
Grupos de WhatsApp tornaram-se ferramentas para driblar a fiscalização da Polícia Penal a presidiários em regime aberto e semiaberto do DF. O Correio acompanhou, por 15 dias, as mensagens disparadas nos grupos intitulados como “Confere”, em que os apenados se encarregam de avisar uns aos outros a localização — quase em tempo real — das equipes da Penal. No DF, são mais de 11 mil presos sob monitoramento domiciliar.
“Alguma notícia desses safados?”, fala um dos presos. Outro dispara: “Graças a Deus. Parece que é lenda eles deixarem a gente respirar um pouco”, associou um deles ao falar sobre a demora da viatura da Polícia Penal. O chamado “confere” é uma das funções da Polícia Penal para fiscalizar apenados em casa, tanto os que estão em regime aberto, quanto os do semiaberto. O trabalho é atribuído aos 35 policiais penais da Diretoria de Fiscalização da Polícia Penal (DFPP), mas o quantitativo é elevado para cerca de 240 com os voluntários (ouça abaixo).
Na prática, o sobreaviso nos grupos funciona como um salvo-conduto informal: depois do “confere”, ajustam deslocamentos fora do horário permitido, com baixo risco de abordagem.
Quantitativo
O Correio recorreu à Lei de Acesso à Informação (LAI) e obteve dados exclusivos sobre o quantitativo de presos do DF e de 45 municípios goianos subordinados à Justiça da capital federal e submetidos à fiscalização domiciliar. Os dados mostram que 13.198 detentos — 11.246 do DF e 1.952 de Goiás — estão sob monitoramento em casa determinado pela Justiça. O contingente reúne perfis distintos. Há custodiados do semiaberto lotados no Centro de Internamento e Reeducação (CIR), na Papuda, sem trabalho externo. Outros, do semiaberto, no Centro de Progressão Penitenciária (CPP), que estão autorizados a sair para trabalhar ou estudar. Também faz parte do grupo os do regime aberto. Todos precisam seguir as normas judiciais.
As exigências partem do básico. A começar pelo fornecimento do endereço onde o preso poderá ser encontrado durante o gozo do benefício. É estritamente proibido frequentar bares, casas noturnas ou espaços semelhantes, bem como portar substâncias ilícitas. Em despacho padrão, a VEP dá ênfase aos limites da convivência: “Nunca andar em companhia de pessoas que se encontrem cumprindo pena, seja em regime aberto, semiaberto, fechado, ou livramento condicional, mesmo estando autorizadas a sair do presídio. Não andar acompanhado de menor de idade que esteja cumprindo medida sócio-educativa”.
Controvérsia
Pouco antes das 7h de segunda-feira, a Rodoviária do Plano Piloto registrava um fluxo incomum. Familiares e amigos aguardavam a chegada dos detentos do regime semiaberto lotados no CIR, liberados para o saidão. A escolta das viaturas da Diretoria Penitenciária de Operações Especiais (Dpoe) anunciava a chegada de parte dos 1.689 custodiados em ao menos quatro ônibus.
A cena se repetiu nove vezes ao longo de 2025. O último saidão do ano termina hoje. Até as 10h, os presos devem se apresentar às respectivas unidades prisionais. Em caso de descumprimento, há risco de regressão de regime.
Entre a liberação e o retorno obrigatório, o dia corre quase que sem restrições visíveis. Até as 18h, eles podem circular pela cidade, visitar familiares e resolver pendências. Depois, precisam estar em casa até a manhã do dia seguinte. Ao começo da noite, entram em cena os grupos de WhatsApp formados entre os próprios beneficiários. Quase todas as cidades do DF têm um grupo específico de aviso. As regras são claras: só deve “bipar” (avisar) se o confere realmente passou na “quebrada”. É vedada conversas de outros assuntos, memes e vídeos.
“Acho que vou morrer. Tinha ido ali levar minha filha na pracinha e, quando voltei, os caras já estavam na minha porta”, disse, em áudio, um detento. O “morrer”, na linguagem do grupo, significa perder o confere e receber falta.
Os grupos funcionam como algo além de um sistema de alerta. Para alguns, servem como lembrete de horários e regras. Para outros, a mensagem opera como “passaporte”. Depois da apresentação obrigatória, voltam às ruas.
Conta que não fecha
Mesmo com o reforço do voluntariado, o desafio é aritmético. Nesse intervalo, as equipes precisam vistoriar os mais de 11 mil presos só do DF, além dos moradores de Goiás. Só Ceilândia, Planaltina e Samambaia concentram mais de 3,5 mil detentos sob fiscalização domiciliar, segundo dados obtidos pelo Correio via LAI. A tabela produzida pela Coordenação do Sistema Prisional mostra um total de 1.952 pessoas presas no DF que residem em Goiás. Na lista, entram cidades como Goiânia, Pirenópolis, Caldas Novas e Anápolis. É quase inviável o deslocamento dos policiais até esses municípios, relataram fontes ouvidas pela reportagem.
Em novembro, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seape-DF) fiscalizou 14.952 endereços ativos de presos. O roteiro não se limita apenas às casas. As viaturas também se deslocam a estabelecimentos comerciais e empresas que mantêm vínculos empregatícios com os apenados autorizados ao trabalho externo. No DF, 1.483 custodiados estão em atividades laborais, sendo 1.283 pela Fundação de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap) e 203 por organizações privadas.
Os policiais seguem critérios técnicos de priorização para a fiscalização. A Coordenação do Sistema Prisional citou a situação jurídica do apenado, o histórico disciplinar, o risco individual, a necessidade de verificação e diretrizes judiciais. Segundo a Seape, para custodiados em prisão domiciliar há mais de 60 dias, as fiscalizações começam à 00h.
Não inclui na lista de fiscalização domiciliar os presos com tornozeleiras eletrônicas. Esses são monitorados 24 horas por dia, durante toda semana, pelo Centro de Monitoração Eletrônica (Cime).

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