É da adolescência, ainda como espectador de cinema, que o diretor brasiliense Erik de Castro, depois de conferir a referencial filmografia de Clint Eastwood, formulou conceitos decantados nos filmes que ele cria, entre os quais, Amado, policial rodado na Ceilândia e prestes a estrear na cidade. "Me interesso pela condição do ser humano ser colocado numa situação limite, de conflitos. Na base dos thrillers, assisti a Os Intocáveis (1987), os dois Operação França, dos anos 1970, e Chuva negra (1989). Gosto dos combatentes contemporâneos, e Amado é inspirado numa situação destas, e com todas as nuances", comenta o cineasta, que divide o comando do filme estrelado por Sérgio Menezes com o colega Edu Felistoque.
O lançamento de Amado, que trata de um policial militar com a cabeça a prêmio, traz imenso entusiasmo para Erik, que vislumbra: "Atingiremos o público que gosta do gênero policial, e que não vê muitas histórias brasileiras retratadas na tela, e é o que me interessa, desde sempre". Depois de retratar veteranos combatentes verde-amarelos na Segunda Guerra, em Senta a Pua! (1999) e O Brasil na batalha do Atlântico(2012), Erik reforça que não busca oferecer o mero entretenimento: "Amado é reflexão e é poesia — o entretenimento descerebrado nunca me interessou, nem mesmo quando eu tinha 14 anos". Amado mostra um militar determinado a desbaratar uma rede de corrupção que tem desdobramentos dentro da própria corporação.
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O ator central, Sérgio Menezes, diz que o critério básico para tomar parte do filme foi o roteiro. "Gosto muito de cinema de ação. Além disso, eu diria que o que torna o filme ainda mais interessante é o fato de que há todos os elementos de um bom filme dessa categoria: personagens bem estruturados, e um tom de sensibilidade que faz diferença. Ela tira a dureza de tiro, porrada e explosão, todos ingredientes inevitáveis de um bom filme de ação", analisa o ator, que viu a Ceilândia como um lugar interessante "que lembrava bairros cariocas".
Vínculo com Ceilândia
A ligação de Erik com a Ceilândia é intensa e inclui o cotidiano da esposa e sócia na BSB Cinema Keilla Pinheiro, moradora da M Norte (em Taguatinga). "Convivi muito com as pessoas da Ceilândia e ouvi muitas histórias, então foi natural criar o roteiro", avalia Erik. Ao longo dos mais de 20 anos de contato com a cidade, o diretor viu o estreitamento na relação com um policial aposentado, que embasou o filme. "Reforço que a obra não é baseada, mas, sim, inspirada — a imaginação conta muito ponto", observa. A partir de um orçamento de R$ 3 milhões — "se você não está em Hollywood, tem que trabalhar com o mínimo" — contou com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual, ao se dedicar à linha pouco explorada pelo cinema brasileiro. Buscando qualidade da visão artística de quem se formou pela Cinecittà (Itália) e a "sensibilidade europeia", Erik, que tem bagagem de estudos em Los Angeles e a cubana Sán Antonio de Los Baños, investiu na parceria com Edu Felistoque, "descendente de gregos, com raízes bem paulistas". Tornado produtor de Amado, Felistoque viu estendida a ótima interação.
"Quis consolidar uma parceria à la Spielberg e George Lucas ou a do tipo Tarantino e Robert Rodriguez. Comparo muito o Edu, que tem criatividade e força com o Rodriguez, mas prefiro o profissional Edu", brinca Erik. O final surpreendente do filme Toro (2016), derivado da série policial Bipolar, entusiasmou Castro, que convocou Felistoque para Amado. "No filme, a violência em si faz parte do cotidiano em que os personagens são retratados, mas jamais com irresponsabilidade", comenta o Erik de Castro.
O diretor não vê nenhum tipo de glamour com a violência na nova investida em cinema. Quase 12 anos depois da primeira incursão em ficção, com o longa Federal, ele aponta: "Não glamourizo nem a figura de policiais. Desde o Federal, busco roteiros nos quais trabalhe o ser humano, no seu cinza — não há preto no branco. No set do longa, ouvi do Edu: 'nosso olhar junto a pessoas com farda ou não, sendo policial civil ou militar, está no ser humano e que tem família e suas questões e reflexões'". Ator no filme anterior de Erik (Cano serrado), Fernando Eiras analisou a plenitude do gênero policial, sob uma conclusão que fixou na mente de Erik: "É na tensão que o ser humano se revela". Cauteloso quanto ao redimensionamento feminista de personagens, Erik não desviou de certo grafismo na exploração de corpos femininos. "O roteiro vai numa linha coerente; nada é gratuito. É natural mostrar a intimidade de um casal, e, na verdade, os dois corpos, de homem e de mulher, ficam expostos no filme — filmamos com esta sensibilidade", conclui.
Sem lei
Tal como trabalhadores do segmento da educação e dos setores agropecuário e aeroportuário, nos exemplos de Erik de Castro, o cineasta conta que segue empurrando "a pedra, morro acima". Grosso modo, independentemente das condições dos artistas, ele enfatiza: "O que podemos é trabalhar, e fazer com que o público veja o valor do nosso trabalho". Amado, o atual longa foi executado com verbas do Edital de Fluxo Contínuo, por dinheiro do Fundo Setorial do Audiovisual. Sem pestanejar, Erik aponta, entretanto, um período de abandono para o setor do cinema. "Nos últimos anos, pararam tudo, e agora voltaram com os editais dos quais temos participado. Houve uma série de falácias em torno de Lei Rouanet, usada por gente séria e que gera emprego. No caso do cinema, há muito tempo a Rouanet não é nem usada. O Fundo Setorial do Audiovisual se destacou no cenário. Cinema é criado como atividade que se retroalimenta", reforça.
Erik de Castro salienta que todos os impostos são pagos e retornam para a cadeia produtiva e governo. "Houve irresponsabilidade e um abandono da cultura, sim, e todos esperam que ela retorne. Há uma sinalização disso", observa. Em termos de mercado, com os lançamentos de Amado e Cano serrado quase casados, o diretor vive a expectativa da do futuro interesse dos filmes, para incorporação no segmento do streaming. "O cinema nem sempre será a mídia de destino. O Luiz Fernando Carvalho fazia cinema na televisão, já nos anos de 1990, em capítulos de novela. O cinema é a luz, o quadro e é o tempo. Os Sopranos, em termos de linguagem e roteiro, foi cinema na televisão. Isso em oito temporadas. O casamento é forte entre cinema e streaming", conclui.
Entrevista // Edu Felistoque, codiretor de Amado
Sentados, lado a lado, numa van reservada a cineastas concorrentes ao Cine PE, há mais de 20 anos, Edu Felistoque e Erik de Castro não vislumbravam a parceria firmada desde o recente Cano serrado (2019), no qual Edu foi da fotografia à participação na produção. A ser lançado em julho, na sequência de Amado, Cano serrado testou a parceria antes resumida à troca de ideias à distância. Uma cidade fictícia do Centro Oeste envolvida pelo conflito entre policiais interioranos e policiais da capital levantou a trama do filme, estrelado por Naruna Costa, Milhem Cortaz, Rubens Caribé, Cesário Augusto e Maurício Witczak, e que foi exibido no Festival do Rio e na Mostra SP. Abaixo, Felistoque analisa o novo processo com a chegada de Amado, no 9 de junho, aos cinemas.
Como buscaram desautorizar estereótipos, ao lidar com a imagem da Ceilândia?
Ceilândia é uma cidade especial, com pessoas demasiadamente especiais, artistas e trabalhadores de todas as atividades, gente batalhadora. É triste que muitos, que não são de lá, só conheçam a "Ceilândia" pelos noticiários policiais e com isso acabam pré-julgando. Por meses andei sozinho, a pé e de ônibus por lá, em busca de locações e também filmamos nas madrugadas, com mais de 160 pessoas. Nunca tivemos problemas com segurança. O próprio fato de escolher a cidade como cenário para o filme já desinstá-la preconceitos. Tivemos a sorte de trabalhar com boa parte de talentos, artistas e técnicos moradores de Ceilândia, muitos fazem parte do projeto "Jovens de Expressão", que forma profissionais nas áreas de teatro, cinema, tevê e música. Os estigmas são causados pelo medo da população que não é de lá e que fica aterrorizada diante da veiculação única de notícias ruins. Para combater isso, o remédio é mostrar os talentos que temos lá, as coisas boas, que são muito maiores.
Você tem boa experiência e contato com temas violentos. A que pôde dar novo significado na produção?
"Respirar" por décadas esses temas violentos que aplico nas obras de cinema, mais me faz crer que ainda não sei nada do tema e isso não é ruim. É fator que me impulsiona a saber, e saber, e saber cada vez mais. Amado precisava ser filmado com muita verdade e ter essas minhas experiências com temas violentos e verdadeiros, só me deixa seguro e satisfeito ao entrar no set e montar uma cena de ficção inspirada em uma cena real.
É difícil trazer um filme policial no momento político pelo qual passamos?
Acho o momento oportuno para colocar esse tema policial em discussão através do cinema. A ideia do filme sempre foi atrair um público maior e, para isso, usamos duas camadas: uma de entretenimento com ação e outra camada para provocar reflexões sobre o tema, sempre perguntando: 'o que é vingança e o que é justiça?' Quando o Estado não se faz presente, o crime organizado e as milícias tomam essa função? Para mim, é incompreensível e abominável esse contemporâneo movimento armamentista brasileiro. Que cultura é essa da pólvora? Os americanos do Norte já nascem com armas e são constantes as tragédias cometidas por civis armados. Penso que o Estado é que tem que garantir a segurança da sociedade e não deixar essa tarefa para a sociedade armando-a.
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