A Operação Psicose, desencadeada nesta quinta-feira (4/9) pela Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), desaticulou a maior quadrilha de tráfico de cogumelos alucinógenos do país. Além de produzir e distribuir em larga escala a psilocibina, o grupo é suspeito de cometer crimes ambientais, contra a saúde pública e lavagem de dinheiro. Segundo a investigação, os suspeitos movimentaram cerca 1,5 tonelada de drogas, em mais de 3,7 mil remessas enviadas pelos Correios.
Foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão e nove de prisão em oito estados: Distrito Federal, São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Pará, Espírito Santo, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Duas pessoas foram presas em flagrante no Distrito Federal, em Taguatinga e em Águas Claras. Uma delas é estudante universitário. A Justiça determinou o bloqueio de contas bancárias, bens, perfis em redes sociais e sites usados pelo esquema.
De acordo com a delegacia de Coordenação de Repressão às Drogas (CORD), as investigações começaram a partir do monitoramento da ação da quadrilha na internet, onde a droga era divulgada e vendida. "No começo deste ano, chegamos ao grupo de Brasília que produzia e comercializava a psilocibina por meio de comércio eletrônico. Outros produtores foram identificados no Paraná, em Santa Catarina e em São Paulo. Eles formaram um grupo criminoso com atuação nacional", explicou o delegado Waldek Fachinelli Cavalcante, da CORD.
Bases
Segundo o delegado, a quadrilha possuía bases no Distrito Federal, em Santa Catarina e no Paraná. Para mascarar a origem ilícita do dinheiro e disfarçar a produção e a comercialização da droga, os investigados utilizavam empresas registradas formalmente, em setores como alimentação. A estrutura contava com forte apelo de marketing digital, incluindo sites com design profissional e impulsionamento pago em redes sociais.
A droga era produzida em larga escala, principalmente no Paraná, em galpões industriais onde dezenas de pessoas trabalhavam em uma estrutura profissionalizada. A investigação apurou que o grupo produzia mais de 30 quilos de cogumelos por dia.
Cada vez mais usada em festivais de música eletrônica, a psilocibina substitui entorpecentes sintéticos, o que motivou a quadrilha a focar no público jovem. De acordo com a polícia, os criminosos investiam em influenciadores digitais, em DJs e em estandes em eventos para promover as drogas como se fossem produtos convencionais. Nas propagandas, alegavam supostos benefícios à saúde do consumo da psilocibina, dando aparência científica e de normalidade ao uso do psicotrópico.
Fachinelli explicou que o grupo usava diferentes canais para conquistar clientes, inclusive, reportagens pagas, favoráveis ao consumo da droga. "Eles traziam uma narrativa científica de benefícios para saúde, com intuito de aumentar as vendas, porém, o consumo e a venda da psilocibina são proibidos", destacou o delegado, acrescentando que o grupo contava com a colaboração de agentes públicos para blindar as atividades ilegais.
Os consumidores eram atraídos a páginas na internet e a grupos de conversa, onde ocorriam as vendas. O envio dos entorpecentes era feito via dropshipping, modelo de comércio eletrônico no qual o vendedor não mantém estoque físico, o que dificulta a fiscalização.
Distribuição
Para ampliar o alcance, os criminosos mantinham contratos com os Correios e com empresas de logística, enviando remessas a partir de diferentes cidades. Além das 3.718 entregas registradas, a psilocibina chegava aos consumidores por outros meios de transporte.
Quando a remessa não estava disponível em um ponto, era enviada por outro fornecedor, o que garantia a continuidade do esquema. Além disso, o grupo fornecia grandes quantidades para traficantes de psilocibina de todo o país.
O delegado da CORD informou que foram solicitados à Justiça mandados de prisão e o sequestro de mais de R$ 250 milhões, ja deferido. "O grupo contava com a colaboração de um emaranhado de empresas. Por isso, em outras fases da operação, faremos a análise desses dados para chegar a outras pessoas, que serão responsabilizadas", adiantou. "Todos que colaboram com o crime respondem por ele também. Como o grupo agia em todo o país, contaremos com a colaboração de outros estados", afirmou. A operação contou com o apoio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), da Receita Federal e dos Correios.
Os acusados responderão por tráfico de drogas, lavagem de dinheiro, associação criminosa, crimes ambientais, publicidade enganosa, curandeirismo e outros delitos previstos em diferentes legislações. Caso sejam condenados, podem pegar até 53 anos de prisão.
Quatro perguntas para
Pedro Leopoldo, psiquiatra do Hospital Brasília Águas Claras
Quais os riscos do consumo de cogumelos alucinógenos?
Incidentes fatais, causados por overdose de psilocibina, são extremamente raros. O grande perigo, na verdade, reside na identificação incorreta da espécie de cogumelo. É muito difícil, até para especialistas, diferenciar um cogumelo psicodélico de uma espécie altamente venenosa, como o Amanita phalloides, popularmente conhecido como "chapéu-da-morte". A ingestão de uma dessas espécies venenosas pode levar à falência hepática, renal e até à morte.
Quais danos eles podem causar à saúde mental?
Esses danos estão diretamente ligados à predisposição do indivíduo e ao contexto do uso. O risco de danos permanentes é considerado baixo para pessoas sem histórico de transtornos psicóticos. No entanto, o consumo da substância pode desencadear episódios psicóticos agudos em pessoas com predisposição genética ou com histórico familiar de doenças como a esquizofrenia. Por essa razão, a maioria dos ensaios clínicos com psilocibina exclui indivíduos com esse histórico. No curto prazo, a experiência psicodélica pode causar ansiedade, pânico e desorientação, especialmente em doses elevadas.
Por que as pessoas buscam consumir esses cogumelos?
As motivações para o consumo de cogumelos psicodélicos são diversas, variando do uso recreativo à busca por autoconhecimento e por experiências espirituais. Muitos usuários relatam que a substância proporciona uma jornada introspectiva que leva a uma sensação de paz interior e de conexão com o presente. Além disso, há um crescente interesse no potencial terapêutico da psilocibina. Pesquisas científicas indicam que a substância pode ser uma ferramenta promissora para tratar condições como a depressão maior resistente a tratamentos, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático e dependência de substâncias.
Quais são os efeitos?
A psilocibina age no cérebro alterando a percepção sensorial e a consciência. Ela "dessincroniza" uma parte do cérebro, chamada Rede de Modo Padrão, que está ligada ao nosso senso de identidade. Essa ação neurobiológica leva a uma variedade de efeitos, que podem incluir: intensificação da percepção, sentido de tempo alterado, introspecção profunda e dissolução do ego.
