na véspera de São Cosme e São Damião chegam a um crescimento em torno de 500% a 600%", destaca. Apesar de a loja oferecer descontos e incentivar a compra antecipada, a maior parte dos clientes ainda protela. "A maioria deixa para comprar na véspera ou até mesmo no dia", conta.
O volume adquirido também chama atenção. A média gira em torno de doces suficientes para cerca de 50 saquinhos por cliente, mas há casos que ultrapassam essa marca de longe. "Já chegamos a vender para uma única pessoa a quantidade de doces suficiente para ela distribuir mil saquinhos", conta Leila.
Entre os produtos mais procurados, estão os clássicoso da celebração. "Os clientes buscam muito balas sortidas, pirulitos, doces tradicionais, como suspiro, maria mole e doce de abóbora, além de paçoca, cocada e também os kits prontos, que montamos com uma variedade de guloseimas que costumam ser mais pedidas", explica.
Para Leila, a participação no dia de São Cosme e São Damião vai além do aspecto comercial. "É um sentimento de alegria e orgulho. A gente não vende apenas doces, mas participa de uma celebração que une famílias e comunidades. É gratificante ver a felicidade das crianças e saber que fazemos parte de uma tradição cultural e religiosa tão importante, que remete boas lembranças a quem está distribuindo e montando os saquinhos", conclui.
Origem
Igreja Católica
Por Dom Fernando Guimarães, Arcebispo do Ordinariado Militar do Brasil Emérito e Vigário Judicial e Presidente do Tribunal Eclesiástico de Brasília
"Para a Igreja Católica, os santos Cosme e Damião, segundo as atas antigas, são dois irmãos médicos que exerciam a sua profissão e atendiam gratuitamente os pobres da sua região. Eles padeceram em martírio na Síria e seu culto se difundiu muito cedo em toda a igreja desde o século IV, nos anos 300. Hoje, se celebra esses santos porque é a data da dedicação da basílica que foi construída em Roma em sua homenagem pelo Papa Félix IV, que governou dos anos 525 a 530. A basílica foi dedicada por ele no dia de 26 de setembro e daí toma a data para a celebração litúrgica desses dois santos mártires. Eles tiveram uma importância, uma devoção muito grande na igreja primitiva, tanto assim que o nome dos dois é inserido na memória dos santos do cânon romano, ou seja, a oração eucarística número um que a igreja, desde antiguidade, celebra na Eucaristia."
Umbanda e candomblé
Por Mãe Beth de Iansã, diretora cultural da Federação de Umbanda e Candomblé de Brasília e Entorno
"Para a umbanda e o candomblé a data é lembrada em 27 de setembro, quando são reverenciados como orixás gêmeos, os Ibeji, filhos gêmeos de Xangô e Iansã. Na época da escravidão no Brasil, a população negra escravizada fazia associações a santos católicos para poderem seguir sua reverência, evitando perseguições. Assim o fizeram com São Cosme e São Damião. A tradição da troca de doces vem do fato de serem orixás crianças. Todos os terreiros fazem questão de comemorar, porque essas entidades passam o ano todo cuidando de nós e trazendo alegria. É um jeito de agradecer e de retribuir. Não é à toa que Cosme e Damião comandam o domingo, um dia de felicidade, de estar com a família, de brincar com as crianças e de celebrar a vida"
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