
A cena parece inofensiva: um turista oferece frutas ou doces para um elefante que se aproxima da cerca de um parque nacional. No entanto, essa interação aparentemente amistosa esconde um problema sério, que afeta tanto a segurança das pessoas quanto a sobrevivência dos próprios animais. Com dados inéditos, um estudo publicado na revista Ecological Solutions and Evidence revela que alimentar elefantes selvagens pode torná-los dependentes da comida humana, além de agressivos e vulneráveis a mortes prematuras.
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Durante 18 anos consecutivos de observações no Parque Nacional de Udawalawe, no Sri Lanka, e na região de Sigur, na Índia, pesquisadores da Universidade da Califórnia, em San Diego, e da organização indiana Elephant Project, monitoraram entre 800 e 1,2 mil elefantes. Liderada por Shermin de Silva, a equipe identificou mudanças preocupantes no comportamento dos animais, atribuídas diretamente ao hábito de receber alimentos de turistas e moradores locais.
"Embora seja difícil resistir à tentação de alimentar um animal tão carismático, precisamos entender que essa prática tem consequências que vão muito além do momento da interação", disse De Silva, diretora do Elephant Projetc e pesquisadora do Departamento de Ecologia, Comportamento e Evolução da Universidade da Califórnia, em San Diego.
Mendicância
O estudo documentou que pelo menos 66 machos — representando entre 9% e 15% da população masculina observada — desenvolveram comportamentos persistentes de mendicância. Esses elefantes são frequentemente vistos em áreas de trânsito humano, seja ao longo de estradas, seja nos limites dos parques.
Alguns, como o famoso Rambo, tornaram-se figuras quase folclóricas. Mas, longe de serem apenas personagens curiosos, esses animais enfrentam riscos reais. De acordo com o levantamento, pelo menos três elefantes foram mortos no Sri Lanka em incidentes diretamente relacionados a essa mudança de comportamento, como atropelamentos e ataques retaliatórios de pessoas. Na Índia, quatro dos 11 machos estudados morreram da mesma forma.
Além das mortes, houve registros de elefantes consumindo materiais plásticos e outros resíduos, devido ao contato frequente com lixeiras ou sacolas de alimentos descartadas. A ingestão de itens não comestíveis contribui para doenças gastrointestinais e outros problemas de saúde nos animais.
Não são apenas os elefantes que sofrem. A pesquisa registrou diversos casos de ferimentos em humanos e até mortes causadas por animais condicionados à comida. "Os elefantes são extremamente fortes e, mesmo sem intenção, podem causar acidentes graves. Quando associam humanos à comida, perdem parte do comportamento de precaução natural e se aproximam sem medo", afirma De Silva. O fenômeno é comparável ao que já se observa com ursos em parques norte-americanos: animais selvagens habituados à alimentação humana tornam-se mais ousados, deixando de caçar ou forragear naturalmente.
Além disso, os autores do artigo alertam para o risco de transmissão de doenças entre espécies. A proximidade constante entre elefantes e pessoas aumenta as chances de zoonoses — enfermidades que passam de animais para humanos e vice-versa —, algo especialmente preocupante em regiões turísticas muito movimentadas.
Políticas
Segundo os pesquisadores, campanhas de conscientização para desencorajar a prática não têm surtido o efeito desejado. Mesmo com placas e avisos espalhados em pontos turísticos, muitos visitantes seguem oferecendo alimentos aos elefantes. A equipe defende, por isso, a adoção de políticas mais rígidas.
"A única forma de realmente proteger os elefantes e as pessoas é por meio de fiscalização ativa. Voluntariado não é suficiente. As autoridades precisam agir, aplicando multas e implementando barreiras físicas mais eficientes nos limites dos parques", diz o artigo. O posicionamento é reforçado pelo fato de que o Sri Lanka registra uma das taxas mais altas de conflitos entre humanos e elefantes no mundo, com dezenas de mortes todos os anos.
A pesquisa conclui com um apelo aos turistas e às comunidades locais: resistir à tentação de interagir diretamente com a fauna selvagem é um ato de responsabilidade. "Ver um elefante de perto é um privilégio. Mas precisamos lembrar que eles são animais selvagens, não mascotes. A melhor forma de protegê-los é respeitando sua natureza", finaliza De Silva.
Elefantes monitorados
Os pesquisadores observaram elefantes asiáticos selvagens (Elephas maximus) no Parque Nacional de Udawalawe (PNU), no Sri Lanka, entre 2007 e 2024, e na Reserva da Biosfera de Nilgiri (RBN), no sul da Índia, entre 2007 e 2022, documentando os resultados negativos do fornecimento de alimentos por turistas.
- Na PNU, 66 machos (9% a 15% da população masculina estimada) foram observados buscando alimento de pessoas em uma cerca elétrica. Quatorze foram vistos na cerca em 11 anos ou mais, e 52 foram vistos em oito anos ou menos. Mortes de pelo menos três elefantes e uma pessoa ocorreram perto da cerca.
- Na RBN, 11 machos foram habituados a alimentos por turistas, dos quais quatro morreram por causas antropogênicas.
Saiba Mais
Observações
Os pesquisadores observaram elefantes asiáticos selvagens (Elephas maximus) no Parque Nacional de Udawalawe (PNU), no Sri Lanka, entre 2007 e 2024, e na Reserva da Biosfera de Nilgiri (RBN), no sul da Índia, entre 2007 e 2022, documentando os resultados negativos do fornecimento de alimentos por turistas.
* Na PNU, 66 machos (9% a 15% da população masculina estimada) foram observados buscando alimento de pessoas em uma cerca elétrica. Quatorze foram vistos na cerca em 11 anos ou mais, e 52 foram vistos em oito anos ou menos. Mortes de pelo menos três elefantes e uma pessoa ocorreram perto da cerca.
* Na RBN, 11 machos foram habituados a alimentos por turistas, dos quais quatro morreram por causas antropogênicas.
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