Medicina

Nova técnica de imagem detecta sinais precoces do Alzheimer antes dos sintomas

Teste experimental desenvolvido nos Estados Unidos identifica, no cérebro, alterações associadas à demência, abrindo caminho para um exame de detecção precoce da neurodegeneração

O mapeamento foi realizado na máquina de ressonância magnética: uma vantagem é que o exame é simples e não invasivo  -  (crédito: Pexels/Divulgação)
O mapeamento foi realizado na máquina de ressonância magnética: uma vantagem é que o exame é simples e não invasivo  - (crédito: Pexels/Divulgação)

Uma técnica avançada de ressonância magnética poderá identificar alterações cerebrais antes que o Alzheimer comece a se manifestar, abrindo uma janela de tempo para intervenções terapêuticas capazes de frear a progressão do mal. Um estudo publicado na revista científica Radiology, da Sociedade Radiológica da América do Norte (RSNA), demonstrou que o chamado mapeamento de suscetibilidade quantitativa (QSM, na sigla em inglês) é capaz de prever quem tem risco aumentado de desenvolver comprometimento cognitivo leve (CCL) — estágio intermediário entre o envelhecimento normal e a demência.

A cada três segundos, uma nova pessoa é diagnosticada com algum tipo de demência no mundo. O Alzheimer, forma mais comum da doença, responde por cerca de 60% a 70% dos casos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Há décadas, os especialistas sabem que o cérebro começa a sofrer alterações muito antes de os primeiros sinais se manifestarem. Mudanças microscópicas, invisíveis a olho nu, vão corroendo lentamente as funções cognitivas até que sintomas como perda de memória, dificuldade de raciocínio e alterações de comportamento se tornem irreversíveis.

"Se conseguirmos identificar os indivíduos em risco ainda na fase assintomática, poderemos pensar em estratégias de prevenção, intervenções mais precoces e acompanhamento mais cuidadoso", explicou o neurorradiologista Xu Li, autor senior do artigo e pesquisador do Kennedy Krieger Institute, nos Estados Unidos, Segundo ele, o estudo sugere que o ferro cerebral pode ser tanto um marcador quanto um fator ativo no processo que leva ao Alzheimer.

A equipe analisou 158 adultos cognitivamente saudáveis, participantes do estudo de longo prazo Biocard, que acompanha voluntários de meia-idade e idosos sem sintomas de demência. Todos se submeteram ao exame de ressonância magnética com QSM, capaz de mapear o ferro presente em regiões cerebrais estratégicas, como o córtex entorrinal e o putâmen — áreas fundamentais para a memória e o controle motor. Parte dos voluntários também realizou exames de PET scan para detectar a presença de placas de beta-amiloide, proteína associada ao Alzheimer.

Testes

Durante até sete anos e meio de acompanhamento, os pesquisadores observaram quem desenvolveu comprometimento cognitivo leve. Indivíduos com maior acúmulo de ferro nas regiões mapeadas apresentaram risco significativamente maior de progressão para o CCL, além de um declínio cognitivo mais rápido nos testes neuropsicológicos.

Quando os níveis elevados de ferro cerebral eram combinados à presença de beta-amiloide detectada pelo PET, o risco era ainda maior. "Isso sugere um efeito sinérgico, em que a sobrecarga de ferro amplifica o impacto das proteínas tóxicas relacionadas ao Alzheimer", afirmou Li. O especialista diz que não se trata apenas de um marcador estático: o ferro pode estar envolvido ativamente nos mecanismos de degeneração neuronal.

A descoberta reforça o potencial da QSM como biomarcador clínico para rastrear indivíduos em risco de demência, principalmente em populações envelhecidas, alega o estudo. Diferentemente do PET, exame caro e pouco disponível, a ressonância magnética já faz parte da rotina hospitalar e poderia ser adaptada para incorporar o mapeamento de suscetibilidade sem grandes barreiras técnicas.

"Estamos apenas arranhando a superfície. Precisamos de estudos maiores, com populações mais diversas, para confirmar a utilidade clínica dessa abordagem", ponderou Li. Ele destacou que a Johns Hopkins já planeja novas fases de pesquisa, inclusive, para avaliar se o monitoramento do ferro cerebral pode orientar terapias em desenvolvimento.

 


Prática personalizada

Há algumas décadas trabalhamos para identificar fatores de risco e biomarcadores confiáveis, como placas amiloides, outras proteínas anormais, marcadores de inflamação e de neurodegeneração. Quanto mais desses indicadores conseguirmos quantificar e utilizar na prática, maiores as chances de encontrar tratamentos eficazes e personalizados para cada paciente. O avanço nos exames de imagem cerebral pode representar não apenas a possibilidade de diagnóstico precoce, mas também o caminho para personalizar a prática médica e oferecer mais qualidade de vida aos pacientes. É importante deixar claro que o estudo publicado na Radiology é inicial, e que os biomarcadores precisam ser validados e aprovados antes de incorporados à prática clínica. 

Carlos Uribe, neurologista do Hospital Brasília 

Constipação é fator de risco

A constipação pode ser um fator de risco para doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, segundo um artigo da Universidade Médica de Anhui, na China, publicado na revista Frontiers in Neurology. Os autores analisaram dados de 11 estudos observacionais, que reuniram mais de 66 mil participantes. A análise estatística indicou que pessoas com o distúrbio intestinal tinham 11% mais chance de desenvolver algum grau de comprometimento cognitivo. 

Embora o estudo seja observacional e, por isso, não estabelece uma relação de causa e efeito, a descoberta reforça a ideia de que o intestino e o cérebro estão intimamente conectados, em uma relação conhecida como eixo intestino-cérebro, alegam os autores. Alterações na microbiota intestinal, inflamações crônicas e até fatores neuroquímicos podem explicar, em parte, por que sintomas aparentemente periféricos estão relacionados a funções cognitivas.

A análise mostrou que a associação é mais clara em adultos entre 50 e 70 anos, faixa etária em que o declínio cognitivo inicial costuma ser identificado. Em pessoas com mais de 70 anos, a relação não foi significativa, possivelmente porque outros fatores de risco se sobrepõem nesta fase da vida.

Os pesquisadores defendem que a constipação merece mais atenção médica, como um possível sinal de alerta para alterações neurológicas. "Reconhecer e tratar adequadamente a constipação pode ser importante não só para o bem-estar físico, mas também para a saúde cerebral", escreveram. 

Marcelo Valadares, neurocirurgião funcional e pesquisador de Neurocirurgia da Universidade de Campinas (Unicamp), diz que estudos como o publicado na Frontiers of Neurology reforçam a complexidade de doenças neurodegenerativas, o que deve, segundo ele, ser refletido em medidas preventivas e de tratamento "A complexidade do Alzheimer demonstra que a prevenção precisa ser pensada de maneira ampla. Cabe ao especialista constatar, além dos sintomas, a predisposição do paciente. A partir daí, elabora o diagnóstico e as abordagens para garantir ao paciente mais qualidade de vida", diz. (PO)

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postado em 13/09/2025 04:06
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