
Em 2004, uma gravação ao vivo se tornou um dos maiores sucessos da banda paulistana Ira! — tratava-se do Acústico MTV, na época já gravado por grandes nomes da música brasileira, como Legião Urbana, Gilberto Gil, Titãs e Rita Lee. O projeto, que apresenta versões desplugadas de sucessos como Eu quero sempre mais, Flores em você e Envelheço na cidade, resultou em uma turnê de quase quatro anos para o grupo do vocalista Nasi e do guitarrista Edgard Scandurra, e agora volta a ser apresentado por todo o Brasil.
Em comemoração aos 20 anos do disco, os músicos voltam aos palcos para relembrar o álbum e apresentaram o show no Ulysses Centro de Convenções.“Foi um trabalho que conquistou um novo público, que talvez não tivesse tanta afeição pelo rock elétrico mais pesado”, afirma Scandurra. “Até porque essas versões acústicas deram um novo destaque para as poesias das nossas letras”, acrescenta o integrante.
“A gente ouve muitos relatos de músicas do nosso álbum que se tornaram trilhas sonoras de namoros, casamentos e outros momentos marcantes”, conta. “A gente percebe um carinho da plateia por essas composições, pelo o que elas representam para elas. O rock, hoje em dia, virou uma música clássica, que marca a vida das pessoas”, afirma o guitarrista.
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“Desde 1982, nós vínhamos compondo e fazendo um trabalho de melodias e vocalizações que combinavam muito com a essência dessas músicas”, relata Edgar. “Praticamente, todas nossas composições saem do violão, então a gente sempre se sentiu à vontade para tocar esse repertório”, explica o músico.
Para além dos 20 anos de álbum, o guitarrista também vê a turnê como uma oportunidade de celebrar as mais de quatro décadas de carreira. “O Ira!, assim como todo grupo que comemora mais de 40 anos de carreira, acaba se tornando uma banda clássica dentro do cenário musical. Revisitar esse disco, assim como a gente já fez com alguns outros trabalhos, faz parte dessa celebração de tanto tempo na estrada”, avalia.
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Da mesma forma que o Acústico MTV foi importante para que o Ira! furasse a bolha da cena do rock, Edgard defende que a turnê atual também apresenta o repertório de 2004 para um novo público. “Tem uma relação de amor e admiração pelo trabalho que eu acho que transcende o fator nostálgico. De certa forma, reviver essa época é um prêmio que a gente recebe, até porque não é só o público de 50 ou 60 anos que vem assistir os nossos shows, tem uma garotada também. Ser admirado por essas novas gerações é muito gratificante”, celebra o guitarrista.
Para ele, a música atinge seu objetivo quando se torna atemporal. “Isso é algo que eu falo desde o início da minha carreira. Um som não tem que dizer respeito aos anos 1980 ou ao Plano Cruzado”, ri o integrante. “Por isso, ver em 2025 essa molecada toda e perceber que realmente o nosso trabalho transcende a época, é um grande presente para gente”, declara Scandurra.
Música progressista
No início do ano, um show do Ira! em Contagem, Minas Gerais, repercutiu nas redes sociais após Nasi ser vaiado ao se manifestar contra a anistia dos acusados pelos ataques do 8 de janeiro. Após o ocorrido, shows da banda em Jaraguá do Sul e Blumenau, em Santa Catarina, e em Pelotas e Caxias do Sul, no estado gaúcho, foram cancelados.
“Nós nunca escondemos nossas ideologias e o nosso viés progressista e democrático”, garante Scandurra.“A gente não deve falar para as pessoas não ouvirem o nosso disco e ver nosso show, porque ela votou em uma pessoa que a gente absolutamente não aprova. A gente não pede voto auditável na hora de comprar ingresso”, brinca o guitarrista. “Mas esse episódio teve um lado muito positivo, que foi receber uma plateia mais aguerrida ainda. O nosso público fiel tomou um pouco da nossa dor e vestiu a camisa da banda, tanto que os shows que a gente fez depois foram muito quentes e muito comemorados”, relata o músico.
“Foi uma espécie de vitória do bom senso, porque na democracia as pessoas têm direito de se expressar. O nosso sucesso é uma vitória democrática. Não precisamos ficar enfrentando, peitando ou provocando ninguém, é simplesmente algo coerente com a nossa história e com a democracia. A gente está no nosso direito e o público celebra isso com a gente”, diz.
Apesar de um hiato de sete anos e mudanças na formação do grupo, Scandurra assegura que a essência do grupo permanece a mesma. “Eu acho que se a gente ficasse fazendo concessões e se adaptando a tendências ideológicas, a banda não existiria mais. O que faz a gente ter um vigor e uma vontade de continuar é ser fiel aos nossos ideais desde o começo. É uma questão de caráter seguir um caminho que a gente acredita desde o começo”, opina.
“É muito ruim quando chega um momento em que o seu trabalho é a sua única profissão, que para pagar suas contas você tem que, por vezes, fazer concessões aqui e ali para sobreviver desse universo. O Ira! é uma banda muito privilegiada nesse ponto, com uma caminhada coerente ao que nós pensávamos no passado. O que hoje a gente percebe é que estamos mais maduros, claro”, aponta o integrante. “Temos uma música chamada Vivendo e não aprendendo, que dá nome ao nosso segundo disco. Ela fala muito sobre uma resistência que tínhamos ao que tentavam pôr nas nossas cabeças, era uma ideia muito revolucionária e rebelde. Mas se tem uma coisa que a vida nos ensinou é que a gente tem que aprender com as coisas que a gente vive, inclusive, com brigas internas, crises, mudanças de integrantes. A essência da banda, porém, continua a mesma”, conclui o guitarrista.
Diversão e Arte
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