biodiversidade

Estudo propõe edição genética para salvar espécies

Biólogos defendem o uso da engenharia de genes, como acontece na agricultura, para fins de conservação. Para eles, perda acelerada de variedade devido a atividades humanas exige soluções inovadoras

A população de pombo-rosa nas Ilhas Maurício chegou a 10, mas estratégias conseguiram que, hoje, o número passe de 600 -  (crédito: Carl Jones/Divulgação )
A população de pombo-rosa nas Ilhas Maurício chegou a 10, mas estratégias conseguiram que, hoje, o número passe de 600 - (crédito: Carl Jones/Divulgação )

Uma das principais lições do naturalista Charles Darwin sobre a conservação das espécies é a de que, sem diversidade genética, seres vivos estão fadados à extinção. Agora, um grupo de biólogos propõe aliar o conhecimento centenário do cientista britânico às tecnologias modernas de edição do genoma para salvar plantas e animais que correm o risco de não sobreviver às agressões antropogênicas ao planeta. 

Em um artigo publicado na revista Nature Reviews Biodiversity Perspective, os autores, liderados pela Universidade de East Anglia, na Inglaterra, e pela empresa norte-americana de biotecnologia Colossal Biosciences, defendem o uso de ferramentas de edição, como as usadas na agricultura para melhoramento genético, na conservação da biodiversidade. Segundo os cientistas, a abordagem poderia recuperar a heterogeneidade perdida em espécies em risco de extinção a partir de amostras históricas, como DNA de coleções de museus e biobancos. 

"Estamos enfrentando a mudança ambiental mais rápida da história da Terra, e muitas espécies perderam a variação genética necessária para se adaptar e sobreviver", disse, em uma coletiva de imprensa on-line, Cock van Oosterhout, da Universidade de East Anglia. "A engenharia genética oferece uma maneira de restaurar a variabilidade, seja reintroduzindo a variação do DNA perdida em genes do sistema imunológico, que podemos recuperar de espécimes de museu, ou tomando emprestado genes de tolerância climática de espécies intimamente relacionadas", explicou. 

Longo prazo

Segundo Van Osterhout, o nível de destruição da biodiversidade sem precedentes exige soluções inovadoras, além das estratégias já estabelecidas. "Para garantir a sobrevivência a longo prazo de espécies ameaçadas, argumentamos que é essencial adotar novos avanços tecnológicos em conjunto com as abordagens tradicionais de conservação." O cientista assinalou que técnicas bem-sucedidas, como reprodução em cativeiro e proteção de habitats, frequentemente se concentram no aumento populacional. "Porém, contribuem pouco para repor as variantes genéticas perdidas de uma espécie."

À medida que as populações se recuperam, elas podem permanecer presas a uma variação genética reduzida e a uma alta carga de mutações prejudiciais, fenômeno conhecido como erosão genômica. "Sem intervenção, espécies que se recuperaram de uma queda populacional podem permanecer geneticamente comprometidas, com resiliência reduzida a ameaças futuras, como novas doenças ou mudanças climáticas", explica Van Osterhout. 

Um exemplo citado pelos autores do artigo é o pombo-rosa, cuja população foi trazida de volta da beira da extinção — de cerca de 10 indivíduos para mais de 600 aves — por décadas de esforços de reprodução em cativeiro e reintrodução nas Ilhas Maurício, na África. Vários autores estudaram a genética do animal pombo e constataram que, apesar de sua recuperação, ele continua sofrendo erosão genômica significativa. Provavelmente, será extinto nos próximos 50 a 100 anos. 

Adaptação 

O próximo desafio é restaurar a diversidade genética perdida no pombo rosa, permitindo que ele se adapte a futuras mudanças ambientais. "A engenharia genômica pode tornar isso possível", assegurou o pesquisador de East Anglia. A tecnologia já é comum na agricultura, argumenta: culturas resistentes a pragas e à seca cobrem milhões de hectares em todo o mundo. 

Mais recentemente, anúncios de planos para trazer espécies extintas de volta à vida destacaram ainda mais o potencial da estratégia. "Os mesmos avanços tecnológicos que nos permitem introduzir genes de mamutes no genoma de um elefante podem ser utilizados para resgatar espécies à beira da extinção", disse, na entrevista, Beth Shapiro, diretora científica da Colossal Biosciences. "É nossa responsabilidade reduzir o risco de extinção enfrentado hoje por milhares de espécies."

 

Ao menos três aplicações possíveis

No artigo sobre edição genética na conservação das espécies, os s cientistas descrevem três aplicações principais da técnica: restauração da variação perdida, adaptação facilitada e redução de mutações prejudiciais. No primeiro caso, a diversidade é restabelecida graças ao uso de DNA de amostras coletadas décadas ou mesmo séculos atrás, que estão armazenadas nos museus de história natural em todo o mundo. A segunda abordagem consiste em introduzir genes de espécies semelhantes, porém mais bem adaptadas, para conferir características como tolerância ao calor ou resistência a patógenos.

Por último, os cientistas afirmam que populações que anteriormente sofreram uma queda no número de espécimes geralmente carregam mutações prejudiciais, que surgem por acaso. Portanto, edições genéticas direcionadas poderiam substituir essas variantes pela versão saudável, com o potencial de melhorar a fertilidade, as taxas de sobrevivência e a saúde geral. 

Ensaios

A necessidade de ensaios em pequena escala, em fases, e de monitoramento rigoroso de longo prazo dos impactos evolutivos e ecológicos foi enfatizada pelos autores do artigo, assim como o envolvimento das comunidades locais, de povos tradicionais e do público em geral, antes de uma implementação mais ampla da edição genômica. Os cientistas também enfatizam que as intervenções devem complementar, e não substituir, as ações de conservação e restauração tradicionais. 

"A biodiversidade enfrenta ameaças sem precedentes que exigem soluções sem precedentes", afirma Hernán Morales, professor associado do Globe Institute, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca. "A edição do genoma não substitui a proteção das espécies e nunca será uma solução mágica — seu papel deve ser cuidadosamente avaliado em conjunto com as estratégias de conservação estabelecidas, como parte de uma abordagem mais ampla e integrada, tendo a proteção das espécies como princípio norteador." (PO)

 

Três perguntas para  Alena Pance, professora de Genética da Universidade de Hertfordshire, no Reino Unido

 

A tecnologia de edição genômica pode contribuir com os esforços de bioconservação?

Sim, porque em espécies à beira da extinção, como o rinoceronte-branco-do-norte, por exemplo, não há outra opção a não ser tentar a clonagem, a reprodução assistida e a manipulação genética para tentar salvar essa espécie, já que restam apenas duas fêmeas. Pode ser útil modificar certas características para aumentar a aptidão em espécies ameaçadas de extinção e facilitar sua sobrevivência. Porém, existem sérias lacunas de conhecimento e dados que precisam ser preenchidos antes que essas abordagens possam ser úteis.

Quais são os riscos do uso dessa tecnologia?

O rigor científico deve ser garantido para que a base para a escolha do(s) gene(s) alvo(s) e variantes seja sólida e apoiada por uma compreensão completa da função biológica, mecanismos e regulação. A geração de organismos geneticamente modificados deve obedecer a uma ética rigorosa que rege o uso de animais para evitar sofrimento e estresse desnecessários. Mais importante ainda, a introdução de indivíduos geneticamente modificados em populações selvagens deve ser rigorosamente regulamentada e controlada, pois os efeitos podem ser devastadores não apenas para as espécies em risco, mas para todo o ecossistema.

Como garantir o uso responsável?

Os órgãos reguladores que controlam o uso de animais para experimentação e pesquisa devem estar envolvidos na supervisão dessas abordagens. Organizações e instituições de proteção da vida selvagem devem controlar qualquer tentativa de intervenção em ecossistemas já frágeis. (PO)

 


 

 

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postado em 22/07/2025 06:00
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