Artes cênicas

Renata Sorrah traz epifania pessoal aos palcos em peça sobre o imaginário de uma artista

Peça que abre o Cena Contemporânea hoje nasceu de uma experiência de Renata Sorrah vivida há 51 anos

Ao vivo, pela com Renata Sorrah, no Cena Contemporânea 2025 -  (crédito: Nana Moraes)
Ao vivo, pela com Renata Sorrah, no Cena Contemporânea 2025 - (crédito: Nana Moraes)

Foi em 1974, quando se dirigia a um ensaio de A Gaivota, peça de Anton Tchekhov. Renata Sorrah vivia a personagem Nina e tinha, como companheiros de palco, Sérgio Brito, Teresa Raquel e Carlos Augusto Strasser, todos sob a direção de Jorge Lavelli, argentino radicado na França e ícone do teatro na década de 1970. "Eu estava no carro, dirigindo a caminho do ensaio, e, de repente, minha cabeça abre e eu entendo tudo, sabe? Todas essas perguntas que os filósofos fazem: quem somos nós, para onde vamos, o que estamos fazendo aqui, entendi a matemática, entendi as ciências, a natureza, o tempo, o universo, assim, o tamanho do Universo, o tamanho da gente, o tempo, a vida antes, a vida de ficou tudo claro na minha cabeça", conta a atriz. A epifania durou um segundo e Renata pouco se lembrou de toda a compreensão iluminada, mas a história serviu de base para Márcio Abreu escrever Ao vivo [dentro da cabeça de alguém], em cartaz hoje e amanhã na sala Martins Pena como parte da programação do Cena Contemporânea. 

No texto, o diretor convida o público a entrar na cabeça de uma atriz. "A ideia é convidar o público a entrar no imaginário de um artista para olhar o mundo através da sensibilidade de uma artista, pensar as questões urgentes dos nossos dias a partir da sensibilidade, do desprendimento, do sentido crítico que uma artista pode ter num mundo tão cheio de polarização e desafios", explica Abreu. "É um mundo com dificuldade de sonhar coletivamente, de elaborar propostas no presente, todas essas questões estão na peça." A produção é, também, uma celebração da amizade entre Renata e o diretor, que estiveram juntos no palco pela primeira vez em 2012, com Essa criança. "Escrevi pensando nisso tudo. É também uma celebração da arte, da vida", diz. 

Encenada pela Companhia Brasileira de Teatro, Ao vivo propõe uma visão singular de mundo com uma linguagem nada convencional e muito menos linear. "A gente convida o público para uma lógica do imaginário. A estrutura da peça é toda nesse sentido. A gente tem uma linguagem muito profusa, com música, uma dimensão visual dramatúrgica muito forte", avisa o diretor. No elenco, além de Renata Sorrah, estão também Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, indicado ao prêmio Shell pelo papel, Bárbara Arakaki e a performer paraibana Bixarte. Ao vivo teve o texto indicado ao prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) e já foi vista por mais de 30 mil pessoas. Em entrevista, Renata Sorrah fala sobre o trabalho e formato da peça.

Ao vivo [dentro da cabeça de alguém]

Direção geral: Marcio Abreu. Com Renata Sorrah, Rodrigo Bolzan, Rafael Bacelar, Bárbara Arakaki e Bixarte. Hoje e amanhã, às 20h30, na Sala Martins Pena (Teatro Nacional Claudio Santoro). Ingressos: R$ 15 até R$ 100, disponíveis na
Bilheteria Digital

Entrevista
Renata Sorrah

Pode contar um pouco como foi a epifania que deu origem à peça? E qual a importância de Tchekov nesse processo?

Eu só soube que isso que tinha acontecido comigo muito mais tarde. Eu estava mergulhando no universo do Tchekov, o que, para um ator, para uma atriz, é uma revelação, uma beleza, uma delicadeza. É muito muito revelador você fazer um Tchekov, para você e para sua profissão. Eu estava num aterro, indo para o ensaio, a gente ensaiava umas 10 horas por dia, era muito puxado. E era muito forte, muito bonito. E eu fiquei sem respiração, quase. E eu só me lembro falando assim: "Mas é tão simples". Aí, a cabeça fechou. Fui ensaiar. E cheguei nesse dia para ensaio com esse segredo que aconteceu comigo. Eu não falei para ninguém. É claro, eu nunca mais soube as respostas, porque, naquele momento da revelação, dessa epifania, eu entendi tudo. Eu sabia tudo, tudo. Foi uma coisa muito forte. Só alguns anos depois, contando para alguém, a pessoa falou: "Mas isso que você teve foi uma epifania". É muito lindo isso, quando você toca o absoluto. Por que que me aconteceu isso? Eu acho que foi porque a gente estava ensaiando Tchekhov. Eu estava estudando Tchekov pela primeira vez, conhecendo-o, e ele faz isso com a gente.

Sobre a linguagem da peça, que tem um lado mais experimental e menos linear, como ela funciona? O que esse espetáculo trouxe de novidade para você como atriz, em termos de linguagem e de experiência pessoal?

Trabalho com o Márcio e com a Companhia Brasileira há quase 14 anos. A cada nova peça, cada encontro nosso é uma experiência, é um aprendizado. São novidades da vida, tanto na vida como no palco. Esse espetáculo foi uma experiência, um aprendizado, uma vivência de amor.

O corpo parece ter um papel central no espetáculo. Como foi o trabalho físico de preparação para o papel?

Em todos os trabalhos tem uma coisa forte do corpo que fala, não é? Trabalhamos com a Cris Moura, uma bailarina, artista, preparadora, diretora.  E ela toca a gente, ela entende. Foi muito importante. Um dos papéis centrais do espetáculo é o corpo. Somos cinco no palco e os cinco têm esse domínio corporal, esse prazer corporal muito grande e que está no espetáculo.

 

  • Renata Sorrah vive uma epifania em Ao vivo
    Renata Sorrah vive uma epifania em Ao vivo Foto: Fotos: Lina Sumizono e Nana Moraes
  • Ao vivo, pela com Renata Sorrah, no Cena Contemporânea 2025
    Ao vivo, pela com Renata Sorrah, no Cena Contemporânea 2025 Foto: Nana Moraes
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postado em 26/08/2025 04:24
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