CONSTRUÇÃO

Obra polêmica no Complexo Mané Garrincha é retomada

Arena BRB afirma que estrutura em construção será voltada a esportes, eventos e congressos. Iphan aguarda análise definitiva do projeto. Especialistas apontam descaracterização do Plano Piloto

As intervenções no entorno do Estádio Nacional Mané Garrincha voltaram a movimentar a área central de Brasília. Máquinas e funcionários revelam que algo de grande porte está sendo erguido. A obra, que começou em setembro do ano passado, passou por idas e vindas, interrupções, embargos e reautorizações do Governo do Distrito Federal (GDF). 

A Administração do Plano Piloto deu autorização para comércio varejista e atividades esportivas. O documento permitia construir um mercado de conveniência com dois restaurantes. No entanto, o que começou a ser erguido era, na verdade, um empório de uma grande rede atacadista.

Em resposta, o governador Ibaneis Rocha suspendeu o alvará da obra, alegando que naquele espaço não poderia haver comércio atacadista, por não constar no projeto de concessão. As intervenções ficaram paradas até fevereiro de 2025, quando o governador restabeleceu a autorização de construção. Um Grupo de Trabalho (GT) foi criado para acompanhar o desenvolvimento do projeto.

Agora, a obra se transformou em um Complexo Multiuso, segundo a Arena BRB, responsável pela administração do estádio e de todo o conjunto concedido à iniciativa privada.

"Plena conformidade"

Procurada pelo Correio, a Arena BRB nega que esteja construindo qualquer empreendimento alheio ao que foi autorizado. Em nota, a concessionária afirmou que “as obras em andamento no setor originalmente destinado ao empório gastronômico integram o conjunto de equipamentos previstos para o Complexo Multiuso do Estádio Nacional Mané Garrincha”.

Segundo a empresa, a estrutura será voltada “para atividades esportivas, congressos, feiras e eventos corporativos, reforçando a vocação pública do espaço e ampliando sua capacidade de atendimento à população”.

“As obras estão em plena conformidade com todas as exigências legais e regulamentares aplicáveis. Os projetos foram submetidos aos órgãos competentes, incluindo Terracap, IPHAN, SEDUH e IBRAM, em consonância com o Contrato de Concessão nº 38/2019 e com a legislação urbanística e patrimonial vigente”, completa

A concessionária reforça que o projeto vencedor do concurso público de 2019 — o Boulevard, uma estrutura de entretenimento, gastronomia, comércio, cinema e clínicas — continua válido. De acordo com a nota, “a fase de obras estruturais está programada para início em 2026, com previsão de conclusão em 2030”.

Preservação do patrimônio

Ao Correio, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), porém, relata que o projeto em execução ainda não passou por sua análise definitiva. Em nota, a autarquia destacou que o conjunto do Setor de Recreações Públicas Norte (SRPN) já conta com diretrizes de preservação, e que qualquer novo projeto deve se ajustar ao anteprojeto aprovado em 2019.

“Foram solicitadas à Seduh informações atualizadas sobre o projeto executivo, contendo propostas de atualização no anteprojeto, feitas pelo Arena BSB, e que ainda precisam ser submetidas à anuência do Iphan”.

Além disso, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi firmado entre o Iphan e o consórcio para impedir desconformidades em relação ao projeto original. O Instituto reforça que o compromisso com o concurso público de 2019 é parte do contrato de concessão e deve ser exigido pelo GDF.

Entre urbanistas, o cenário preocupa. Para Frederico Flósculo, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (UnB), o que está sendo construído fere o espírito do projeto original de Lúcio Costa e altera a vocação da área.

“É um complexo de distorções, um complexo de mudanças na cidade extremamente oportunista e de baixíssimo nível, se for considerado o alto padrão de organização do Plano Piloto”, diz.

Flósculo ressalta que o setor deveria priorizar atividades esportivas comunitárias, não empreendimentos comerciais de alto impacto. “Aquela área era para ser de esportes. Uma área para a comunidade poder usar quadras de esportes e lutas. Uma área que não tem nada a ver com bebida, noitada e bailada. É um desrespeito. É a ideia de transformar Brasília em uma cópia de centros de entretenimento de adultos. Não é essa a vocação de Brasília”. 

O urbanista também critica a atuação do Iphan, que, em sua avaliação, não tem sido firme na proteção do Plano Piloto. 

“Esta distorção está passando na frente do Iphan, que não está atuando de forma positiva em manter os usos que devem ser assegurados no Plano Piloto. Não há a menor noção sobre o projeto de Lúcio Costa”, conclui.

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