
Você já ouviu falar da pílula rosa, cujo objetivo é tratar a falta de libido feminina? Criada por Cindy Eckert, cofundadora e CEO da Sprout Pharmaceuticals, o Addyi (flibanserin) é um medicamento indicado para mulheres na pré-menopausa com transtorno do desejo sexual hipoativo (TDSH) — disfunção caracterizada pela ausência recorrente de libido.
A batalha da comercialização do ‘viagra feminino’
Em 2015, Eckert lutou para conquistar a aprovação da FDA (órgão regulador norte-americano) para comercializar o medicamento, quando muitos acusaram a Sprout de medicalizar os altos e baixos naturais da libido feminina. Após vender e recuperar a empresa em uma disputa judicial, com diretrizes mais flexíveis da FDA e um novo olhar para a saúde sexual feminina, mais de 30 mil médicos prescrevem o Addyi, que já soma mais de meio milhão de receitas.
Por décadas, o debate sobre liberdade sexual feminina girou mais em torno de contracepção e autonomia financeira do que do desejo em si, ainda tratado como tabu. Foi esse contexto que marcou o encontro de Eckert com o urologista Irwin Goldstein, que lhe mostrou vídeos de mulheres devastadas por perder acesso ao flibanserin após a FDA rejeitar o estudo. A reação delas indignou Eckert, que via o desejo feminino ser reduzido a estresse ou problemas conjugais.
Efeitos colaterais como sonolência e queda de pressão, especialmente com álcool, motivaram novas rejeições da FDA e alimentaram um movimento que acusava a agência de sexismo. A aprovação do flibanserin registrou o remédio no New England Journal of Medicine e destacou que, apesar de “efeitos médios pequenos”, a eficácia estava estabelecida. Ainda assim, impôs barreiras: treinamento obrigatório para prescrição, aviso destacado no rótulo e promessa das pacientes de abstinência alcoólica.
Nos últimos anos, o crescimento do debate sobre menopausa e perimenopausa — impulsionado por celebridades e investidores do Vale do Silício — favoreceu a Sprout. A empresa dobrou a receita e conquistou novos apoiadores. No mesmo período, a FDA removeu exigências de certificação, flexibilizou o consumo moderado de álcool e acelerou o processo que pode expandir o uso do Addyi para mulheres na pós-menopausa, com decisão prevista para este ano.
Agora, Eckert direciona esforços para pressionar seguradoras, que, segundo ela, ainda não oferecem paridade na cobertura de medicamentos voltados à saúde feminina em relação aos destinados aos homens.
Transtorno do desejo sexual hipoativo e tabus na libido feminina
Sexóloga e psicóloga, Alessandra Araújo explica que a perda de desejo sexual feminino é frequentemente normalizada devido a vieses de gênero e históricos que tendem a psicologizar as disfunções sexuais das mulheres. "Por muito tempo, a medicina focou a sexualidade feminina exclusivamente na resposta (lubrificação, orgasmo), ignorando o desejo como uma função complexa mediada por fatores neurobiológicos. O declínio do desejo é rotulado como "estresse," "fadiga," ou "problemas de relacionamento", desviando a atenção da base neuroquímica do TDSH, que é uma condição de saúde sexual legítima e mensurável, definida pela ausência ou deficiência de fantasias sexuais e desejo de atividade sexual que causa sofrimento na paciente”, esclarece.
Segundo a especialista, o Addyi age no cérebro como um agonista do receptor 5-HT1A de serotonina, modulando os níveis de três neurotransmissores principais no córtex pré-frontal — área associada à inibição e ao prazer. São eles: a dopamina, ligada ao desejo e à motivação; a norepinefrina, ligada ao alerta e à excitação; e a serotonina, um neurotransmissor inibitório que, quando em excesso, pode suprimir o desejo sexual.
“Essa ação é diferente de aumentar a excitação física (como o Viagra para homens) porque o Addyi atua no desejo espontâneo (apetite sexual) e na motivação (o querer), que são processos centrais do cérebro. Não tem efeito direto sobre o fluxo sanguíneo genital ou sobre a resposta física imediata. O Addyi trata o transtorno, que é uma falha na fase de desejo do ciclo de resposta sexual”, acrescenta a sexóloga.
Conforme o tratamento com o medicamento avança, as mudanças apresentam-se de formas sutis e cognitivas antes de transformar-se comportamentos explícitos. Alessandra exemplifica os primeiros sinais: aumento de fantasias, desejo sexual espontâneo, maior receptividade a estímulos e redução de sofrimento causado pela ausência de libido.
Para diferenciar uma baixa na libido do Transtorno do desejo sexual hipoativo, a especialista diverge estresse situacionais da persistência dos sintomas por pelo menos seis meses e do sofrimento clínico causado pelo TDSH. “Se o desejo sumiu mesmo quando a paciente está relaxada, feliz no relacionamento e sem medicação, isso aponta para o TDSH”, diz. Embora a pílula rosa restaure o desejo ao nível basal, vale ressaltar que ela não resolve questões de intimidade, dor nas relações e resposta orgástica.
Já o climatério — período de transição para a menopausa — naturalmente promove quedas hormonais, reduzindo especialmente os níveis de testosterona e estrogênio no corpo, fatores que culminam em baixa libido. O Addyi não contempla tratamentos hormonais, não tratando sintomas físicos como secura vaginal. “O climatério geralmente exige uma abordagem combinada, que pode incluir a Terapia de Reposição Hormonal (TRH) e, se o componente neurobiológico persistir, o Addyi pode ser considerado para tratar a falta de desejo em si”, completa Alessandra.
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