
Sob o tema Paisagens Radicais, a 5ª edição do Cinema Urbana - Mostra Internacional de Cinema de Arquitetura chega a Brasília dos dias 13 a 17 de agosto, no Espaço Cultural Renato Russo. Serão exibidos 48 filmes, entre curtas e longas, de diferentes gêneros e produzidos ao redor do mundo, com sessões especiais e para crianças. A abertura será no Cinesystem Caixa do Casa Park, com a exibição do premiado filme do russo Viktor Kossaqkosvsky, Architecton.
As obras cinematográficas colocam em foco a arquitetura e as cidades — com toda sua complexidade — como protagonistas de uma reflexão sobre futuro e sustentabilidade. Os temas também provocam o debate sobre como arquitetos e urbanistas podem construir espaços resilientes, acessíveis, seguros e dignos para toda a população.
Além das exibições, a programação também terá oficinas, palestras, lançamentos de livros, meditações e a mostra competitiva, que concede os prêmios de Melhor Filme Júri Oficial, Melhor Filme Júri Popular e o 3º Prêmio Athos Bulcão de Melhor Filme de Brasília. Todas as atividades são gratuitas, e os ingressos podem ser adquiridos no site da Sympla.
A curadoria tem a assinatura da diretora geral da Mostra, a arquiteta, urbanista e pesquisadora Liz Sandoval, que conversou com o Correio Braziliense sobre a relevância da mostra, como as inovações da arquitetura podem contribuir para mitigar os efeitos das mudanças climáticas e como todos os cidadãos devem se envolver com essas questões sobre a sobrevivência nas cidades em tempos de aquecimento global.
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Como está organizada a mostra Cinema Urbana?
A Mostra Cinema Urbana apresenta uma seleção de filmes nacionais e internacionais que abordam a arquitetura e o urbanismo, mas também a paisagem como conceito chave — que acolhe não somente aquilo que avistamos diariamente, mas também como agimos e o que sentimos neste ambiente. Ao lançar o tema Paisagens Radicais, buscamos apresentar a dualidade entre, por um lado, as consequências das mudanças climáticas, das guerras e da urbanização acelerada em nossas cidades e paisagens; e, por outro, a busca por nossas raízes, por saberes e tecnologias ancestrais que nos reconectam com a natureza.
Nesta edição, será possível ver paisagens de diversos lugares do mundo, e até a paisagem íntima e doméstica de interiores de casas e apartamentos, que também dialogam com essa temática.
Para a senhora, como a arquitetura e o cinema podem contribuir para o debate sobre as soluções para os problemas das mudanças climáticas?
Acredito que a arquitetura ocupa uma posição ambígua nesse debate: é, ao mesmo tempo, vilã e fonte de soluções. O impacto da construção civil e da urbanização sobre o meio ambiente é profundo — desde a emissão de gases até o consumo excessivo de recursos naturais. Mas é também por meio da arquitetura que podemos repensar nossas formas de habitar, construir e ocupar o território de maneira mais consciente e sustentável.
Quanto ao cinema, a principal contribuição está na fabulação de novos imaginários, no registro documental e na capacidade de denúncia. Ele nos permite visualizar futuros possíveis, dar voz a experiências invisibilizadas e provocar reflexões profundas. Ao unir essas duas linguagens, conseguimos construir narrativas críticas que revelam práticas sustentáveis, denunciam desigualdades e propõem alternativas. Os filmes selecionados mostram que pensar o espaço é também pensar no futuro — e que soluções arquitetônicas podem ser parte fundamental da resposta à crise ambiental.
Que tipo de problemas de infraestrutura ainda vão surgir e que soluções a arquitetura pode apresentar?
Com o avanço das mudanças climáticas, é provável que enfrentemos uma intensificação de problemas como escassez de recursos naturais, aumento de eventos extremos, deslocamentos populacionais e sobrecarga dos sistemas urbanos. Esses desafios exigem uma revisão profunda das formas como projetamos e construímos nossas cidades.
A arquitetura pode contribuir com soluções que vão além da escala técnica e alcançam o campo social e cultural. As soluções comunitárias de baixo impacto, que envolvem participação local, uso de materiais acessíveis e práticas sustentáveis, são fundamentais. Essa abordagem reduz o consumo de recursos, valoriza o patrimônio construído e promove uma ocupação mais consciente do território.
A Mostra apresenta exemplos concretos dessas abordagens, mostrando que é possível pensar uma infraestrutura que não apenas resista, mas que regenere os territórios em que se insere.
Brasília enfrenta diversos problemas arquitetônicos e ambientais. Qual obra cinematográfica pode ajudar a solucionar as questões apresentadas?
Brasília, com sua singularidade urbanística e simbólica, inspira diversas obras cinematográficas que exploram tanto seu projeto modernista quanto os desafios atuais, como a segregação espacial, a mobilidade limitada e a relação frágil com o Cerrado. A cidade foi concebida com princípios urbanísticos importantes, como a valorização das áreas verdes e a promoção da mobilidade, que, embora presentes em sua origem, hoje precisam ser resgatados e adaptados às demandas contemporâneas.
Ainda assim, permanece a sensação de que Brasília vive seu paradoxo. A cidade é frequentemente envolvida por uma visão dicotômica que separa e opõe seus espaços, alimentando um ciclo contínuo de críticas. A desigualdade na ocupação do território contribui para essa percepção, com o Plano Piloto assumindo o papel de vilão.
Os filmes sobre Brasília apresentados nesta edição, no entanto, se afastam dessas discussões recorrentes. Eles revelam narrativas que apontam para espaços de reconexão, criatividade, poesia e vivências que se conectam com o ordinário e com o cotidiano.
Obras que mostram experiências de outras cidades também são fundamentais, pois permitem pensar Brasília em diálogo com o mundo. Um exemplo é o filme que retrata Chandigarh, capital do estado de Punjab, na Índia, projetada por Le Corbusier e seu primo, o arquiteto Pierre Jeanneret, como símbolo da modernidade pós independência. A cidade foi planejada para cerca de 500 mil habitantes, mas hoje abriga mais de 1,5 milhão. A expansão desordenada e os desafios de preservação patrimonial revelam os limites do modelo modernista diante das transformações sociais e demográficas. Ver como cidades tão distantes e culturas tão distintas lidam com problemas semelhantes é fundamental para ampliar nossa compreensão sobre os caminhos possíveis para o urbanismo contemporâneo. As experiências de lugares como Chandigarh revelam que, apesar das diferenças históricas, sociais e geográficas, há pontos de convergência nos desafios enfrentados — e nas soluções buscadas. Ao colocar Brasília em diálogo com outras realidades, o cinema abre espaço para imaginar alternativas, revisitar princípios e reconhecer que a cidade está em constante construção, tanto física quanto simbólica.
Como a senhora vê a implementação das soluções apresentadas nos filmes como políticas públicas?
Vejo os filmes como ferramentas expressivas para inspirar políticas públicas, especialmente por sua capacidade de documentar experiências concretas, denunciar desigualdades e expressar sentimentos e afetos nas relações entre lugares e pessoas. Ao apresentar soluções arquitetônicas e urbanas que já estão sendo testadas em diferentes contextos, os filmes ajudam a sensibilizar gestores, profissionais e a sociedade civil.
Um dos filmes, por exemplo, apresenta o Multiprogram Ship, um projeto de infraestrutura híbrida esportiva e cultural em uma favela de Caracas, desenvolvido pelo arquiteto Alejandro Haiek. A intervenção consistiu na criação de uma quadra de esportes acoplada aos sistemas de mobilidade da comunidade, utilizando estruturas metálicas modulares e técnicas de reengenharia do solo e do espaço aéreo. Mais do que uma obra física, o projeto resgatou a autoestima da população local, oferecendo um espaço de sociabilização para os jovens e fortalecendo os vínculos comunitários. A iniciativa surgiu a partir de mudanças nas leis territoriais que reconhecem os conselhos comunitários como células geopolíticas, permitindo que os próprios moradores diagnostiquem e priorizem suas demandas com alto grau de participação.
A mostra conta com sessões para crianças. De que forma o cinema ajuda a abordar essas temáticas para o público infantil?
O cinema tem uma linguagem acessível e envolvente, capaz de despertar a curiosidade das crianças sobre o espaço em que vivem. As sessões infantis da Mostra são pensadas para apresentar temas como cidade, natureza, convivência e cuidado com o ambiente de forma lúdica e sensível.
Alguns filmes abordam, por exemplo, a relação entre a rua e o rio, questionam como os espaços urbanos podem ser mais inclusivos e conectados com a natureza — mostrando que inclusão também é uma forma de sustentabilidade. Outros trabalham temas complexos, como o aquecimento global e os acordos internacionais, por meio de personagens simbólicos, que ajudam a conscientizar sobre os impactos das mudanças climáticas de maneira criativa e acessível. Essas narrativas ajudam a formar o olhar das crianças desde cedo, estimulando empatia, imaginação e responsabilidade ambiental.
Como os saberes tradicionais podem contribuir para uma arquitetura sustentável no futuro?
Os saberes tradicionais oferecem uma compreensão profunda dos ciclos da natureza e do tempo, elementos essenciais para uma arquitetura verdadeiramente sustentável. Essas práticas respeitam o ritmo das estações, os materiais disponíveis no território e a relação simbólica com o ambiente. Mais do que técnicas construtivas, são formas de viver e habitar que promovem equilíbrio ecológico e pertencimento. Além disso, esses conhecimentos valorizam a participação comunitária como parte do processo de construção e cuidado com o espaço. A arquitetura deixa de ser apenas técnica e passa a ser também social, afetiva e coletiva. Ao integrar saberes ancestrais com inovação, podemos construir cidades mais resilientes, inclusivas e conectadas com a natureza.
*Estagiária sob a supervisão de Severino Francisco
Diversão e Arte
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