
Primeiro veio Climério. Aos 18 anos, ele desembarcou em Brasília e foi morar na então Cidade Livre. Mais tarde, começou a cursar Comunicação na Universidade de Brasília (UnB). Em seguida veio Clésio, com 17, também mirando a universidade criada por Darcy Ribeiro sob moldes utópicos. Por último, o resto da família, o menino Clodo, com 13, os pais, Matias e Alice, e as irmãs. Trocaram o Piauí pela recém-inaugurada capital em um vislumbre de melhora de vida e de perspectivas. Mas a trindade musical dos irmãos Ferreira, que fizeram de Brasília um lar, da UnB uma referência e da composição musical e da poesia um norte, já estava formada. Na rua São João, em Teresina, todos tocavam violão. Inclusive, Torquato Neto, com quem Climério jogava mais bola do que dedilhava cordas. É nesse ponto que tem início Clodo, Climério e Clésio: a profissão do sonho, a biografia dos três irmãos organizada por Dea Barbosa e escrita por Severino Francisco.
O projeto começou como uma pesquisa de Dea, amiga dos irmãos e espectadora da trajetória que colocou os três no mapa da música brasileira com canções, como Revelação, de Clodo e Clésio, gravada por Fagner, e Enquanto engoma a calça, de Climério e Ednardo, que fez sucesso na voz de Ednardo. Dea inscreveu o projeto no Fundo de Apoio à Cultura (FAC) com a intenção de fazer apenas a pesquisa biográfica, mas o trabalho tomou uma extensão maior e virou um livro, que será lançado na terça-feira, às 19h, no Beirute da Asa Sul. "Eu sabia que tinha um trabalho muito bom e eu queria trazer isso, mostrar. Todo mundo falava que Brasília era só rock, mas eu via que tinha esses três meninos fazendo sucesso", conta Déa. "Revelação foi um sucesso estrondoso na voz do Fagner. Eu sabia de tudo que estava acontecendo. Acompanhei essas histórias todas."
Severino Francisco, sub-editor do Diversão&Arte, do Correio Braziliense, assumiu então a missão de escrever a biografia do trio. "Eu os vejo assim como índios yanomamis, índios da paz, da festa, da felicidade", explica o jornalista e cronista. São, ele diz, personagens da "resistência pacífica", com cinco álbuns gravados na condição de trio e mais de 20 composições de sucesso, registradas por algumas das vozes mais importantes da música brasileira, como Fagner, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, MPB 4, Fafá de Belém, Elba Ramalho, Dominguinhos e Mastruz com Leite. "Como você define a importância de um compositor? Eu acho que, se você tem uma lista de 20 canções muito boas, então é um compositor muito relevante. E isso eles fizeram: inscreveram o nome deles na moderna música brasileira ", garante.
Assista à entrevista com Climério Ferreira:
No entanto, a verve antimercado e anticelebridade mascarou a importância dos irmãos. A intenção de Clodo, Climério e Clésio: a profissão do sonho é homenagear, mas também registrar a trajetória dos Ferreira. É, segundo Severino, uma história que não estava contada. "Eram personagens em busca de um autor. Eles são um caso muito singular, porque não constituíram uma carreira dentro do mercado, mas têm canções que estão entre as mais tocadas e cantadas", diz.
No livro, o jornalista faz questão de destrinchar as personalidades de cada um dos irmãos. Para isso, contou com a ajuda, sobretudo, de Climério e Clodo, morto em julho de 2024. Durante a pesquisa, Dea Barbosa também teve ajuda de Lia, filha do Clésio, que morreu em 2010. "Clodo era um intelectual público, participou de ações educativas na política interna da UnB e na Secretaria de Educação do DF", conta Severino. "Embora fosse o que mais gostasse da rua, pois frequentava os bares e foi um dos criadores do bloco de frevo Galinho de Brasília, Clésio era silencioso, misterioso, afetuoso e secreto. Um amigo o definiu como um nordestino movido à bondade e à poesia. E Climério é um habitante do silêncio, recluso, mas que abre uma janela para o mundo no Facebook." Assumidamente mais poeta do que músico, Climério publica um poema por dia na rede social. "Ele poderia fazer uma estrada de Brasília a Angical, onde nasceu, só com os poemas que escreveu. Ele é o nosso Buda candango, Buda do Piauí, Buda da Asa Norte", define Severino.
Para o livro, Dea e Severino entrevistaram alguns dos parceiros mais importantes dos irmãos, os que ajudaram a tornar as composições verdadeiros sucessos. Estão lá depoimentos de Fagner, Ednardo, Fernanda Takai, Roger Rogério, Teti e Anapolino, guitarrista criador do grupo Matuskela, que acompanhou Clodo no Festival da Canção Jovem do Ceub de 1972, no qual seria premiado com a canção Placa luminosa, e conheceria Fagner, presidente do júri de premiação.
Entre as descobertas feitas durante a pesquisa, estão um poema escrito por Climério para uma exposição sobre poesia brasileira e francesa em Paris, realizada no ateliê do pintor Vicente do Rego Monteiro. O poema foi, originalmente, publicado nas páginas do Correio Braziliense, graças ao poeta e professor Cassiano Nunes. Há também uma letra de Clodo sobre Brasília. Além de Rua São João, sobre o lugar onde se iniciaram na música, em Teresina, também de Clodo, que nunca chegou a ser gravada.
Há, ainda, o foco em produções menos conhecidas, como a canção Conterrâneos, com letra de Climério e melodia de Clésio e Clodo, uma homenagem ao cineasta Vladimir Carvalho, que assina o prefácio do livro. "Na minha opinião, essa é uma das mais belas e pungentes canções sobre migrantes no Brasil. E olha que estamos falando de uma tradição que tem Luiz Gonzaga, João do Vale, Patativa do Assaré e Humberto Teixeira", repara Severino.
Outro objetivo do livro é mostrar a relevância da produção poética dos irmãos. "Nesse sentido, eu realmente tentei narrar a história com a poesia deles, não só para ilustrar, mas para mostrar a força dessa poesia. Eles têm uma produção muito vasta", diz o jornalista.
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte
Diversão e Arte