
O ano de 2025 consolidou o Supremo Tribunal Federal (STF) como um dos principais centros de definição dos rumos institucionais do país. Em meio a tensões políticas, transformações sociais e desafios impostos pelo ambiente digital, a Corte foi chamada a arbitrar temas sensíveis que envolveram desde a organização do sistema educacional e a política de segurança pública até a proteção de direitos fundamentais, o funcionamento das plataformas digitais e a defesa do Estado Democrático de Direito. As decisões proferidas ao longo do ano não apenas solucionaram controvérsias jurídicas imediatas, como também estabeleceram balizas para a atuação do poder público, do sistema de Justiça e da sociedade nos próximos anos.
Confira o balanço preparado pelo Direito&Justiça com os principais julgamentos, decisões e marcos institucionais da Corte.
Linguagem neutra nas escolas (3/2/25)
Em fevereiro o STF declarou inconstitucional uma lei municipal que proibia o uso e o ensino da chamada linguagem neutra em instituições públicas e privadas de ensino. A Corte entendeu que a norma usurpou a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (Informativo 1164).
Revista íntima em presídios (2/4/25)
No mês de abril, o Tribunal proibiu a realização de revistas íntimas vexatórias em visitantes de estabelecimentos prisionais. A decisão veda práticas como o desnudamento e a realização de exames invasivos com caráter humilhante. A partir do julgamento, qualquer prova obtida por meio desse tipo de revista passa a ser considerada ilícita, salvo se houver autorização judicial específica para o caso concreto. O Tribunal também fixou diretrizes para a fiscalização de visitantes. Entre elas, está a possibilidade de impedir a visita quando houver indícios robustos de que a pessoa porta, de forma oculta ou sonegada, itens proibidos. A decisão determina ainda a instalação de scanners corporais no prazo de até 24 meses e atribui responsabilidades à União e aos estados para a implementação das medidas. De forma excepcional, quando não for possível ou eficaz a utilização de scanners corporais, esteiras de raio X ou portais detectores de metais, a revista íntima somente poderá ser realizada diante de indícios robustos, concretos e verificáveis de irregularidade. Nesses casos, a medida deverá ser devidamente motivada, analisada individualmente e dependerá da plena concordância do visitante, sendo vedada, em qualquer circunstância, sua execução com finalidade humilhante ou vexatória. Caso as normas sejam desobedecidas, a União e os estados podem ser responsabilizados. Os efeitos são prospectivos (Informativo 1172).
Regulamentação do Estatuto do Desarmamento (24/6/25)
O STF considerou constitucionais os decretos presidenciais que regulamentam o Estatuto do Desarmamento em 26 de junho ao entender que respeitam os limites do poder regulamentar e fortalecem a política pública de controle de armas e munições (Informativo 1183).
Acesso a dados de celular sem autorização judicial (25/6/25)
No mesmo mês, a Corte decidiu que a polícia pode apreender um celular durante uma investigação ou em caso de prisão em flagrante sem precisar de autorização judicial. No entanto, o acesso ao conteúdo do aparelho (como mensagens, fotos e arquivos) exige cuidados e regras específicas. Quando o celular é encontrado de forma ocasional, por exemplo, a polícia pode acessar os dados apenas para identificar o dono do aparelho ou esclarecer quem cometeu o crime, sem necessidade de autorização judicial. Mesmo assim, essa medida precisa ser justificada depois. Já nos casos em que o celular é apreendido durante uma investigação formal ou em uma prisão em flagrante, o acesso ao conteúdo só é permitido se o dono do aparelho autorizar expressamente ou se houver ordem judicial prévia. O STF destacou ainda que esses pedidos devem ser analisados com rapidez, tanto pela polícia quanto pelo Judiciário, inclusive em regime de plantão, para evitar prejuízos à investigação. A decisão tem efeitos prospectivos (Informativo 1184).
Responsabilidade das plataformas digitais (26/6/25)
Logo em seguida, o STF determinou que o artigo 19 do Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial para responsabilizar plataformas por conteúdos publicados por terceiros, é parcialmente inconstitucional, por não oferecer proteção suficiente a direitos fundamentais e à democracia. Dessa forma, enquanto não houver nova lei aprovada pelo Congresso, o dispositivo deve ser interpretado de forma mais ampla, permitindo a responsabilização das plataformas em casos de conteúdos ilegais, como crimes, atos ilícitos, contas falsas e publicações impulsionadas ou distribuídas por robôs. Crimes contra a honra, como calúnia e difamação, continuam submetidos à regra geral da necessidade de ordem judicial, sem prejuízo da possibilidade de remoção após notificação. A Corte estabeleceu que as plataformas têm o dever de agir de forma imediata diante da circulação em massa de conteúdos que envolvam crimes graves, como ataques à democracia, terrorismo, incentivo ao suicídio, racismo, homofobia, transfobia, violência contra a mulher, crimes sexuais contra crianças e adolescentes e tráfico de pessoas. A omissão nesses casos pode caracterizar falha sistêmica na moderação de conteúdo, gerando responsabilidade civil. Já a existência isolada de conteúdo ilegal não gera, por si só, responsabilização automática, devendo ser analisada conforme as regras gerais do Marco Civil. O STF também determinou novas obrigações às plataformas, como a adoção de regras claras de moderação, canais acessíveis de denúncia, relatórios de transparência e a manutenção de representante legal no Brasil, com poderes para responder a autoridades e cumprir decisões judiciais. A responsabilidade não é objetiva, ou seja, depende da análise de cada caso concreto, e os efeitos da decisão valem apenas para situações futuras, preservando a segurança jurídica.
Sanções da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes (30/7/2025)
No dia 30 de julho de 2025, o governo dos Estados Unidos aplicou sanções com base na Lei Magnitsky ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. A medida foi adotada em meio a um período de forte tensão diplomática entre Brasil e Estados Unidos e teve como principal motivação a atuação do magistrado como relator de processos penais de grande repercussão, especialmente aquele que resultou na condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
Autoridades norte-americanas acusaram Moraes de promover censura, conduzir uma suposta “caça às bruxas” e violar direitos humanos. Em comunicado oficial, o então secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Scott Bessent, afirmou que o ministro “assumiu a responsabilidade de ser juiz e júri em uma caça às bruxas ilegal contra cidadãos e empresas americanas e brasileiras”, justificando a aplicação das sanções.
As medidas incluíram o bloqueio de bens e ativos vinculados aos Estados Unidos, a proibição de transações com cidadãos e empresas americanas e a revogação de vistos de entrada no país, posteriormente estendida à esposa do ministro e a uma instituição ligada à família. A aplicação da Lei Magnitsky a um ministro de uma Suprema Corte de um país democrático foi considerada inédita e provocou intenso debate sobre soberania nacional, independência do Judiciário e o uso político de mecanismos internacionais de sanção. Em dezembro de 2025, após negociações diplomáticas entre os governos brasileiro e norte-americano, as sanções foram retiradas.
Julgamento do “Núcleo 1” da trama golpista (11/9/2025)
Em setembro, o STF esteve no centro do debate público com o julgamento do chamado Núcleo 1 — ou Núcleo Crucial — da trama golpista, grupo considerado central na articulação de ações voltadas à ruptura da ordem democrática após as eleições de 2022, com o objetivo de manter o então presidente Jair Bolsonaro no poder apesar da derrota nas urnas.
O grupo era composto por oito réus: o ex-presidente Jair Bolsonaro; o general Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice-presidente em 2022; o general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional; o deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor-geral da Abin; o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres; o general Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; e o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e colaborador das investigações.
Durante o julgamento, o STF entendeu que as condutas atribuídas aos integrantes do Núcleo 1 extrapolaram o campo da retórica política e da livre manifestação do pensamento, configurando atos concretos de organização, coordenação e incentivo a práticas antidemocráticas. A Corte destacou o uso indevido de estruturas do Estado, a disseminação sistemática de desinformação e o estímulo à mobilização de apoiadores com o propósito de impedir a posse do governo eleito e enfraquecer os Poderes constituídos.
A Primeira Turma concluiu o julgamento em 11 de setembro, com a condenação dos réus. As penas fixadas foram as seguintes: Almir Garnier e Anderson Torres, 24 anos de prisão; Paulo Sérgio Nogueira, 19 anos; Alexandre Ramagem, 16 anos; Augusto Heleno, 21 anos; Walter Braga Netto, 26 anos e seis meses; Mauro Cid, dois anos de prisão em regime aberto; e Jair Bolsonaro, 27 anos e três meses de prisão.
Nova presidência do STF (29/9/2025)
No dia 29 de setembro de 2025, o ministro Edson Fachin tomou posse na presidência do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para o biênio 2025–2027, tendo o ministro Alexandre de Moraes como vice-presidente.
Em seu discurso de posse, Fachin defendeu a harmonia e a independência entre os Poderes da República, destacando a importância do diálogo institucional sem renúncia ao papel constitucional da Corte. De perfil discreto e crítico à espetacularização da Justiça, o novo presidente falou em pacificação, sem ignorar os desafios nacionais e internacionais do período, e afirmou que o STF não é “submisso ao populismo”.
O ministro também rebateu críticas de ativismo judicial e fez questão de diferenciar a atuação do Supremo da arena política. “Nosso compromisso é com a Constituição. Repito: ao direito, o que é do direito. À política, o que é da política”, afirmou. Fachin defendeu ainda a coesão interna do Tribunal e ressaltou a necessidade de convivência institucional mesmo diante de divergências, declarando que, “mesmo no dissenso e no conflito, seja possível conviver sem renunciar à paz”.
Audiência pública sobre pejotização (6/10/2025)
No dia 6 de outubro, o STF realizou audiência pública para debater a pejotização das relações de trabalho, com a participação de especialistas, representantes do setor produtivo e entidades sindicais. O debate teve como objetivo subsidiar a decisão dos ministros no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.532.603, sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Em abril, o relator havia suspendido todos os processos em tramitação sobre o tema até o julgamento da questão em repercussão geral. A audiência pública teve duração de sete horas e contou com 48 participantes, que apresentaram diferentes perspectivas sobre o tema. Ao final, Gilmar Mendes afirmou que o Tribunal saiu do encontro “devidamente informado, mais sensível aos desafios apresentados e ainda mais comprometido com a busca por soluções justas, inovadoras e viáveis”.
Aposentadoria de Luís Roberto Barroso (9/10/2025)
Pouco depois de deixar a presidência do STF, o ministro Luís Roberto Barroso comunicou oficialmente a antecipação de sua aposentadoria durante sessão plenária da Corte. Com a decisão, Barroso encerrou um ciclo de 12 anos como ministro do Supremo Tribunal Federal.
Na última sessão plenária à frente da Presidência, em 25 de setembro, afirmou que a vida lhe deu a bênção de servir ao país como ministro do Supremo e, nos últimos dois anos, como presidente, sem outra motivação que não fosse “fazer o certo, o justo e o legítimo, procurando construir um país melhor e maior”.
Indicação ao Supremo Tribunal Federal (20/11/2025)
Em 20 de novembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou o advogado-geral da União, Jorge Messias, para ocupar a vaga aberta com a saída de Luís Roberto Barroso. Natural de Recife (PE), Messias é formado em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e possui mestrado e doutorado em Desenvolvimento, Sociedade e Cooperação Internacional pela Universidade de Brasília (UnB).
Ingressou na Advocacia-Geral da União em 2007, como procurador da Fazenda Nacional, e construiu carreira no órgão até assumir o comando da AGU. A escolha reflete uma relação de maior proximidade e confiança com o presidente da República e, segundo interlocutores do governo, também buscou reduzir o risco de atritos futuros com o Supremo em decisões sensíveis. Para assumir o cargo, Messias ainda precisará ser sabatinado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e ter o nome aprovado pelo plenário da Casa.
Código de Ética em pauta (dezembro de 2025)
Em dezembro, passou a circular a informação de que o presidente do STF, Edson Fachin, estuda a criação de um código de conduta para ministros dos tribunais superiores, com o objetivo de estabelecer regras mais claras de autocontenção e reforçar a credibilidade institucional.
A proposta ganhou força após a repercussão de uma viagem do ministro Dias Toffoli em jatinho privado com advogado ligado a processo em análise no Supremo, episódio que reacendeu o debate sobre transparência e limites éticos no Judiciário. Segundo pessoas ligadas à Corte, Fachin pretende se inspirar no código de conduta do Tribunal Constitucional da Alemanha, que estabelece critérios rigorosos sobre remuneração por palestras, participação em eventos, publicações e aceitação de presentes ou benefícios, de modo a preservar a independência, a imparcialidade e a integridade dos magistrados.
Marco temporal das terras indígenas (dezembro de 2025)
Também em dezembro, o STF voltou a analisar a constitucionalidade do marco temporal, tese que restringe a demarcação de terras indígenas às áreas ocupadas pelos povos originários em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
Embora o STF já tenha considerado a tese inconstitucional em 2023, o tema retornou à pauta após o Congresso Nacional derrubar veto presidencial e reinserir a matéria por meio de lei e de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC). Na sessão virtual, os votos iniciais caminharam no sentido da inconstitucionalidade da tese. O relator, ministro Gilmar Mendes, e o ministro Flávio Dino entenderam que o marco temporal impõe restrições indevidas aos direitos fundamentais dos povos indígenas, afronta a Constituição e desconsidera o caráter originário da posse tradicional de seus territórios.
Com o voto do ministro Cristiano Zanin, o placar permaneceu favorável à rejeição da tese. O julgamento segue em andamento, aguardando a manifestação dos demais ministros. Paralelamente, o Senado Federal aprovou a PEC do marco temporal, que tramita na Câmara dos Deputados, evidenciando um impasse institucional entre o Legislativo e o STF sobre a regulamentação da demarcação de terras indígenas no país.

Direito e Justiça
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