A defesa de políticas culturais com ações afirmativas marcou o debate Histórias de Consciência: Mulheres em Movimento, promovido pelo Correio Braziliense nesta quarta-feira (19/11). O evento gratuito, mediado pelas jornalistas Carmen Souza e Rosane Garcia, reuniu 11 palestrantes para discutir o protagonismo das mulheres negras no país. Ao lado de pesquisadoras e gestoras, a ministra da Cultura, Margareth Menezes, falou sobre a democratização do acesso: "Só se sustenta quando alcança quem está na ponta e quando reconhece a potência do povo negro".
Em 25 minutos, a ministra destacou os feitos do Ministério na área da inclusão e a oferta de oportunidades à mulher negra, frisando a importância da luta coletiva para a causa, independentemente de cor ou raça. A ministra bateu insistiu na necessidade de ações afirmativas e citou a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB) — uma iniciativa do governo federal que visa fomentar a cultura em todos os estados, municípios e no Distrito Federal, por meio de um repasse financeiro contínuo e permanente. "O fundo chega a 99% das cidades e 100% dos estados brasileiros. Dentro dessa política, trazemos também as cotas."
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"Começamos no Ministério fazendo ações para trazer mais mulheres para nossas políticas do audiovisual, lançando edital para oportunizar essa perspectiva para mulheres negras e indígenas. É uma maneira de colocarmos luz neste momento. Estamos sendo transversais nessas políticas. E isso tem tudo a ver com a mulher. É a mãe que acolhe, que garante o crescimento dos seus filhos", destacou.
Margareth lembrou que a cultura brasileira é majoritariamente movida por mulheres e que a democratização do acesso passa por reconhecer essa liderança. "Quando fortalecemos essas profissionais, reconstruímos a política, a sociedade e a democracia que queremos materializar."
Na fala, a ministra destacou, ainda, a importância da luta contra o racismo ser coletiva e a necessidade de o brasileiro acreditar no próprio potencial. "Qualquer país tem problema, questões sociais, e, às vezes, a gente se julga, quando lá fora nos veem com muitas oportunidade. E tem lugar para todo mundo, especialmente para as mulheres negras." Segundo ela, a luta contra o racismo não deve ser encabeçada apenas por pessoas negras. "É do ser humano em fazer e querer ver um país melhor, mais fraterno, onde haja muita fé."
Negacionismo
"O fato de fingir que o racismo não existe é o pior que pode acontecer", opinou a vice-governadora Celina Leão. Ela também participou da abertura do evento ontem.
Em sua fala, destacou as ações promovidas pelo GDF. "Temos implementado a legislação aqui no DF. Além disso, fazemos campanhas voltadas para o ensino que abrange desde o fundamental até o ensino médio. Queremos também trazer a implementação efetiva da lei 10.639 (obrigatoriedade do ensino de cultura afro-brasileira). Ações como essa têm o poder para mudar a cultura do país", afirmou.
Para Celina, o Brasil negou por muito tempo o preconceito. "A negação impediu que a gente evoluísse de forma mais incisiva na luta contra o preconceito. Por isso, precisamos desses espaços de fala para reconhecer onde estamos e o que precisamos melhorar", disse.
Celina se emocionou ao relembrar um caso de preconceito sofrido pelo filho. "Ele estava em uma fila na escola e uma senhora passou na frente dele. Meu filho avisou que tinha uma fila e a mulher olhou para trás e falou 'Eu pensei que tinha fila para branco'", relembrou. "Essa situação que eu vivi muitas outras pessoas vivem. Precisamos realmente reprimir essas ações", acrescentou.
Educação
Gina Vieira, mestre em linguística pela Universidade de Brasília (UnB) e idealizadora do Programa Mulheres Inspiradoras, defendeu uma transformação urgente na educação básica para enfrentar o racismo e o sexismo ainda presentes na formação escolar brasileira.
A docente lembrou que sua trajetória nasce do valor dado à educação dentro de casa. "A máxima que trouxe minha mãe para Brasília foi: 'Meus filhos nascerão em um lugar que tem escola'. Meu pai, mesmo não alfabetizado, foi o homem mais íntegro que conheci. Eles me ensinaram a amar a educação", disse. Movida por essa herança, tornou-se professora em 1991, em Ceilândia, onde percebeu, cedo, que os livros didáticos eram "máquinas de apagamento".
"Nos materiais escolares, as mulheres não apareciam como heroínas ou protagonistas. Como esperar que meninas sonhem grande se desde a infância aprendem conteúdos que reduzem mulheres a coadjuvantes ou objetos?", questionou. Para Gina, a escola que temos ainda é racista e sexista, porque reproduz a lógica de um país que por séculos violentou e silenciou pessoas negras. "Há quem diga que todos somos iguais. Não somos. E é um imperativo inegociável que o projeto pedagógico rejeite todas essas desigualdades."
A educadora defende uma formação crítica, capaz de preparar cidadãos para pensar por si mesmos e enxergar o país sem distorções históricas. E criticou a baixa representatividade de mulheres — especialmente negras — na política institucional. "Partidos, em todo o espectro, não priorizam eleger mulheres. Isso tem impacto direto nas políticas públicas, inclusive na educação."
Ao final, criticou o regime das escolas cívico-militares do DF. "Preciso registrar minha crítica cabal à escola cívico-militar, que não forma pensamento crítico, não forma para emancipação. Precisamos formar cidadãos autônomos capazes de pensar por si mesmos. Não nos interessa escola que ensina a obedecer, se sujeitar, mas nos interessa escolas que ensinem os alunos a fazerem leitura crítica do país, que olhem para a história sem desrespeitá-la."
Assista ao debate neste link:
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