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Diferentemente de Aldeíde, Karine Teles passa longe de ser monocromática

Camaleônica e versátil, a atriz, roteirista e cineasta Karine Teles fala sobre a personagem de "Vale tudo" e relembra papéis marcantes da carreira no audiovisual, como os dois outros remakes que participou e os filmes premiados que traz no currículo

Karine Teles, atriz -  (crédito: Maria Magalhães )
Karine Teles, atriz - (crédito: Maria Magalhães )

Inquieta por natureza, Karine Teles costura sua trajetória com o mesmo cuidado de quem revisita memórias antigas: alinhava, rasga, refaz. E, enquanto reconstrói, oferece ao público algo que vai além do espetáculo: provoca encontro. No ar como a divertida Aldeíde no remake de Vale tudo — papel que marcou a carreira da veterana Lilia Cabral em 1988 —, a atriz, roteirista e cineasta tem a alegria da ex-secretária executiva que se torna uma viúva rica e extravagante. Mas, ao contrário dos looks da personagem, está longe de ser monocromática.

Karine nasceu em Petrópolis, viveu em Maceió (AL), mas foi na Unirio, no Rio de Janeiro, que fez do palco seu primeiro lar. Atuou em diversos espetáculos teatrais, estreou no cinema no aclamado Madame Satã, até o trabalho que, em 2010, a projetou de vez: Riscado. Com tons profissionais diversos, além de protagonizar, Karine escreveu o roteiro inspirado na própria vida. E foi premiada por isso. 

De lá para cá, investiu pesado no audiovisual: no cinema, foi a socialite Bárbara em Que horas ela volta?, a Ângela do polêmico Fala comigo, a mãe em desassossego de Benzinho, a forasteira bandida de Bacurau; na televisão, encarnou Gilda na série homônima do Canal Brasil, a Sumara Mitta na novela A regra do jogo e a Regina de Malhação— Toda forma de amor. Até que ganhou o Brasil de forma massiva ao viver Madeleine no remake de Pantanal, em 2022, e conquistar a primeira protagonista de novela, em Elas por elas, outra releitura de um clássico, em 2023. Todos papéis que, como ela mesma define, são também veículos de conversa — e, sobretudo, de transformação.

"Essa é uma das partes mais instigantes e interessantes do meu trabalho. Quando eu posso emprestar meu ofício, meu trabalho, minha voz e meu corpo para trabalhos que promovam discussões. Eu sou uma crente fervorosa no poder da arte como ferramenta de transformação individual, social e moral", diz ao Correio a artista de 46 anos, que, nas últimas três personas que encarnou, surgiu loira platinada, morena e ruiva.

Para Karine, não se trata apenas de interpretar. É ação, dar forma e voz a temas que, muitas vezes, doem: assédio moral, assexualidade, bebê reborn, solidão — temas que atravessam a personagem Aldeíde no trabalho atual. "Mesmo quando as discussões não estão na frente do trabalho, o que a gente vê, escuta, lê, acaba fazendo parte da nossa formação", explica.

Trabalho coletivo

Para chegar a essas camadas, pesquisa e escuta são indispensáveis. "Cada trabalho me exige um tipo de pesquisa e cada trabalho tem um tempo específico também, mas eu procuro sempre me informar em fontes confiáveis de informação. Tudo é uma colaboração, a gente não está sozinho em nada disso. Eu sou uma das peças da engrenagem, da construção de um trabalho artístico", explica Karine, colocando-se — e diluindo-se — no coletivo.

Há quem imagine que a carga de temas tão espinhosos precise de alívio. O humor, para ela, é essa fresta de respiro. Mas não um riso gratuito. "O humor também é uma ferramenta excelente de reflexão. A gente ri, ri, ri, mas acaba pensando sobre as coisas das quais a gente está rindo. Por isso é tão importante que o humor seja feito com responsabilidade. Não é qualquer piada que tem graça", reflete.

No ar, a personagem Aldeíde promete reviravoltas. Karine sorri, como quem não entrega o jogo. "Ela é cheia de camadas e de reviravoltas. Estou torcendo que as pessoas embarquem nesta nova onda. Agora vem uma sucessão de ondas, vem muitas coisas novas por aí", desconversa.

E quando a maré é revisitar histórias antigas, Karine navega com a segurança de quem conhece o ofício. Emendando o terceiro remake seguido na tevê, a atriz compreende que essas produções não são somente repetições — são revisitas, quase um rito de reinvenção. "Os remakes são importantes, a gente precisa revisitar as histórias da nossa própria vida. Às vezes, passa um tempo, a gente lembra de alguma coisa que aconteceu muitos anos atrás, e você entende aquilo de uma outra maneira. Refazer histórias importantes, interessantes e poderosas não só é válido, como é necessário", defende.

Foi assim também quando deu vida a Lolita Rodrigues na série Hebe. "Minha avó Maria, a mãe da minha mãe, que faleceu há muitos anos, era muito fã da Hebe e eu assistia com ela. A Lolita estava conectada a Hebe, de muitas formas. Aquela entrevista delas três (Hebe, Loita e Nair Bello) no Jô, uma coisa que eu já tinha assistido várias vezes, achava interessantíssima. E a série e o filme têm uma abordagem muito mais das dinâmicas de relação entre as personagens, de energias, do que uma pretensão de reprodução das pessoas ou dos fatos", relembra.

Talento nacional

Nos marcos do cinema brasileiro, Karine se orgulha de ter fincado bandeira. De Que horas ela volta? a A vilã das nove, passando por Benzinho e Bacurau, segue acreditando que o talento nacional faz milagre. "Eu acho que a gente faz milagre. Eu acho que a gente é tão talentoso e tão competente que a gente consegue chegar em lugares dos mais almejados nas carreiras de quem faz cinema por conta da nossa capacidade e da nossa qualidade", disserta.

No filme mais recente, A vilã das nove, Karine foi protagonista e não deixa de reparar na coincidência de ter gravado o longa e, logo na sequência, ser confirmada no elenco da novela que traz a vilã mais icônica do horário nobre da televisão brasileira: Odete Roitman. "Eu fiz até uma foto com a Débora Bloch no dia da estreia da novela brincando. É uma dessas coincidências divertidas do trabalho e fiquei muito feliz com isso", conta, aos risos, e sem negar uma vontade de que sua Aldeíde seja a assassina da "vilã das vilãs" nesta versão. "Por que não?" 

E se entre vilãs e heroínas, palcos, sets e estúdios, sobra pouco espaço para descanso, Karine deseja um futuro mais tranquilo — ainda que não totalmente imóvel. "O sonho da CLT, eu não vejo nada errado em ser CLT, acho o máximo, adoraria poder ser também ou ter alguma segurança trabalhística. A gente tem cada vez menos e perdendo coisas que a gente já tinha alcançado em algum momento. Eu espero que nunca me falte trabalho, é isso que eu desejo para a minha carreira."

Karine Teles, atriz
Karine Teles, atriz (foto: Maria Magalhães )

Entrevista | Karine Teles

Aldeíde está no centro de alguns temas delicados da trama, como assédio moral, assexualidade e bebês reborn na novela. Como é para você enquanto atriz falar desses temas que levantam discussões e debates?

Essa é uma das partes mais instigantes e interessantes do meu trabalho. Quando eu posso emprestar meu ofício, meu trabalho, minha voz e meu corpo para trabalhos que promovam discussões. Eu sou uma crente fervorosa no poder da arte como ferramenta de transformação individual, social e moral. A arte é muito poderosa nesse aspecto e mesmo quando as discussões não estão na frente do trabalho, o que a gente vê, escuta, lê, ouve e interage acaba fazendo parte da nossa formação e altera, modifica e acolhe os nossos medos, faz a gente se sentir menos sozinho, faz a gente se tocar de atitudes que possa estar tendo, que pessoas possam estar tendo com a gente. É uma forma muito eficiente de ação. Arte é ação.

Qual é o seu processo de pesquisa e preparação para lidar com esses temas de forma autêntica?

Cada trabalho me exige um tipo de pesquisa e cada trabalho tem um tempo específico também, mas eu procuro sempre me informar em fontes confiáveis de informação, procuro escutar pessoas que sabem do assunto, procurar matérias, reportagens, ler e a partir disso contribuir com o que me foi apresentado por quem escreveu e por quem dirige. Tudo é uma colaboração, a gente não está sozinho em nada disso. Eu sou uma das peças da engrenagem, da construção de um trabalho artístico. Eu tento contribuir da melhor forma possível para a discussão.

O humor pode aliviar o peso e ainda conscientizando?

O humor é uma habilidade muito impressionante de nós humanos, né? A gente olhar para o nosso ridículo, para o nosso patético, para as nossas falhas, para as nossas arrogâncias, incompetências, e talvez o humor alivie o fato de a gente perceber que não é só a gente. Que errar, ser enganado, ser bobo, qualquer coisa que o humor possa retratar não acontece só com a gente, acontece com outras pessoas também. O humor também é uma ferramenta excelente de reflexão. A gente ri, ri, ri, mas acaba pensando sobre as coisas das quais a gente está rindo. Por isso é tão importante que o humor seja feito com responsabilidade. Não é qualquer piada que tem graça.

De que forma você acha que o público vai receber a virada da sua personagem nas próximas semanas?

Ah, eu não sei, vamos ver o que as pessoas vão pensar. A Aldeíde é uma personagem interessante, cheia de camadas e de reviravoltas e tô torcendo que as pessoas embarquem nessa nova onda aí com ela. Nessas novas ondas na verdade, agora vem uma sucessão de ondas, vem muitas coisas novas por aí.

Como é trabalhar em seu terceiro remake? Você sente que há uma pressão adicional para corresponder às expectativas? Você acha que os remakes são uma oportunidade para reimaginar histórias clássicas?

Eu sou uma pessoa formada em teatro. Estudei teatro, fiz muito teatro na minha vida e o teatro vive de remakes. A gente remonta e remonta textos e clássicos o tempo inteiro, uma coisa que é um pouco menos comum na televisão, mas é muito comum no cinema também. Por conta disso, o fato de ser um remake não adiciona uma camada extra de pressão, pra mim a pressão é a pressão de todos os trabalhos. É a pressão de estar bem para conseguir fazer o meu trabalho inteiro da melhor maneira possível, para contribuir da melhor maneira possível para a engrenagem que está sendo construída. Os remakes são importantes, a gente precisa revisitar as nossas histórias da nossa própria vida. Às vezes passa um tempo, a gente lembra de alguma coisa que aconteceu muitos anos atrás e você entende aquilo de uma outra maneira. Um filme que você assistiu quando era criança, você assiste de novo agora, você vai entender várias outras coisas que antes você não tinha entendido, outras coisas vão te chamar a atenção. Refazer histórias importantes, interessantes e poderosas não só é válido como é necessário.

Além dos remakes, você deu vida a Lolita Rodrigues em Hebe. Qual era sua referência de Hebe até então e como foi o processo de composição da personagem, que ainda era viva?

A Lolita Rodrigues foi uma alegria fazer. Quando me convidaram, mesmo antes de eu conversar com o Mauricio Farias, que foi o diretor, eu já topei, já queria fazer. Minha avó Maria, a mãe da minha mãe, que já faleceu há muitos anos, era muito fã da Hebe e eu assistia a Hebe com ela. A Lolita estava conectada à Hebe, de muitas formas. Aquela entrevista delas três no Jô, uma coisa que eu já tinha assistido várias vezes, achava interessantíssima. E a série e o filme têm uma abordagem muito mais das dinâmicas de relação entre as personagens, de energias, do que uma pretensão de reprodução das pessoas ou dos fatos. Eu achei muito interessante. Então eu, obviamente, assisti tudo que eu consegui de material filmado, e me baseei nesses recortes. A Lolita, na época, não morava no Rio, e eu não falei com ela. Não achei que seria necessário falar com ela, porque a ideia era construir uma figura que ocupasse o lugar de amiga, de confidente, e muito mais do que tentar imitar ou ser como ela era na vida e foi um trabalho que eu adorei fazer.

Como você se sente ao fazer parte de projetos como Bacurau e Que horas ela volta?, que são considerados marcos para o cinema brasileiro? Você acredita que o cinema brasileiro está passando por um boom?

Realmente, Bacurau e Que horas ela volta? são dois marcos na história do nosso cinema e eu fico muito feliz de ter participado desses dois trabalhos. Os dois levantam discussões importantes e interessantes, são filmes de cinema interessantes. Trabalhei com pessoas com muita história, no audiovisual, enfim, são trabalhos que me alegram muito de ter tido oportunidade de estar e com os quais eu aprendi bastante. Eu acho que o cinema brasileiro sempre teve muita qualidade, acho que a gente tem muitos talentos, muita criatividade, um cinema diverso e rico que, para além dos grandes centros, tem muita gente talentosa também. Fazendo e acontecendo. Eu não acho que a gente esteja passando por um boom não. Eu acho que a gente faz milagre. Eu acho que a gente é tão talentoso e tão competente que a gente consegue chegar em lugares dos mais almejados nas carreiras de quem faz cinema por conta da nossa capacidade e da nossa qualidade. Eu acho que a gente tem sim a capacidade de criar um boom, de criar uma indústria produtiva que gera impostos, empregos e orgulho para o nosso país. Eu acho que esses filmes maravilhosos que têm chegado em grandes lugares, grandes festivais, são só uma pequena amostra do que a gente é capaz de fazer. A gente precisa sim de mais investimento, a gente precisa de mais formação de público, a gente precisa sim de que o país entenda que a indústria audiovisual é uma indústria muito potente e que pode acontecer pelo país todo. Ela pode gerar muitos empregos, já gera uma renda absurda, já gera muitos postos de trabalho e a gente pode ir muito além.

Você atuou no filme A vilã das nove e está na novela da maior vilã das novelas. Como se sente?

Eu adorei fazer o filme A vilã das nove, acho um roteiro muito inteligente, muito interessante, foi muito divertido e logo depois eu fiquei sabendo que eu faria Vale tudo e estaria num trabalho onde a gente tem a vilã das vilãs. Eu fiz até uma foto com a Débora (Bloch) no dia da estreia da novela brincando. É uma dessas coincidências divertidas do trabalho e fiquei muito feliz com isso.

Como você equilibra o trabalho em teatro, cinema e TV. Quais são os desafios e as recompensas de cada um? O que você ainda espera para a sua carreira?

Eu espero que a minha carreira evolua um pouco mais para que quem sabe eu tenha um pouco de tranquilidade, de não ter que ficar tão ansiosa e tão sempre esperando qual vai ser o próximo trabalho, sabe? Quem sabe um dia isso acontece, chegar num momento em que eu realmente possa apenas me dar ao luxo de escolher o que eu quero fazer e me dedicar a isso. Eu sou uma atriz que sou apaixonada pelo que eu faço, então qualquer coisa que eu aceite fazer para mim naquele momento é a melhor coisa que eu posso fazer, é o meu trabalho mais adorado, eu vou me dedicar 100% a tudo. Porque senão não faz nenhum sentido, mas eu adoraria chegar num ponto, em que eu pudesse, se tivesse um pouco de paz, planejar férias, esse tipo de coisa. O sonho da CLT, eu não vejo nada errado em ser CLT, acho o máximo, adoraria poder ser também ou ter alguma segurança trabalhística. A gente tem cada vez menos e perdendo coisas que a gente já tinha alcançado em algum momento. Eu espero que nunca me falte trabalho, é isso que eu desejo para a minha carreira.

  • Caracterizada como Lolita Rodrigues, em Hebe
    Caracterizada como Lolita Rodrigues, em Hebe Divulgação
  • O look monocromático é marca registrada de Aldeíde
    O look monocromático é marca registrada de Aldeíde Globo/Divulgação
  • Carol, em Elas por Elas, era uma cientista nerd e solteirona
    Carol, em Elas por Elas, era uma cientista nerd e solteirona Globo/Divulgação
  • Como a Madeleine de Pantanal, conquistou o Brasil profundo
    Como a Madeleine de Pantanal, conquistou o Brasil profundo Divulgação/TV Globo/João Miguel Júnior

 

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postado em 03/08/2025 07:00
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