A turnê Titãs Encontro marcou não só a história de uma das principais bandas brasileiras, como também da música nacional. A reunião entre o trio atual Tony Bellotto, Branco Mello e Sérgio Britto e os ex-integrantes Arnaldo Antunes, Paulo Miklos, Nando Reis e Charles Gavin resultou em uma série de shows históricos ao redor dos estádios de todo o país — só em São Paulo foram seis datas esgotadas no Allianz Parque. Quatro meses após o fim das apresentações, o grupo, que volta a ser trio, retorna às atividades com o lançamento do Titãs Microfonado, disco de releituras acústicas com participação de convidados especiais.
Para o trio, o novo projeto foi a maneira ideal de pisar nos freios e fazer a retomada do grupo após o Encontro. "Quando a gente terminou essa turnê grandiosa, com toda a comemoração dos 40 anos de banda e o reencontro com os ex-integrantes, a gente sentiu uma vontade de fazer um trabalho diferente, oposto ao que foram os shows, e que também reafirmasse a nossa 'essência titânica'. Tudo isso em um formato bem diferente, a gente achou importante marcar essa diferença", explica Tony Bellotto.
O trabalho, apesar de se tratar de um álbum de releituras, possui um quê de ineditismo, garantem os Titãs. "Em registros ao vivo, é difícil escapar de regravações de músicas que você já fez, até porque elas passam a ter uma graça diferente. Registros ao vivo são uma abordagem diferente de uma música que foi gravada em estúdio, tem uma riqueza ali. A gente sempre procura fazer isso com algum critério, para que aquele fonograma não seja apenas uma repetição de algo que já existe, uma mera repetição de gravações. É um cuidado que a gente sempre toma quando regrava músicas antigas", assegura Sérgio Britto.
Fazem parte do Microfonado nove faixas, que passeiam desde clássicos dos anos 1980 a músicas do até então mais recente álbum do grupo, lançado no fim da pandemia. "Esse projeto não tem muitas músicas, então foi difícil optar por alguns sucessos e algumas do Olho furta-cor, que passou quase que despercebido", avalia Bellotto. "São músicas que têm sabor de novidade ainda, e, mesmo nas mais antigas, as mais tradicionais, têm algum elemento de novidade", complementa.
"Sonífera ilha, por exemplo, nosso maior sucesso, uma música de 1982, é cantada por mim pela primeira vez. Eu, que sou um dos autores, nunca tinha sido o cantor dela, e agora temos esse registro meu cantando também", exemplifica o guitarrista. "O mesmo ocorre com Marvin, que é uma versão do Britto e do Nando Reis de uma canção americana de R&B que ficou imortalizada pela interpretação do Nando e que agora o Britto divide os vocais com o Vitor Kley", acrescenta o músico.
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O músico gaúcho de 29 anos é apenas um dos sete convidados que parte do projeto Microfonado, que também conta com as participações de Ney Matogrosso, Preta Gil, Cyz Mendes, Bruna Magalhães, Major RD e Lenine. "A gente procurou, nesses convidados, trazer algo diverso, que se adequava às músicas que escolhemos, sempre reforçando a ideia de diversidade que nossa música já propõe", detalha o cantor.
O primeiro artista chamado para participar do projeto foi Ney Matogrosso, que recebeu uma lista de faixas selecionadas pelo trio e de pronto optou por participar de Apocalipse só. "Ele é um mito, uma lenda para todos nós. Quando a gente nem pensava em ser músico, a gente já se inspirava nele no Secos e Molhados, ainda na década de 1970", revela Bellotto. "O Lenine surgiu naturalmente também, como um cara da nossa geração que tem essa questão nordestina forte na música dele, que é, ao mesmo tempo muito, contemporânea com o pop", destaca. Junto com o trio, o pernambucano canta Raul. "Ficou legal, porque é uma música que fala justamente sobre essa união que o Raul Seixas fazia tão bem, entre o rock americano e a música nordestina", opina o artista.
Amiga de muitos anos da banda, Preta Gil também teve uma participação significativa no trabalho. "É muito emblemático ela e o Branco estarem cantando Como é bom ser simples, por tudo que eles passaram, em situações muito similares relacionadas às dificuldades na superação de uma doença grave, e agora estarem afirmando a vida, cantando, trabalhando", comemora. Recentemente, Preta travou uma luta contra o câncer no intestino, enquanto o integrante do Titãs tratou de um câncer de laringe em 2018 e removeu um tumor na língua no fim do ano passado. Na semana passada, a banda anunciou que o baixista precisará se afastar temporariamente do grupo para a retirada de um tumor inicial localizado na amígdala.
A surpresa entre as participações, no entanto, ficou por conta do rapper Major RD. "Nós realmente não o conhecíamos, foi uma sugestão do filho do Branco. Estávamos pensando que talvez ficaria legal um rapper cantando Cabeça dinossauro, incluir uma parte falada na música. Quando estávamos pensando em alguém, o Joaquim sugeriu o Major. Nós fomos conhecer a música dele e ficamos pirados. Fizemos o convite e ele foi muito carinhoso, solícito. Foi uma troca muito intensa", conta Bellotto.
Na versão acústica, Major acrescenta um novo verso à faixa: "Existe uma prisão entre você e sua cabeça sem noção / Que não permite a evolução da sua pessoa / Bem-vindo ao meu poema, o seu problema / É sua cabeça dinossauro que te atrasa / E te impede que tu voa / Na pista / Tu não gosta de fascista / Tenho todo nome na lista / Pança de mamute e espírito de porco / Não acredito quem desista".
O formato desplugado, inclusive, é um dos destaques do projeto. Nele, os amplificadores e alto-falantes ficam de lado, deixando que as vozes e violões sejam as estrelas principais. "Nesses tempos em que se fala tanto de inteligência artificial, de música feita em série e de shows que são feitos à base de playback, é importante reafirmar essa história de tocar um instrumento ao vivo, fazer um registro cru do som. É uma experiência muito rica estar na mesma sala em que alguém está tocando e cantando, e esse projeto se propõe exatamente a isso", pontua Britto.
"São poucas pessoas em um estúdio tocando sem quase nenhuma amplificação. A gente ouvia o som da voz, ouvia os instrumentos. Isso tudo resulta em uma música com uma característica especial. São coisas sutis, mas que provocam uma intimidade maior nessa relação com a música e a maneira como você toca. Eu acho maneiro manter isso vivo", finaliza o artista.
Volta aos palcos
Mantendo a essência acústica, a turnê Titãs Microfonado estreou no fim de abril, no Teatro Guaíra, Curitiba. "A ideia é ser algo bem diferente daquilo que foi o Titãs Encontro. Então a gente optou por fazer essa nova turnê primordialmente em teatros, um espetáculo mesmo. A gente está tomando um cuidado especial na montagem de cenário, na iluminação, justamente para ser o oposto daquela coisa fábrica, de LEDs dos grandes estádios, e ser algo mais teatral", descreve Bellotto.
Sucessos que não fizeram parte da turnê com os ex-integrantes, como Enquanto houver Sol, Isso e Porque eu sei que é amor, agora compõem a setlist dos novos shows. "Claro que vamos ter o repertório básico do álbum Titãs Microfonado, mas a gente coloca muito mais coisa, porque é um show longo, de mais de 1h30, em que, além de conversar com o público, a gente retoma fases da carreira inteira", adianta o cantor.
"É um show que a gente está cuidando com muito carinho e que está muito bonito mesmo. A gente costuma dizer que é um privilégio poder tocar tanto em um estádio cheio, quanto em um teatro mais intimista. Essa diversidade nos alimenta e nos realiza artisticamente", afirma. A turnê ainda não tem data definida para passar por Brasília.
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