*Manuela Sá — Com formatos abstratos, cores vibrantes e uma profusão de curvas, a nova instalação permanente do artista plástico Rogério Reis, no Parque da Cidade, embeleza e traz reflexão para a capital do país. Às margens do lago, o público encontra quatro obras de seis metros de altura que compõem o conjunto Esculturas das Águas, cada uma simbolizando um dos pontos cardeais. A instalação faz parte de um projeto de Reis para celebrar Brasília como berço das águas e epicentro do Cerrado.
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Feitas de placas de cimento e estrutura de aço, as esculturas são uma doação do artista à cidade e foram produzidas com auxílio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC), da Secretaria de Cultura do GDF. Devido à dificuldade em produzir os materiais, com tamanhos monumentais e linhas trançadas, a instalação exigiu quase um ano de trabalho até a conclusão das peças.
O projeto é fruto de uma pesquisa de 10 anos de Reis sobre Brasília acerca da identidade, símbolos e aquilo que habita o imaginário dos moradores da capital. "Brasília me forjou, tanto no aspecto dos traços, com inspiração em Oscar Niemeyer, quanto no caráter utópico", afirma.
As esculturas são inspiradas no manifesto "Brasília, Capital da Idade Verde", elaborado pelo artista em 2022. De acordo com ele, a cidade, eleita pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade, é o "epicentro de um novo tempo". Essa seria o início de uma nova relação do ser humano com a natureza, marcada pelo equilíbrio. "Brasília vai ser o berço dessa mudança. Ela é uma cidade profetizada, utópica e plural", defende.
Ainda segundo Reis, que é formado pela Escola de Belas Artes da UFRJ e vive e trabalha em Brasília há muitos anos, quando pesquisadores falam em idade verde, eles se referem, no geral, à transformação da matriz de energia de carbono em energia limpa. A abordagem do artista para o tema é outra. Ele acredita que a "transformação vai muito além: ela é uma reforma íntima". A revolução em que acredita é "cognitiva, existencial e econômica".
Brasília ganha essa relevância devido ao seu caráter utópico. Uma cidade projetada, que nasceu de um sonho, "representa o patrimônio ambiental e racial do país". A diversidade que fascina Reis está presente tanto no campo das ideias quanto na dimensão física. Sua linha de pesquisa procura entender como se dá essa pluralidade: "A amálgama que gerou nossos corpos também deu origem aos nossos mitos".
Elemento essencial
Entre os vários elementos naturais que compõem o patrimônio ambiental de Brasília, Reis decidiu homenagear as águas da região. O artista destaca a importância desse elemento para a vida no planeta. Ele lembra que, quando cientistas procuram sinais de existência fora da Terra, a primeira evidência buscada é justamente a presença de água, considerada assinatura de vida. Para Reis, essa associação reforça o caráter sagrado e universal do elemento, que ultrapassa fronteiras e culturas.
Por mais contraditório que pareça, o Cerrado, conhecido por sua longa temporada de seca, é o berço das águas. Esse bioma abriga várias nascentes de rios que abastecem importantes bacias hidrográficas da América do Sul, como Paraná, Tocantins-Araguaia e São Francisco. O Cerrado também é importante fonte de água para a Bacia Amazônica. Esse papel vital faz com que Reis se refira ao bioma como a "mãe da Amazônia", uma metáfora que ressalta sua função de suporte e equilíbrio ambiental para o continente.
O artista também comenta o desafio de representar a água por meio da escultura. Ele optou por dar destaque à fluidez desse elemento por meio de linhas e curvas. Tradicionalmente associada ao azul, a água é, na verdade, transparente e, por isso, reflete as cores do ambiente. Essa característica guiou sua escolha pela paleta vibrante: amarelo, azul, vermelho, rosa e roxo, que dialogam com a paisagem ao redor. Mas há um sentido adicional por trás dessa explosão de cores: "Fiz assim, porque vida é cor".
Interesse
O resultado desse projeto gera curiosidade em quem passa pelo Parque da Cidade e vê as novas esculturas coloridas. As peças, distribuídas em pontos estratégicos do parque, chamam a atenção tanto pela imponência quanto pelo contraste vibrante com o verde ao redor. É o caso do assessor legislativo Randson Pereira, de 32 anos. Ao passear com a família, ele percebeu a novidade e, com o QR Code disponível na escultura, informou-se sobre a temática da obra. "Elas deram uma nova aparência ao parque. Além disso, o tema escolhido é adequado e conversa com o ambiente", diz.
Formada em letras, Sara do Nascimento, 28, também considera pertinente a escolha de homenagear esse elemento da natureza. Para ela, a intervenção cumpre um papel educativo e sensível ao mesmo tempo. "Realmente, precisamos pensar em uma nova forma de se relacionar com os recursos naturais. É importante começar esse diálogo sobre a preservação do meio ambiente, com destaque para a água, especialmente em Brasília, onde é muito seco", avalia.
A fluidez escolhida para representar a água convida o público a passear pela própria imaginação. Próximo a uma das esculturas, duas meninas olham com curiosidade para a obra amarela e vermelha. Para a estudante Gabriela Bargas, 18, as cores e formato da instalação remetem ao fogo. Já a também estudante Jordana Binotti viu um pássaro na obra de Reis.
Para elas, a forma instigante das esculturas faz com que os admiradores tenham interesse em saber mais sobre o assunto de que tratam. A arte, nesse sentido, funciona como um ponto de partida para discussões maiores. "Uma obra que leva as pessoas à reflexão é essencial em ano de COP30. Este ano, aconteceram várias tragédias ambientais. Precisamos pensar em como vamos lidar daqui para frente com a natureza e com os nossos recursos", destaca Jordana.
*Estagiária sob supervisão de Tharsila Prates
