
Com os avanços no diagnóstico precoce e nos tratamentos contra o câncer de próstata, cada vez mais homens superam a doença e seguem com saúde e longevidade. No entanto, cerca de 5% dos pacientes que passam pela prostatectomia radical enfrentam dificuldades persistentes no controle urinário, mesmo após a reabilitação com fisioterapia pélvica. Esse percentual representa aproximadamente 700 novos casos por ano apenas na rede pública de saúde.
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Para esses pacientes, o implante do esfíncter urinário artificial é considerado mundialmente a solução mais eficaz e segura. O dispositivo, reconhecido como padrão-ouro, devolve ao paciente o controle voluntário da eliminação de urina e possibilita a retomada da rotina com dignidade. Apesar disso, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) emitiu parecer preliminar contrário à incorporação do procedimento. A decisão segue agora para consulta pública, aberta entre 17 de setembro e 6 de outubro, etapa em que a sociedade pode se manifestar e contribuir para o debate.
Qualidade de vida
A incontinência urinária masculina ainda é um tema cercado de tabus, vergonha e desinformação. Muitos homens demoram a buscar ajuda médica, acreditando que o problema é inevitável. Mas especialistas de saúde reforçam que há tratamentos eficazes, que vão da fisioterapia pélvica a soluções cirúrgicas avançadas.
“É fundamental romper o estigma e ampliar a conscientização sobre a incontinência urinária. Trata-se de uma condição que pode ser tratada, inclusive com resultados definitivos em casos graves, permitindo que o paciente retome sua rotina com segurança e dignidade”, afirma o urologista e presidente da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Luiz Otávio Torres.
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O esfíncter artificial consiste em um manguito que envolve a uretra, conectado a uma bomba manual implantada no escroto, que o paciente aciona para urinar. O dispositivo simula a função natural do esfíncter urinário, garantindo controle e autonomia.
Segundo ele, é um recurso consagrado, com evidências robustas de eficácia e segurança. "Negar acesso a terapias comprovadas significa deixar desamparados pacientes que já venceram o câncer, mas convivem com uma condição incapacitante. A consulta pública é uma oportunidade para que a sociedade apoie uma decisão que pode transformar vidas”, destaca o urologista Alexandre Fornari, coordenador do Departamento de Disfunções Miccionais da SBU.
De acordo com Fornari, cerca de 3% a 4% dos homens submetidos à prostatectomia radical permanecem com incontinência urinária grave após um ano da cirurgia, quadro que indica a necessidade de tratamento cirúrgico. “A mudança na vida do paciente é enorme. Ele deixa de viver em função de banheiros, abandona o uso constante de fraldas e recupera sua vida social e até sexual”, explica.
O urologista ainda alerta para o comprometimento da qualidade de vida e o grau de sofrimento dessas pessoas. "A pressão psicológica e o isolamento social desses pacientes é muito significativo, eles não querem mais ver ninguém, eles se sentem rejeitados e humilhados por não poder, por se sentirem inadequados na presença de outras pessoas, isso é realmente muito desagradável."
Desigualdade de acesso
Atualmente, o esfíncter urinário artificial está disponível apenas na saúde suplementar, incorporado desde 2014. Em 2023, foram registrados 132 procedimentos em planos de saúde. No SUS, não há alternativas para pacientes com incontinência grave.
Essa desigualdade de acesso levanta questões de equidade. “As mulheres que tratam o câncer de mama têm direito à reconstrução mamária no SUS, o que é justo. Mas os homens também deveriam ter acesso ao tratamento das sequelas do câncer de próstata, que é a doença oncológica mais frequente neles. É uma questão de dignidade”, diz Fornari.
Além do impacto social e psicológico, que inclui casos de isolamento, depressão e até tentativas de suicídio, especialistas defendem que a incorporação do esfíncter artificial ao SUS também se mostra custo-efetiva a longo prazo, reduzindo gastos com fraldas, complicações clínicas e internações.
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A SBU reforça que a participação da sociedade é determinante para reverter o parecer negativo. “A consulta pública é o momento em que a voz da população pode fazer a diferença. Muitas vezes, o posicionamento contrário inicial da Conitec é revertido após esse processo, justamente pela mobilização social”, explica Alexandre. Além disso, acredita que o acesso a terapias inovadoras e comprovadas, deve ser prioridade nas políticas públicas voltadas à saúde do homem.
O Correio tentou contato com o Ministério da Saúde, mas até o momento não obteve resposta.
Como participar
A consulta pública sobre a incorporação do esfíncter urinário artificial no SUS ficará disponível até 6 de outubro de 2025 no portal Participa + Brasil. Para acessar, basta entrar no link oficial.
Ciência e Saúde
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