
Um dos nomes mais importantes do cinema brasileiro, Vladimir Carvalho completaria 90 anos de idade na próxima sexta-feira (31/1). Guardião da memória do cinema nacional, o cineasta sonhava com a viabilização de uma Cinemateca de Brasília, a partir do acervo Cine Memória, uma coleção de 5 mil itens reunida e mantida por ele desde os anos 1970. O paraibano radicado em Brasília morreu algumas semanas após uma reunião otimista com Leandro Grass, presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), sobre os próximos passos do projeto.
Após a morte de Vladimir, o sonho da Cinemateca foi mantido vivo por pessoas próximas ao diretor e influentes da cena cultural local. Agora, a realização do projeto parece mais viável que nunca. "O primeiro passo para a gestão desse acervo é encontrar um local mais adequado, seguro e, acima de tudo, acessível à população. Nós estávamos justamente nesse momento da discussão sobre o modelo de gestão e do espaço para a mudança, quando Vladimir morreu", explica Grass.
Atualmente, os itens guardados durante décadas pelo cineasta encontram-se em uma casa na W3 Sul, entre jornais, revistas, fotografias, filmes, máquinas, câmeras e até mesmo a moviola usada por Glauber Rocha em Terra em transe. Todos os cômodos estão ocupados pelo acervo. De acordo com o presidente do Iphan, o Instituto busca agora encontrar o melhor local para receber o material.
"Estamos indo para essa etapa que ele tanto aguardava e que, inclusive, na nossa última reunião, nós havíamos pactuado e ele se mostrou muito feliz e satisfeitos por estarmos avançando", conta Leandro Grass. "Agora, a gente conclui, certamente nos próximos meses, para que definitivamente esse acervo seja tratado como merece e que Brasília tenha uma Cinemateca, uma referência cultural sobre o audiovisual", promete o presidente do Iphan.
A jornalista Márcia Zarur, uma das últimas pessoas a estar com Vladimir antes do infarto que acarretou na morte do cineasta, lembra a vontade do diretor de tornar o acervo público. "O maior sonho dele era que todas as pessoas pudessem ver o que ele reuniu nos últimos 50 anos em termos de materiais, documentos e fotografias, especialmente as gerações mais jovens que já nasceram com o digital e não tiveram contato com o analógico", relata.
"Eu acho que qualquer país do mundo estaria brigando para ter um acervo como este, e a gente tem a sorte de tê-lo aqui em Brasília. Até do ponto de vista turístico, ter uma Cinemateca montada com um material dessa magnitude é algo muito importante para a cidade", opina a jornalista. "É um presente que o Vladimir merece nesses 90 anos", acrescenta.
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A partir de sexta, o Cine Brasília celebra o que seriam os 90 anos de Vladimir Carvalho com uma programação especial que honra a memória de um dos principais nomes do cinema brasileiro. Até 5 de fevereiro, a sala que, desde dezembro, leva o nome do diretor recebe a mostra Homenagem a Vladimir Carvalho: Caçador de Raízes e Memórias. Ao longo da semana, serão exibidos dez títulos que marcaram a carreira do paraibano, de forma gratuita.
Dividida em cinco programas, a mostra busca promover um diálogo entre os filmes, criando uma imersão nos temas e contextos que os cercam. A sessão de abertura ocorre às 18h, com a exibição de Os romeiros da guia (1962), Quilombo (1975) e Pankararu de brejo dos padres (1977), seguida de um debate com Berê Bahia, Marcos de Sousa Mendes e Sérgio Moriconi, mediado por Igor Cerqueira.
Celebração
Para Moriconi, as comemorações em homenagem ao cineasta são fundamentais para lembrar a importância que ele teve para o cinema de Brasília. "O Vladimir chega em 1970 aqui em Brasília e cria a ABD Sessão DF, uma entidade política que lutava para criar condições para a produção. Era uma atividade política que lutava, por exemplo, para a criação de editais que dessem dinheiro para a produção de cinema aqui", relata Moriconi, professor e crítico de cinema.
- Leia também: Visão do Correio: Vladimir Carvalho e a posteridade
"Depois, ele lutou e criou o Ceprocine, uma entidade de produção que tinha equipamentos, muitos deles estão no Cinememória, que possibilitavam, de fato, fazer cinema nas três etapas", continua. "A realização e a edição dos filmes já poderiam ser feitas aqui em Brasília. Só isso já demonstra a importância dele nesses dois aspectos, tanto político quanto de produção propriamente dito", aponta Moriconi.
A partir do programa 2, realizado no domingo, as sessões começam às 20h, com os filmes Vila Boa de Goyaz (1974) e O engenho de Zé Lins (2007), que exploram o passado colonial e literário do país. No programa 3, na segunda, é a vez de Vestibular 70 (1970) e Rock Brasília – Era de ouro (2011), produções em que o cineasta retrata a luta por educação e a revolução cultural do rock na capital federal.
A bolandeira (1968) e O país de São Saruê (1971) compõem o programa 4, que narra a vida no sertão e a engenhosidade do homem. Fechando a mostra, o programa 5 exibe Cícero Dias, o compadre de Picasso (2016), contando a trajetória do renomado artista plástico brasileiro.
"O Vladimir era um aglutinador, que transitava por todas as gerações. Como ele era uma personalidade, um personagem nacional, isso servia para os jovens realizadores como uma referência absoluta. Ele tinha ainda a vantagem, apesar de documentarista, de ser também uma referência para aqueles que faziam ficção. Pela estatura dele, pelo nome dele e pela forma super amigável como ele tratava todas as pessoas que faziam cinema. Ele era, de fato, um farol para todas essas pessoas", finaliza Moriconi.
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Legado deixado pelo cineasta
"O acervo é importantíssimo. Vladimir fez o Cine Memória com o dinheiro dele e foi recolhendo, desde os anos 1970, tudo que era relevante sobre o cinema de Brasília. Então, você tem os aparelhos que editaram os primeiros filmes da cidade e um vasto material de documentos sobre o cinema local. Só isso já é uma coisa preciosa, porque é a memória do cinema de Brasília que está lá, ou em papel, ou em vários outros tipos de documentos, como cartazes de filmes e mais."
Sérgio Moriconi, professor e crítico de cinema
"Vladimir recebeu diversas propostas para levar o acervo do Cine Memória para o Rio de Janeiro e São Paulo, e não aceitou nenhuma delas, porque queria que esse material ficasse em Brasília. É um acervo que conta a história do cinema brasileiro, do cinema mundial e, principalmente, do cinema de Brasília. Ele tinha uma ligação muito grande com a cidade."
Márcia Zarur, jornalista
Programação no Cine Brasília
» Sexta (31/1), às 18h — Os romeiros da guia, Quilombo e Pankararu de brejo dos padres
Debate com Berê Bahia, Marcos de Souza Mendes e Sérgio Moriconi
» Domingo (2/2), às 20h — Vila Boa de Goyaz e O engenho de Zé Lins
» Segunda (3/2), às 20h — Vestibular 70 e Rock Brasília – Era de ouro
» Terça (4/2), às 20h — A bolandeira e O país de São Saruê
» Quarta (5/2), às 20h — Cícero Dias, o compadre de Picasso
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Homenagem na TV
Nesta sexta-feira, Vladimir Carvalho também será celebrado na televisão. A partir das 17h30, o Canal Brasil abre espaço na programação para relembrar a trajetória e as produções do cineasta que ficou marcado na história do cinema brasileiro. Serão exibidos os programas documentais sobre o diretor, como Retratos brasileiros: Vladimir Carvalho: Um olhar solidário, de Walter Carvalho; o Cinejornal: Vladimir Carvalho, apresentado por Simone Zuccolotto; a série Cineastas do real: Vladimir Carvalho, com Amir Labaki; e Quando a coisa vira outra, de Marcio de Andrade.
Às 20h, começa a maratona de exibição dos longas-metragens do cineasta: O país de São Saruê, Giocondo Dias – Ilustre clandestino e Rock Brasília – Era de Ouro.