Feminicídio

Rastro da barbárie: avô de soldado descreve horas após assassinato em quartel

Na sexta-feira (5/12), Francisco, como prefere ser identificado, notou o semblante alvoroçado do neto, Kelvin Barros da Silva, assassino confesso de Maria de Lourdes Freire. A volta antecipada para casa escondia o crime cometido poucas horas antes

Kelvin Barros confessou ter matado a cabo Maria de Lourdes 
 -  (crédito: Reprodução Redes Sociais  )
Kelvin Barros confessou ter matado a cabo Maria de Lourdes - (crédito: Reprodução Redes Sociais )

Depois de quatro anos à espera, seu Francisco finalmente operou da catarata e glaucoma. Recuperava-se em casa, no Paranoá, e desfrutava do sucesso da cirurgia. Eram dias que pareciam tranquilos, mas a calmaria mudou drasticamente na sexta-feira. Naquela tarde, o neto mais velho, Kelvin Barros da Silva, chegou do quartel antes do previsto, com semblante alvoroçado e ligeiro. O avô logo estranhou. A verdade só se tornaria clara na manhã de sábado: o neto era o assassino confesso da cabo Maria de Lourdes Freire, 25, dentro do 1º Regimento de Cavalaria de Guardas (1º RGC).

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A reportagem esteve na casa de Kelvin e foi recebida pelo avô materno, que pediu para ser identificado apenas como Francisco. O imóvel fica em um terreno compartilhado. Em uma moradia, vive o avô; na outra, Kelvin, os dois irmãos e a mãe. No dia do crime, o soldado do Exército cumpria escala de plantão no 1º RCG e deveria permanecer no quartel até às 7h de sábado. Em dias regulares, o expediente se encerra às 12h. Fora do esperado, o rapaz apareceu em casa no fim da tarde de sexta.

“Estranhei, porque ele sempre entra me chamando de avô ou coroa. Nesse dia, entrou calado”, disse o avô. Não demorou muito para que dois colegas de farda de Kelvin batessem à porta dele. “Vamos, Kelvin, nós viemos te buscar”, falaram. Àquela altura, a notícia do crime corria pelos corredores do quartel. A mãe de Kelvin não estava em casa. Vendedora de uma loja de roupas, só soube do ocorrido no dia seguinte. Na manhã de sábado, policiais civis, militares e agentes do Exército fecharam a rua. 

Frieza

Na rua onde nasceu e sempre viveu, vizinhos descrevem Kelvin como alguém avesso à convivência. Era tido como “isolado”. Um morador, que preferiu não se identificar, lembra que ele era o único que não se enturmava nas brincadeiras. “Ficava de longe, só olhando”, disse. Há cerca de um ano, Kelvin começou a namorar uma menina que mora na esquina. Segundo o avô, ele frequentava mais a casa dela do que a própria. 

O Correio obteve acesso ao vídeo de parte do depoimento de Kelvin na 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), logo após a prisão. De maneira calma, o soldado detalhou a dinâmica do assassinato. “Peguei a arma, virei para a parede, peguei a faca na bainha e acertei ela”, contou, acrescentando que a faca teria ficado cravada no pescoço da militar. Em seguida, relatou ter tido medo e tenta justificar o incêndio na Fanfarra. “Joguei álcool no chão e acendi o isqueiro”, complementa indicando que o álcool estava no banheiro.

Ainda em depoimento, Kelvin entrou em contradição ao menos cinco vezes. Inicialmente, negou qualquer participação no crime. Em seguida, relatou uma suposta intimidade sexual com a vítima. Depois, afirmou que Maria teria sofrido um surto psicótico. Na versão seguinte, disse ser alvo de assédio por parte dela. Por fim, declarou que a faca usada no feminicídio era de sua propriedade.

O advogado Alexandre Carvalho disse ao Correio que ratifica a tese de legítima defesa. De acordo com o criminalista, estão sendo juntadas provas para comprovar o relacionamento entre Kelvin e Maria. “Os atos secundários, do incêndio e da fuga com a arma, foram condutas de um jovem de 21 anos.”

A família de Maria trabalha com outra hipótese para a motivação do crime: o cargo ocupado pela vítima na Fanfarra. Segundo a advogada criminalista Leila Santiago, representante da família da vítima e assistente à acusação, a musicista desempenhava função acima da de Kelvin, o que teria o injuriado. Outra hipótese levantada pela defesa seria o fato de Kelvin ter tentado algum tipo de investida ou aproximação indevida, diferente do relatado por ele à polícia. “É possível que ele tenha recebido um “não” como resposta, uma vez que há comentários de que era um comportamento comum do Kelvin, algo coerente com a postura séria e focada da vítima, sempre dedicada aos estudos e às suas funções militares”, destacou.

O avô de Kelvin se diz incrédulo pelo crime cometido pelo neto. Ele se compadeceu com a família da vítima e desculpou-se. “Jamais imaginei que um menino que demonstrava ser tranquilo pudesse fazer isso. Confesso que ainda não acredito. Minha vida virou de cabeça para baixo. Se eu estou destruído, imagina a família dessa menina.”

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postado em 09/12/2025 05:00 / atualizado em 09/12/2025 09:24
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