STF

Código de conduta volta ao debate e expõe questões de ética no STF

Inspirada em modelos internacionais, medida pretende fortalecer a confiança social na Corte e conter episódios que levantam dúvidas sobre imparcialidade

 Ministro Edson Fachin vota favorável pela autonomia das universidades -  (crédito: Carlos Moura/SCO/STF)
Ministro Edson Fachin vota favorável pela autonomia das universidades - (crédito: Carlos Moura/SCO/STF)

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Edson Fachin, estuda a criação de um código de conduta para os integrantes dos tribunais superiores. A iniciativa, prometida ainda antes de sua chegada à presidência da Corte, no fim de setembro, busca estabelecer parâmetros mais nítidos de autocontenção para reforçar a credibilidade institucional,  temas destacados já em seu discurso de posse.

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"O tribunal tem o dever de garantir a ordem constitucional com equilíbrio. Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao direito, o que é do direito; à política, o que é da política. A espacialidade da política é delimitada pela Constituição", afirmou Fachin na ocasião, sinalizando a importância de fortalecer limites éticos e institucionais.

Embora a discussão sobre um código de conduta não seja nova, a proposta voltou ao centro do debate após a revelação de que o ministro Dias Toffoli viajou em um jatinho privado para Lima ao lado de um dos advogados de um dos investigados na Operação Compliance Zero, caso para o qual havia sido sorteado relator um dia antes. Pouco depois da viagem, Toffoli atendeu a dois pedidos relevantes apresentados pelos defensores do banqueiro Daniel Vorcaro: um para impor sigilo ao processo e outro para deslocar a investigação da Justiça Federal para o Supremo.

O episódio reacendeu discussões sobre transparência, limites éticos e a urgência de regras mais claras para orientar o comportamento de magistrados, dando nova atenção à iniciativa de Fachin. O ministro pretende adotar como referência o código de conduta do Tribunal Constitucional da Alemanha.

Entre as diretrizes, a regra de que "juízes só podem receber remuneração por palestras, participação em eventos ou publicações quando isso não comprometer a reputação do Tribunal nem levantar dúvidas sobre a independência, imparcialidade, neutralidade e integridade de seus membros". O código também prevê que "os juízes apenas aceitam presentes ou benefícios em contextos sociais e apenas na medida em que não lancem dúvidas sobre sua integridade pessoal e independência".

Para Melillo Dinis, advogado, analista político e diretor do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, todo poder deve ser controlado. "O Poder Judiciário tem ampliado muito a sua presença no espaço público. Mais presença exige mais controle, transparência, imparcialidade. Sem isso, um poder que não é eleito perde a sua legitimidade, com a possibilidade de caracterizar um autoritarismo", afirma.

Nesse contexto, ele avalia que a criação de um código de conduta pode oferecer uma resposta concreta a parte dessas inquietações. "Pode ajudar a consolidar parâmetros mais claros para a exposição pública e para a vida privada dos magistrados, cuja postura é cada vez mais observada pela sociedade."

Marlon Reis, pós-doutor em direito e um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, afirma que a necessidade de um código se impõe principalmente para prevenir conflitos de interesse. "Vivemos em uma República, e isso exige das autoridades institucionais posturas que evidenciem um distanciamento claro de interesses privados que possam ser percebidos como capazes de distorcer, influenciar ou colocar em dúvida a atividade pública", explica.

Reis ressalta que não se trata de um gesto de desconfiança, mas de uma prática já consolidada em diversas democracias, que instituem regras de comportamento por meio de protocolos claros e previamente definidos. A proposta, segundo ele, busca reforçar a confiança pública nas instituições e, ao mesmo tempo, oferecer segurança jurídica às próprias autoridades.

Ele lembra que os limites para esse tipo de norma já estão delineados na Constituição Federal, que consagra a forma republicana de governo e determina que a escolha e a atuação das lideranças institucionais sejam orientadas pelo interesse da soberania popular. "A Carta Magna é robusta ao definir princípios que concretizam o ideal republicano, e são essas balizas que devem orientar e conter o alcance de um eventual código de conduta", afirma.

O advogado observa ainda que, embora existam normas gerais e princípios éticos aplicáveis ao serviço público, o país não dispõe de um instrumento específico voltado à prevenção de conflitos de interesse no âmbito dos tribunais superiores. "Um código dessa natureza pode preencher esse vazio normativo, oferecer parâmetros para a conduta dos ministros em situações sensíveis e servir de exemplo para as mais diversas esferas da institucionalidade democrática", diz.

Em contrapartida, o ministro aposentado e ex-presidente do STF Marco Aurélio Mello declarou, em entrevista à CNN, que recebe a ideia de um novo código de ética com certa perplexidade. Segundo ele, a ética deveria ser inerente aos bons magistrados, e, durante sua atuação de mais de três décadas na magistratura, sempre julgou com naturalidade e transparência. "O Supremo é a última trincheira da cidadania. Desde cedo, aprendemos que o exemplo deve vir de cima e o bem se irradia a partir da conduta de quem ocupa as posições mais altas."

Atualmente, a conduta dos ministros do STF e dos demais tribunais superiores é regida pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman). O cumprimento dessas normas é fiscalizado pelos colegiados internos de ética das Cortes e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), hoje presidido por Edson Fachin.

Para Dinis, a Loman, somada a outras regras — como o Código de Ética da Magistratura, editado pelo CNJ — estabelece princípios essenciais, como independência, imparcialidade, dignidade e decoro. Ainda assim, ele considera que esse conjunto normativo é insuficiente diante do contexto atual. Segundo Dinis, a cultura do bacharelismo acabou transformando deveres em privilégios e alimentando uma espécie de aristocracia corporativa, distante dos desafios concretos do país.

Nesse cenário, o advogado defende que regras mais claras — como as que agora começam a ser discutidas — podem reduzir desgastes que acabam constrangendo os muitos magistrados que trabalham com seriedade e conter excessos praticados por uma minoria.

Marlon Reis acrescenta que, para preservar a independência judicial, cabe ao próprio STF definir as balizas do código de conduta, estabelecer as consequências para eventual violação e assegurar o seu cumprimento por meio de mecanismos internos, proporcionais e compatíveis com a dignidade do cargo.

O ex-presidente do STF Celso de Mello também demonstrou apoio à iniciativa de Fachin. Em artigo, afirmou que a proposta é relevante porque "em democracias consolidadas, a confiança na Justiça exige não apenas juízes honestos, mas também regras claras que afastem qualquer aparência de favorecimento, dependência ou proximidade indevida com interesses privados ou governamentais".

 


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postado em 11/12/2025 06:00
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