
* Por Lara Costa
Moo Shong Woo, conhecido em todo o Distrito Federal como Mestre Woo, morreu neste sábado (6/12), aos 93 anos, deixando um legado que atravessou gerações e transformou a paisagem humana e cultural de Brasília. Pioneiro do tai chi chuan na capital federal, ele se tornou uma das figuras mais emblemáticas da vida comunitária brasiliense, reconhecido por sua serenidade, sua dedicação à saúde integral e pela prática pública, gratuita e contínua das artes marciais chinesas. A causa da morte foi um infarto.
Com o lema "quando se tem saúde, se tem tudo", em 1974 Mestre Woo começou a praticar tai chi chuan na Entrequadra da 104/105 Norte, local que mais tarde se transformaria na Praça da Harmonia Universal, espaço público de convivência declarado patrimônio cultural imaterial de Brasília pela Lei Distrital nº 3.951, em 2007.
Políticos, amigos e alunos lamentaram a morte do pioneiro. "Foi uma das figuras mais importantes de Brasília. Um homem que, a vida inteira, cultivou o sentimento de paz", destacou o deputado distrital Chico Vigilante, que em 2016 foi autor de uma homenagem a ele na Câmara Legislativa (CLDF), pela introdução e o ensino gratuito do tai chi chuan e da medicina chinesa na capital.
Em 2018, o mentor foi reverenciado na Câmara dos Deputados, em homenagem ao Dia Mundial do tai chi e chi kung, proposta pela deputada Érika Kokay. "Ele foi um verdadeiro agente transformador e um mensageiro da paz. Ao criar a Praça da Harmonia Universal, fez daquele espaço público um exercício à democracia e ao direito à cidade. Mestre Woo, que tanto nos ensinou sobre paz, saúde, fraternidade e beleza, nos fez acreditar mais na humanidade e transformou para melhor a vida de todas as pessoas que conviveram com ele, inclusive, a minha", disse a parlamentar, em nota.
Mestre Dada Inocalla, instrutor de tai chi being tao na Praça da Harmonia Universal, conheceu Mestre Woo em 1976, quando veio das Filipinas para o Brasil, e o considera um "pai adotivo". "Ele fazia seu trabalho com amor para servir à humanidade, por meio das aulas gratuitas. Foi bom exemplo para a sociedade, com boas condutas", assinalou.
Praticante de tai chi desde 2006, Maria Maia, poeta e frequentadora da praça, ressaltou que Mestre Woo teve uma trajetória de amor e cuidado pela coletividade. "Era atencioso, generoso e solícito com todos. Tive a sorte de conhecer e praticar o tai chi e o chi gong, que permitem aos praticantes se tornarem médicos de si mesmos, tal o benefício para o corpo, para a mente e para o espírito."
Nas redes sociais, a Federação Oficial Wushu do DF postou uma foto com uma homenagem ao Mestre Woo. "Hoje, a comunidade de wushu e de tai chi Chuan do Distrito Federal se despede de um verdadeiro mestre, um símbolo de sabedoria, generosidade e amor: Mestre Woo."
O líder comunitário Jeann da Cunha também fez um tributo ao pioneiro nas redes, lembrando que moravam na mesma quadra, a 105 Norte. "Gratidão, meu querido amigo. Já deixou saudades! Que descanse na paz de Deus! Meus sentimentos profundos pra toda a família e amigos."
Tradições
Nascido em 3 de março de 1932, na cidade de Chiayi, Taiwan, Moo Shong Woo cresceu cercado pelas tradições das artes marciais e da medicina chinesa. Formado em arquitetura, decidiu estudar medicina nos Estados Unidos, na década de 1950, para unir corpo, mente e filosofia em uma mesma compreensão de mundo.
Em 1961, se mudou para o Brasil e morou em Minas Gerais e em São Paulo até 1968, quando se interessou pela capital do país e se mudou para cá. No início da década de 1980, criou a Associação Being Tao (ABT) para dar forma institucional às práticas de tai chi, meditação, respiração, automassagem e saúde integral que já realizava na Praça da Harmonia Universal desde 1974.
A entidade nasceu com caráter comunitário, voluntário e inclusivo, sem fins lucrativos, e tornou-se o núcleo organizador das atividades públicas conduzidas por Woo, consolidando a praça como um espaço de convivência, aprendizagem intergeracional e promoção do bem-estar físico, mental e espiritual em Brasília.
Com aulas gratuitas e coletivas, para pessoas de todas as idades e condições de saúde, o local passou a ser ocupado, ao amanhecer, por coreografias lentas, respirações profundas e uma sensação de acolhimento que ele ajudou a moldar e que se tornou uma das marcas culturais da cidade.
Segundo Antonio Prates Amorim, presidente da ABT, o caminho da prática chinesa continuará belo e aberto para todos que buscam uma existência com fraternidade, saúde e paz. "O exemplo de dedicação e generosidade por todos esses 51 anos em que o Mestre Woo nos transmitiu seu profundo conhecimento do taoismo e da prática do being tao tai chi, sempre acolhendo a todos que tiveram o privilégio de com ele conviver, não se perderá. Em Brasília, em diversas partes do Brasil e até em outros países, seus discípulos darão continuidade ao seu trabalho."
Homenagem
Em 2003, a contribuição do pioneiro à capital foi reconhecida com o título de Cidadão Honorário de Brasília, honraria concedida pela CLDF. No ano passado, em entrevista ao Correio, Mestre Woo disse que se sentia mais brasileiro do que oriental. "Brasileiro é muito de paz, é pacífico. Há muita fraternidade aqui. Nisso, me identifico. Não é por qualquer coisa que se levanta e briga, não. Brasileiro senta, conversa — e isso é muito importante", explicou.
Além do tai chi, Mestre Woo ensinou línguas orientais e medicina tradicional chinesa, ajudando a divulgar conceitos energéticos e terapias integrativas no Distrito Federal, em uma época em que pouco se falava sobre elas no Brasil. Atuou também como arquiteto e desenhista, deixando obras e projetos que refletem sua estética e espiritualidade.
Mesmo com idade avançada, manteve a rotina de práticas coletivas e ensinamentos filosóficos. Ele dizia que a vida é movimento, e que o corpo parado expressa a mente parada. Cultivava o silêncio como ferramenta pedagógica, a respiração como forma de cura, e a convivência como caminho para transformar comportamentos e relações sociais.
Mestre Woo deixa discípulos, instrutores formados, inúmeros praticantes e uma comunidade que continuará dando vida às suas práticas, ensinamentos e ideais.
A família disse que está organizando o funeral e informará os detalhes em breve.
*Colaboraram Ricardo Daehn e Jéssica Andrade

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