Creme emagrecedor, adesivo antirradiação, 'Gummy' para crescer cabelo e até mesmo gominhas que buscam substituir medicamentos para disfunção erétil. Com a ascensão de novos influenciadores digitais, essas promessas irreais têm viralizado, e muitos seguidores compram os produtos, acreditando que eles irão cumprir o prometido. Percebem, tarde demais, que foram enganados.
Essas publicidades se tornam enganosas a partir do momento em que criam uma falsa percepção da realidade para o consumidor. Ou seja, quando o influenciador faz a divulgação de um produto com promessas irreais, não deixa claro quais são os riscos, omite informações importantes ou induz o consumidor a pensar que o produto irá agir de uma certa forma que não corresponde à real. Isso é uma violação do artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor (CDC). "A lógica é simples: quando a mensagem induz o consumidor ao erro, há violação do dever de informação", diz o advogado Marco Antônio Araujo.
A estudante Victória Santos, 22 anos, foi um dos milhares de seguidores enganados por uma influenciadora. Ela conta que comprou um creme que prometia remover espinhas, além de deixar a pele mais hidratada e com brilho natural. O grande problema foi que, além de não cumprir o que era prometido, a jovem ainda desenvolveu problemas de acne. "Eu fui a uma dermatologista, e ela me falou que a combinação de alguns componentes costumam causar essa reação na pele. Eu abri uma reclamação no site deles, com o laudo da médica e tudo, e pedi o reembolso, mas nunca me retornaram", relembra.
Essa não foi a única vez que Victória foi enganada. Ela comprou um body splash — perfume mais leve e refrescante — mas recebeu outro produto no lugar. Ao entrar em contato com o SAC da empresa, foi informada que realizariam o reembolso, mas, apenas depois de vários dias insistindo, ela conseguiu receber metade do valor pago.
Em casos como o dela, o consumidor tem total direito de escolha na hora do ressarcimento. Quando o produto não vem de acordo com o que foi comprado, e é de qualidade inferior, modelo errado ou não cumpre o que foi prometido, a pessoa pode escolher entre a troca, o abatimento proporcional ou a devolução com reembolso total. "Essa decisão é dele, não da empresa. O CDC prioriza a restituição plena quando a oferta não foi cumprida", afirma o especialista.
Joyce Vieira também passou por momentos de estresse envolvendo propagandas enganosas de influenciadores. Ela conta que, após ver o vídeo de uma influenciadora, comprou um creme que prometia emagrecimento. "Ela postou um vídeo usando o creme durante alguns dias e mostrou que a barriga tinha diminuído conforme o uso. Quando entrei nos comentários, ela tinha respondido a outra pessoa dizendo que nunca tinha feito academia", diz Joyce.
Mas, mesmo após semanas de uso, o creme não surtiu efeito algum. A partir daí, ela percebeu que havia comprado um produto que não funcionava. "Eu fiquei chateada, gastei meu dinheiro em um produto que nem valia o preço que paguei, e agora nem posso mais devolver porque já passou do prazo", lamenta a jovem.
Outros casos recorrentes são de divulgação de produtos com preços irreais em plataformas de vídeos e compras. O youtuber Ismael fez um vídeo de alerta aos seus seguidores informando sobre os inúmeros golpes que têm sido divulgados na plataforma. No vídeo, ele mostra vários influenciadores divulgando produtos como iPad por R$ 69, enquanto o preço original pode passar de R$ 5 mil.
Infelizmente, o vídeo informativo não chegou a João Vitor, que perdeu R$ 74 reais em um notebook falso. Segundo o jovem, o vídeo continha mais de mil comentários avaliando o produto e confirmando a veracidade da loja. "Tinha muitas pessoas falando que compraram o produto e que tinha sido o melhor investimento deles. Eu entrei no link que disponibilizaram no vídeo, e o site era idêntico ao original, nem dava para desconfiar."
Quando a data estimada de entrega passou e os contatos da loja não respondiam, João entendeu que, na verdade, se tratava de um golpe e que seu tão esperado notebook não chegaria. "Sendo bem sincero, eu me senti lesado. Muitas pessoas estavam falando do quão bom era, mas todos estavam mentindo."
O advogado Márcio Pompeu faz o alerta para posts que contém muitas avaliações positivas. Ele explica que esses 'reviews' — que, muitas vezes, podem ser de pessoas inexistentes — podem não condizer com a realidade do produto, sendo enquadrado como propaganda enganosa. "Isso é feito para esconder problemas ou características indesejadas dos produtos, o que vai contra o dever de informação previsto no artigo 6º, inciso III, do CDC."
Denúncias
A denúncia de posts potencialmente enganosos pode ser feita por meio da própria plataforma. Por exemplo, no Instagram, basta clicar nos "três pontinhos" que ficam no canto superior direito da imagem e apertar no botão "Denunciar".
"O CDC determina que toda publicidade deve ser identificada de forma clara e transparente, de modo que, quando isso não ocorre, há sinais de irregularidades", afirma o advogado. Publicações no 'feed' ou nos 'storys' que são recomendações pagas ou que têm uma troca comercial envolvida — parcerias, recebidos — devem ser sinalizadas como publicidade. Em grande parte dos casos, esses anúncios são sinalizados por um #publi, #ad ou #parceriapaga.
O consumidor pode realizar também a denúncia no Procon, por meio da plataforma Consumidor.gov. "É essencial que o consumidor, caso seja prejudicado, guarde os materiais, prints, links e até mesmo as conversas com o suposto anunciante", diz Pompeu.
Mas por que consumidores ainda caem em propagandas de "produtos milagrosos", mesmo com tantos alertas disponíveis? A especialista em Direito do Consumidor Tays Cavalcante explica que, por abordar gatilhos como soluções rápidas, linguagem de autoridade e provas sociais, como comentários falsos sobre o funcionamento do produto, fazendo com que muitas pessoas continuem vulneráveis a esses anúncios. "O CDC, no art. 37, deixa claro que é proibida publicidade que induza o consumidor em erro, mas isso não impede que estratégias altamente persuasivas continuem sendo usadas".
Além disso, a sensação de proximidade com o influenciador, causada pela convivência diária nas redes sociais, vendo sua rotina, opinião, estilo de vida e suas recomendações, cria uma confiança automática naquilo que ele indica, reduz a percepção de risco e gera uma falsa intimidade. "É importante lembrar que o CDC protege o consumidor inclusive nesse contexto. A partir do momento em que o influenciador faz publicidade, ele passa a ser considerado fornecedor e pode ser responsabilizado se causar danos ou induzir o público a erro", completa a especialista.
Para identificar quando um conteúdo foi planejado para manipular as emoções dos consumidores, é importante prestar atenção em alguns detalhes. Conteúdos que contêm urgência extrema como "últimas unidades" ou "o desconto dura apenas 30 minutos", promessas de solução rápida — "enriqueça em 30 dias" — ou inúmeros comentários positivos que se repetem ou depoimentos robóticos precisam receber uma atenção maior do consumidor. "Esses gatilhos não são ilícitos por si só, mas, se usados para induzir ao erro, configuram publicidade enganosa", ressalta a especialista.
*Estagiária sob supervisão de Tharsila Prates
