SAÚDE FEMININA

Cannabis medicinal avança como aliada no alívio da cólica menstrual

Estudos apontam o potencial do CBD e do THC para reduzir dor, inflamação e desconfortos do ciclo menstrual

As oscilações de estrogênio e progesterona ao longo do ciclo menstrual afetam tanto a percepção da dor quanto a forma como o corpo reage ao CBD e ao THC -  (crédito: Pexels)
As oscilações de estrogênio e progesterona ao longo do ciclo menstrual afetam tanto a percepção da dor quanto a forma como o corpo reage ao CBD e ao THC - (crédito: Pexels)

A busca constante por alternativas para aliviar as cólicas menstruais faz parte do dia a dia das mulheres, e tem levado cada vez mais a considerar o uso da cannabis medicinal — método cujas pesquisas começam a reforçar esse potencial. Um estudo publicado na PubMed em 2024 observou que mulheres que utilizaram cannabidiol (CBD) oral ao longo de três ciclos relataram redução consistente na intensidade das dores, além de melhora em irritabilidade e estresse. Outra pesquisa, divulgada na NPJ Women’s Health, analisou o uso de supositórios vaginais de CBD e encontrou diminuição significativa da frequência e da gravidade da cólica, com menor necessidade de analgésicos tradicionais. 

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Embora ainda sejam estudos iniciais, a cannabis oferece um caminho promissor para quem busca novas formas de manejo da dor menstrual. Segundo a médica Juliana Bogado, especialista em canabinóides e coordenadora acadêmica da EndoPure Academy, o CBD tem ação anti-inflamatória, reduzindo prostaglandinas responsáveis pela dor menstrual; ação analgésica, modulando vias de dor periférica e central; relaxante muscular, importante para atenuar as contrações uterinas intensas; e ação antinociceptiva, diminuindo a sensibilidade exagerada à dor, comum na TPM e em condições como endometriose.

Apesar do interesse crescente, a desinformação ainda é um dos grandes obstáculos para mulheres que consideram o tratamento canábico para a saúde menstrual. A especialista esclarece que a cannabis de uso medicinal é diferente da cannabis de uso recreativo: “As concentrações, proporções e perfis químicos são totalmente distintos. A de uso medicinal normalmente é derivada do cânhamo, envolve precisão dos canabinoides, grau farmacêutico, e claro, acompanhamento contínuo. É seguro quando bem indicado e bem monitorado.”

Alice Reis, psicóloga, especialista em cannabis na Weedmaps (EUA) e fundadora do projeto educativo Girls in Greens,  explica que a cannabis ajuda na redução da cólica devido a sua capacidade de interação com o sistema endocanabinoide — diretamente ligado à regulação da dor, da inflamação, do humor e das contrações musculares. “No caso da cólica menstrual, estamos falando de um processo inflamatório e de contrações intensas do útero. Substâncias como o THC e o CBD ajudam tanto no relaxamento muscular quanto na modulação da percepção da dor”, diz. “Além disso, o efeito ansiolítico de alguns canabinoides também contribui para reduzir o sofrimento emocional que muitas vezes acompanha a dor física.”

Conforme a fase do ciclo menstrual, o efeito da cannabis no corpo pode mudar. Alice detalha que, ao longo do ciclo, o corpo passa por variações hormonais, especialmente de estrogênio e progesterona, cujas proporções influenciam diretamente a forma de reação às substâncias. “Na fase pré menstrual, algumas pessoas ficam mais sensíveis ao THC e podem sentir mais ansiedade se exagerarem na dose. Já durante a menstruação, quando a dor é mais intensa, o corpo pode responder melhor aos efeitos analgésicos e anti inflamatórios”, ilustra. “Por isso, observar o próprio ciclo é uma ferramenta muito importante de autocuidado e redução de danos.”

Devido ao preconceito em relação ao THC (principal componente psicoativo da planta), o CBD é mais socialmente aceito no tratamento medicinal. “Mas na prática clínica e também na minha experiência pessoal com cólica, o THC é um canabinoide extremamente importante para o alívio da dor”, contrapõe Alice. Ao testar supositórios vaginais com THC, a especialista percebeu um efeito anti inflamatório mais potente. 

A cápsula inserida no canal é, para Alice, a forma mais eficiente de combater a cólica. “Há um relaxamento profundo da região, alívio da dor, mas sem gerar efeito psicoativo. Ou seja, a pessoa não fica alterada, não fica entorpecida. Isso permite usar durante o trabalho, antes de sair de casa, ou até mesmo se precisar dirigir. É uma ferramenta de cuidado extremamente eficaz e ainda pouco conhecida no Brasil”, descreve, citando também a eficiência de pomadas, cremes e óleos. “O uso tópico atua diretamente na região onde a dor acontece, sem passar pela corrente sanguínea da mesma forma que o uso inalado ou oral.”

Na Califórnia, onde mora atualmente, Alice utiliza tanto produtos regulamentados, quanto formulações artesanais que ela mesma faz, sempre em versões full spectrum, que é um extrato da planta que preserva todos seus componentes naturais. “Isolados, como apenas CBD, são úteis para quem precisa evitar completamente o THC, mas podem ter um efeito mais limitado quando falamos de dor intensa. Já os óleos balanceados, com proporções de CBD e THC, costumam ser muito eficazes para dor, justamente por unirem o efeito analgésico do THC com o efeito regulador do CBD. A escolha ideal depende da sensibilidade da pessoa, da rotina e da intensidade dos sintomas”, aponta. 

Como qualquer substância, o consumo de cannabis está sujeito a riscos quando não há informação, qualidade e acompanhamento. Alice alerta que, durante a TPM, algumas pessoas podem se sentir mais sensíveis ao THC e apresentar ansiedade ou desconforto emocional se usarem doses altas. Outro ponto central é a procedência do produto. “Sempre reforço a importância de usar produtos com certificado de análise quando se compra no mercado regulado”, ressalta. 

Para quem deseja iniciar o tratamento, o primeiro passo é buscar informação com orientação de um profissional especializado. “Começar sempre com doses baixas e observar como o corpo responde”, indica a especialista. “Autopercepção, paciência e respeito ao próprio corpo são partes centrais da redução de danos.”

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Em suma, Alice desmistifica a premissa que a cannabis serve apenas para recreação e não tem valor terapêutico real, bem como a ideia de que toda forma de uso promove alteração. “Ainda há um forte estigma sobre mulheres que usam a planta como ferramenta de cuidado, como se isso fosse sinônimo de irresponsabilidade, quando na verdade estamos falando de autonomia sobre o próprio corpo, sobre a dor e sobre a qualidade de vida”, finaliza. 

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postado em 12/12/2025 18:33
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