
O mais recente lançamento do universo de Mauricio de Sousa, o filme Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa chega ao Prime Vídeo com título traduzido. O primeiro live-action do personagem interiorano causa rebuliço de brasileiros na internet depois de ganhar um novo nome em inglês, Chuck Billy and the Marvelous Guava Tree foi lançado no streaming no último sábado (22/3). A série de memes e discussões nas redes revelam as dificuldades da tradução na hora de fazer este intercâmbio cultural.
O sucesso dos quadrinhos da Turma da Mônica no cenário internacional não é novidade. Os amigos da personagem dentuça, conhecidos nos Estados Unidos como Monica's Gang, já resultaram em milhares de tiragens e, assim como no Brasil, têm introduzido diversas crianças no exterior ao hábito da leitura. Em entrevista ao Correio, o ator Augusto Madeira, que interpreta Dotô Agripino no filme, expressa sua alegria e a importância de ver projetos como este conquistarem o público internacional: “Me senti como um ator trabalhando em um filme da Marvel. É muito gratificante ver nossos projetos chegarem até lá, assim como os deles chegam até nós”. Ele acrescenta: “Adorei o nome que escolheram. Toda obra do Maurício ajudou muitas pessoas a aprenderem a ler e escrever; para muitos o primeiro contato para com a essência da nossa cultura foi através de personagens como o Chico. Conseguir levar um filme tão bem produzido para o exterior apenas reafirma a magnitude da obra dele.”
Já o diretor do filme, Fernando Fraiha conta como gosta do nome, apesar de entender as críticas: "Eu acho engraçado Chuck Billy - ele ri -, mas realmente a gente é muito colonizado, dá muita importância pro que os outros pensam de nós, como eles aceitam o filme”, diz .
Estrelado pelo talentoso ator mirim Isaac Amendoim, no papel de Chico Bento, e um elenco de peso que conta com Taís Araújo (Dona Goiabeira), Débora Falabella (professora Marocas) e Augusto Madeira, entre outros, a narrativa conseguiu ganhar a força necessária para cativar o público. A adaptação do quadrinho sob a direção sensível de Fernando Fraiha transforma uma simples história de um menininho que se manifesta contra a derrubada de uma goiabeira em um filme divertido e crítico, que aborda de forma incisiva o desmatamento promovido pelo capital. As entrelinhas da trama, que exploram a sabedoria da natureza em contraste com a ganância financeira, são habilmente capturadas pelas lentes de Fraiha. Ele retrata o tema de maneira doce e envolvente, convidando o espectador a refletir sobre a importância da preservação ambiental e o valor das tradições.
“Escrever um roteiro com uma história humana, com mensagem e não cair em algo moralista. Preparar os atores mirins para terem o texto de cor do roteiro e não ficarem engessados. Eu não diria dificuldades, mas meus maiores desafios”, diz Fraiha sobre os processos de adaptação entre as duas linguagens .
No entanto, uma parte do público manifestou resistência à mudança de nomes. Filmes como Homem-Aranha mantêm o nome do par romântico do super-herói conforme utilizado nos países anglo-saxões, pois Mary Jane não se transforma em Maria, e até mesmo o icônico Chucky (o brinquedo assassino) não é denominado de Chico em território brasileiro. Os fãs defendem que Chico Bento não deveria ser conhecido por outro nome em terras estrangeiras. Apesar disso, o filme já atraiu mais de 1 milhão de espectadores aos cinemas e, com o crescimento das plataformas de streaming, deverá alcançar uma audiência ainda mais ampla.
O cineasta Fernando Meirelles discute, em uma mesa redonda para o The Hollywood Reporter, a razão pela qual ele ocasionalmente produz obras em português. "Eu gosto de dirigir em português. Eu compreendo inglês, mas não sinto em inglês. Por exemplo, a expressão 'mango tree' é apenas uma árvore; na minha língua, 'mangueira' remete à minha mãe e à minha avó", afirma.
A necessidade de manter o nome original está relacionada à compreensão da identidade do personagem. Gabriel Ponomarenko, tradutor especializado em serviços de streaming e com 10 anos de experiência no setor, analisa essas duas perspectivas. Um exemplo disso ocorreu quando a série Wednesday chegou ao Brasil, reavivando a indignação de fãs que não concordavam com a versão do nome em português, Wandinha.
Muitos admiradores da Família Addams desconheciam o poema que inspirou o nome da personagem até o lançamento da última temporada na Netflix. O apreço por um personagem está ligado ao vínculo afetivo da audiência, que, em diversas ocasiões, pode se esquecer da acessibilidade necessária ao distribuir esses produtos em outros países. "Em geral, ao traduzirmos de outras línguas para o português brasileiro, só traduzimos nomes ou apelidos que carregam um significado adicional que precisa fazer sentido no contexto da obra. Por isso, as emoções em Divertidamente, por exemplo, que são personagens, têm seus nomes traduzidos ou adaptados", ressalta.
O tradutor explica que a lógica por trás da troca de nomes para o público internacional, considerando o afeto cultural dos brasileiros, envolve diversos fatores. "O filme é voltado para o público infantil, portanto, a distribuição internacional precisa focar nas crianças que falam inglês como língua nativa. Assim como Chico e Bento são nomes comuns no Brasil, Chuck e Billy são nomes familiares para nativos. Isso toca a memória afetiva das pessoas, utilizando nomes que já conhecem, o que pode despertar um maior interesse pela obra", destaca. No entanto, o tradutor ressalta que cada caso deve ser analisado individualmente.