Nos subsolos da Universidade de Brasília (UnB), a história da capital está sendo recontada. A trajetória de Honestino Guimarães será contada em uma cinebiografia rodada entre Brasília e São Paulo. O Correio foi convidado a acompanhar o primeiro dia de filmagens e pode dar mais detalhes sobre o longa que promete dar uma nova ótica à vida e luta do líder do movimento estudantil brasileiro durante a ditadura.
Escrito e dirigido por Aurélio Michiles e protagonizado por Bruno Gagliasso, o longa, a princípio, se chamará Honestino — O filme e promoverá uma mistura de dramatização ficcional e relatos reais sobre a vida do ex-presidente da UNE, desaparecido desde os tempos de ditadura. A produção é de Nilson Rodrigues e da Mercado Filmes, enquanto Caetano Curi assina a produção executiva.
O filme teve acesso a cartas de Honestino e busca fazer jus à memória do militante que até hoje é símbolo da luta pela democracia na UnB e em Brasília. "O objetivo desse filme é de fazer a arqueologia da história, de uma forma em que a história não é passado e, sim, presente e viva", pontua o diretor Aurélio Michiles, que foi contemporâneo do protagonista durante o ensino superior.
"O que me fez aceitar foi, sem sombra de dúvida, ter a possibilidade de contar a verdadeira história do nosso país que tentaram e tentam apagar até hoje. Honestino é uma das vítimas daquela época", ressalta Bruno Gagliasso. Ainda caracterizado no momento da entrevista, ele espera que a influência que tem traga os olhos das novas gerações para esta história. "A nova juventude precisa ouvir, entender e compreender. Esse é o nosso e o meu papel, por isso que aceitei fazer esse filme. Eu quero muito que quem me segue e assiste meus filmes participe disso. É sobre isso que eu quero e preciso falar", acrescenta.
Sempre foi uma intenção contar essa narrativa para que um público maior tivesse acesso. Apesar de marcante, o que ocorreu com o militante está mais contido na memória brasiliense do que na nacional. "Nós, como produtores de cultura e cinema, temos que ter um olhar rigoroso para isso. Precisamos resgatar nossa memória e refletir sobre o processo histórico do país", acredita Nilson Rodrigues. "Nesse contexto, se insere a figura do Honestino Guimarães. Um caso singular porque ele era um grande líder, muito carismático, que foi para a clandestinidade após ser preso algumas vezes. Mesmo presidente da UNE, foi torturado, assassinado e o corpo está desaparecido até hoje, a família sequer pôde enterrá-lo", complementa.
A ideia do filme não é retratar os fatos, mas, sim, conduzir os espectadores a uma reflexão. "Eu acredito em uma frase que me moveu durante toda a minha vida: a história é oposição. A história nunca é situação e sempre vai questionar", explica o diretor. "Ela sempre vem revelar aquilo que está escondido, o que tentam sonegar", completa.
Para Aurélio, no entanto, há algo de muito mais valioso em poder assinar o longa. Em meio aos cenários do filme estão os cartazes com rostos de jovens desaparecidos na ditadura que são apenas histórias para muita gente, mas eram amigos e contemporâneos do diretor. Agora, ele tem a chance de tirar essas pessoas do esquecimento. "Recriar esse pedaço da nossa história para mim é um privilégio, porque pessoas que fazem parte da minha geração estão mortas e eu estou vivo", fala embargado em lágrimas o diretor.
Uma outra Brasília
A escolha por vir ao local em que a parte mais importante da trajetória de Honestino Guimarães se deu pela iniciativa de ambientar de forma mais precisa. As histórias do ex-presidente da UNE e de Brasília estão entranhadas, a segunda ponte que dá acesso ao Lago Sul hoje leva o nome Honestino Guimarães. Ou seja, para falar dele é preciso falar da capital.
Dessa forma, estar de volta à universidade em que todo o movimento ocorreu traz uma carga emocional para o filme. "Quando eu cheguei para gravar, batemos um papo. Nessa conversa eu consegui ver emoção no rosto, no coração e na alma do Aurélio. Isso está vivo, e passa para cena", afirma Gagliasso. "A gente pôde tomar café da manhã na praça Chico Mendes, enquanto fazíamos um filme sobre Honestino. Se isso não é poesia, o que é?", adiciona.
Entretanto, assim como no roteiro, retratar é parte, mas não é todo. Brasília é um cenário, mas antes uma cidade que Aurélio tem muito carinho e quer mudar o ponto de vista do brasileiro sobre. "É preciso trazer de volta, os princípios que nortearam a criação de Brasília. O país vivia de costas para o próprio patrimônio: a floresta e com os olhos para o litoral. Com a criação de Brasília, realizou-se o sonho do sertão virar mar e o mar virar sertão, para cá veio uma confluência de brasileiros de todas as latitudes e se criou uma mistura verdadeira do Brasil", analisa.
"A importância desse filme é também propagar a verdadeira Brasília, propagar este lugar e essas pessoas que estão aqui", exalta Gagliasso, que acredita muito que esse filme tem uma força de conscientização. "Não faz sentido se não for para mudar a minha vida e das pessoas. Arte é isso, é incomodar. Isso que eu procuro fazer com esse filme também", diz.
O movimento do filme é voltar ao passado para perceber o presente conquistar um futuro melhor. "Brasília fez e faz parte do processo das decisões do país e, recentemente, sofreu outra tentativa de golpe", lembra Nilson Rodrigues. " Ao resgatar essa memória do Honestino e as razões que o levaram a enfrentar a ditadura, nós vamos levar também para os tempos atuais", conclui o produtor.
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