
As rodas se abrem, o chão vira palco e os corpos narram histórias no ritmo do beat. Nesse sábado (26/9), no Sesc Ceilândia, a energia foi além da música, tomou conta do espaço, transbordou das arquibancadas e se espalhou pela cidade. É a 9ª edição do Festival Nacional de Breaking Quando as Ruas Chamam, um dos maiores encontros de dança de rua do Brasil, que une arte, resistência e celebração da cultura urbana em um só fluxo.
O público que chega sente a vibração: o som do DJ mistura batidas clássicas do hip-hop com experimentações modernas, enquanto os grafites coloridos criam o cenário perfeito para a batalha. Nas arquibancadas, famílias inteiras se acomodam com olhares curiosos, crianças imitam passos ainda desengonçados e veteranos lembram os tempos em que o break ecoava nas praças e quadras de Ceilândia como forma de protesto e afirmação cultural.
Quando a roda se forma, a atmosfera muda. Cada dançarino entra como um guerreiro urbano, cada passo é ataque, cada giro é defesa, cada freeze é vitória silenciosa. No lugar de armas, movimento. No lugar de gritos, o eco do hip-hop. No centro da roda, o corpo se torna discurso, e o chão, página em branco para ser reescrito a cada batida.
Idealizador do projeto, o B-boy Alan Jhone acredita que cerca de mil pessoas passem pelo festival ate hoje, com 200 dançarinos de diferentes regiões e países. "O público vai encontrar o break da forma mais natural como ele é praticado. Aqui é reunião de dançarinos e da cultura hip-hop em geral. A Ceilândia é um polo do break no Distrito Federal. A ideia é fortalecer nossos artistas, promover intercâmbio com dançarinos de fora e aproximar a comunidade dessa arte, que tem uma trajetória tão parecida com a própria história da cidade: feita de resistência e luta", afirma.
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A programação é extensa. Com entrada gratuita e classificação livre, o evento conta com batalhas, música, artes visuais e debates. As disputas estão divididas em cinco modalidades: Crew Battle (grupos), 1x1 Battle, B-Girl Battle (feminino), Especial Battle (PcD) e a democrática Cypher Kings/Queens, onde qualquer pessoa pode entrar na roda, mesmo sem competir oficialmente. É nesse espaço que se revelam talentos inesperados e que a essência da cultura se mostra mais viva.
O festival também tem sotaques de fora. O mexicano Emiliano Moncada, 33, saiu de Guadalajara para viver essa experiência. "Estou aqui para fazer esse movimento crescer. Ganhar ou perder não importa: o essencial é dançar, porque é pura emoção. Ter a atenção das pessoas é algo poderoso. É o instante de brilhar e compartilhar quem você é. Essa é a verdadeira vitória", afirma.
No meio do público, é impossível ficar parado. Jovens torcem por suas crews favoritas, crianças improvisam passos na lateral da quadra e idosos batem palmas no compasso, lembrando o tempo em que a Ceilândia era berço dos primeiros movimentos de hip-hop no DF. A cada batalha, as arquibancadas vibram como se fosse final de campeonato.
Vindo de Santa Catarina, Adriano Oliveira, o Drikow, 37, pisou pela primeira vez em Brasília para participar. "Brasília já ganhou meu coração na chegada. Hoje, dançar é meu refúgio, meu jeito de aliviar o peso do mundo. Não é mais só técnica, é encontro comigo mesmo. Estar aqui é desafiar meu próprio coração, e eu estou muito feliz em participar dessa batalha", conta.
Mas a cultura não se limita ao espaço físico. Pensando em ampliar o alcance, a organização abriu seletivas virtuais por vídeo, dando oportunidade a dançarinos que não puderam viajar. Outra novidade foi o Concurso Virtual de Graffiti, que definiu a identidade visual da edição de 2025. A arte vencedora, assinada pelo grafiteiro paulista Dan, está estampada em todos os materiais gráficos do festival, reforçando a união entre dança e artes visuais.
Hoje, a partir das 14h, as batalhas tomam conta do Sesc, acompanhadas de shows da banda Groove Attak (DF), performances livres e discotecagem de DJs consagrados como Batata Killa (SP) e Sapo (DF). No microfone, a condução é de MC Uiu (SP), mantendo a energia lá em cima. O time de jurados inclui referências, como Porteño (Argentina), Fanny (GO) e Pedrinho (RS), garantindo olhares diversos e experiências ricas nas avaliações.
É duelo, mas também é abraço. É disputa, mas também é respeito. No fim das contas, mais do que vencer, o que importa é celebrar a criatividade, a coletividade e a força de uma cultura que nasceu das ruas e, até hoje, pulsa nelas. A Ceilândia, com sua história de resistência e voz ativa, reafirma-se como um dos berços mais potentes da arte urbana no Brasil.
Cidades DF
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