TELEVISÃO

"Fui agraciado e salvo pela arte", afirma Ítalo Martins, de "Guerreiros do Sol"

Do sonho de ser astrônomo ao resgate pela arte, o ator Ítalo Martins pondera sobre a trajetória do menino criado no pó do Agreste ao estrelato no audiovisual. O pernambucano de 35 anos está no ar em destaque na novela original do Globoplay,

Ítalo Martins, ator -  (crédito: Rael Barja)
Ítalo Martins, ator - (crédito: Rael Barja)

Natural de Caruaru (PE), o ator Ítalo Martins, de 35 anos, carrega consigo a marca de uma trajetória de superação e talento. Em cartaz no Globoplay na novela Guerreiros do Sol, onde interpreta o cangaceiro Milagre, um dos papeis principais da trama, ele também chama atenção nos cinemas com os filmes Homem com H, de Esmir Filho, disponível nos cinemas e no streaming, e O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, produção protagonizada por Wagner Moura que percorre festivais pelo mundo.

Criado em um bairro periférico de Caruaru, Ítalo cresceu em meio à violência. "Muitos amigos e vizinhos da época morreram ou foram presos", relembra. Aos 10 anos, no entanto, descobriu no teatro um refúgio. "Pernambuco e o Agreste são berços de grandes artistas. Sinto como se a arte tivesse me escolhido", reflete o artista. "Não sei explicar com clareza como o agreste me influenciou nesta carreira. Tem coisas que são inexplicáveis. Sei dizer apenas que fui agraciado e salvo pela arte".

Apaixonado pelo céu, pelas estrelas e por todos os fenômenos que os envolvem, o pequeno Ítalo queria ser astrônomo. Foi seu primeiro sonho, mas teve um fato determinante em sua vida. Aos 11 anos, perdeu o pai, assassinado brutalmente. "Aos 13, tive uma crise depressiva. Eu precisava fazer algo que me alimentasse o espírito de vida e foi no teatro que eu encontrei esse alimento", conta ele, que iniciou em cursos gratuitos e nunca mais parou.

Violência e paixão

Seu primeiro grande impacto na TV foi como Samuel, em Terra e paixão (2023, na Globo), de Walcyr Carrasco. Mesmo morto no primeiro capítulo, a história do personagem ecoou na novela das 21h. "Ele me abriu um portal", diz. Nesse trabalho, uma forte coincidência. "O assassinato de Samuel em casa, meu pai morreu a uma quadra de minha casa, deixando filho pequeno, como meu pai também deixou...Meu pai foi morto aos 33 anos. Quando fiz Samuel, eu tinha 33 anos. Eu cresci achando que não viveria mais do que 33 anos. Muitos amigos que perderam entes queridos quando crianças cresceram com essa mesma crença e sensação. Então, imagina que eu estava muito à flor da pele na época. Concluo dizendo que foi importante morrer para só assim renascer mais vivo, depois", relata.

Marido da protagonista da história, Aline (Bárbara Reis), Samuel foi morto por resistir ao sistema opressor. À época, a comparação com Marielle Franco surgiu naturalmente: "Morrer pelo povo é algo digno de santidade. Samuel morreu por sua família, assim como Marielle pelo seu ideal".

Agora, em Guerreiros do Sol, Ítalo vive Milagre, um cangaceiro complexo. "Representa maturidade e validação à minha carreira. Milagre me trouxe sobriedade, uma identidade e uma certa segurança de entender que um personagem nunca está pronto por completo", analisa. 

Na série Cangaço novo 2, Ítalo interpreta Zé Maria, um pistoleiro sem remorso. "Enquanto Milagre, homem bom, mata e morre por amor a sua família, Zé Maria mata por prazer", compara, reconhecendo que a série do Prime foi outro presente: "Resultado desses bons caminhos que venho trilhando".

Ser intérprete de personagens envoltos em um clima de violência e paixão, para o ator, é exorcizante. "Quando penso em violência e penso em paixão, eu lembro da vida que criamos aqui na Terra. Eu ligo a tevê eu vejo violência e vejo paixão. Eu olho minhas redes sociais eu vejo violência e paixão. Eu sonho com violência e com paixão. Eu sou violento e apaixonante. Isso é a vida! Viver um personagem com estas características não é difícil. Difícil é estar a cada segundo consciente disto. Que bom que meus personagens me permitem ser e viver isso em cena. Me sinto exorcizado".

Lutas e vitórias

Ítalo celebra o momento do audiovisual nacional, citando sucessos como Ainda estou aqui e as produções das quais participa. "Ainda estou aqui é prova de força e resistência e coragem de falar de um momento em nosso país de muito caos também. Eu acredito muito no poder do povo brasileiro… e, depois de tanta resistência artística, em algum momento todos esses esforços seriam recompensados. Acho que esse momento começou a chegar. Começamos a nos reconhecer como bons fazedores de cinema. O jogo virou e a maré está ao nosso favor… Olha quanta coisa boa só neste ano. É muito lindo ver essa engrenagem girar a nosso favor, finalmente. E acreditem, tem muito mais coisas boas por vir", pondera o capricorniano.

O artista acredita no poder do povo brasileiro e que, depois de tanta resistência artística, em algum momento, todos esses esforços seriam recompensados. "Acho que esse momento começou a chegar. Começamos a nos reconhecer como bons fazedores de cinema. O jogo virou e a maré está ao nosso favor…", celebra Ítalo, que, atualmente, dá início às filmagens do longa metragem A margem do rio, com roteiro e direção de Enock Carvalho e Matheus Farias. No longa, ele interpreta o personagem Jeremias e comemora: "Meu primeiro personagem gay no cinema".

Aos poucos, corpos negros e sotaques nordestinos ganham espaço, mas Ítalo cobra mais. "Era inconcebível que, em um país como o nosso, com tantos artistas negros, nordestinos, a oportunidade não nos fosse dada. Me alegro com o fato de finalmente mais artistas negros e nordestinos terem espaço em teledramaturgias, atuarem em papéis de destaque, mas exijo que isso se concretize também no bolso", desabafa.

E o futuro? "Estamos trabalhando para voltar a uma novela em breve. A Globo é minha parceira", finaliza, otimista.

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postado em 01/08/2025 08:00
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