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"Meu corpo é minha expressão no mundo", afirma o artista Gabriel Sanches

Artista brasiliense, Gabriel Sanches vive personagem complexo em meio a um drama contemporâneo em "Dona de mim"

Gabriel Sanches, ator brasiliense -  (crédito: Luisa Worcman)
Gabriel Sanches, ator brasiliense - (crédito: Luisa Worcman)

Com um humor ácido e sem papas na língua, o publicitário Breno, de Dona de mim, divide a opinião do público enquanto navega uma crise impensável: descobrir que o material genético de seu companheiro, Caco (Pedro Alves), foi doado — sem seu conhecimento — para um casal de conhecidas, as personagens Ayla e Gisele (Bel Lima e Luana Tanaka). "Breno e Caco têm tudo para serem um casal marcante na teledramaturgia brasileira. O que precisamos é de coragem para colocar tudo o que temos de melhor nessa história", declarou o intérprete do personagem, Gabriel Sanches, que é brasiliense, radicado no Rio.

No centro de um dos dilemas mais contemporâneos e comentados da atual novela das 19h, longe das câmeras, Sanches é um artista multifacetado que transita entre a atuação, a pintura e a cerâmica. Em uma conversa franca e reflexiva com o Correio, o ator abre o jogo sobre a complexidade de viver um personagem que foge dos rótulos fáceis de herói ou vilão, revela como constrói a química com o parceiro de cena e desvenda como a essência da cidade natal moldou sua visão de mundo e sua arte. "Eu sou apaixonado pela poesia que é Brasília", concluiu Gabriel, que, ao lado do também brasiliense Alessandro Brandão, forma o aclamado duo de drag queens Sara e Nina.

 

Gabriel Sanches, ator brasiliense
Gabriel Sanches, ator brasiliense (foto: Luisa Worcman)

Entrevista | Gabriel Sanches

Como você lida com a ambivalência do Breno?

Não vou negar que tem um lado pessoal que se assusta em um primeiro momento quando leio comentários mais agressivos nas redes sociais, porque de alguma forma existe uma interseção de quem sou eu e quem é o Breno, um ponto de encontro ator-personagem. De certa forma, o Breno também sou eu, ou pelo menos é uma versão do que eu poderia ser se minha vida fosse escrita e conduzida por alguém externo que usa do meu corpo e minhas experiências para viver. O Breno não sou eu, mas eu sou o veículo de existência do Breno, então quando leio algo que rejeita o Breno, tem um psicológico envolvido que se crispa e reage com alarme. Mas, ao mesmo tempo, com inteligência, é sempre possível dissociar as coisas e no final das contas eu fico muito feliz que esteja acontecendo esse burburinho. Nas redes sociais as pessoas estão protegidas por um véu ilusório onde tudo pode, ofender, zoar, agredir, tudo parece ser possível, então elas aproveitam para descer a lenha. Nesse sentido, leio os comentários procurando não valorizar tanto, mas entender, divertir-me com o que é para ser divertido e rejeitar o que não faz sentido. Até aqui, os comentários são agredindo o Breno discordando dele, amando e exaltando ele ou elogiando minha atuação. Então, está ótimo! Nas ruas é que tem sido uma verdadeira festa. Acontecem interações sempre positivas e tem até gente me pedindo emprego para trabalhar na Boaz! Como ator, acredito ser muito rico poder viver um personagem complexo, sem o estigma de caráter definido: vilão ou mocinho. Por outro lado, agora estou querendo também um desafio desses, fazer um personagem com esse risco da definição de função na trama, herói ou vilão.

Como você, como ator, constrói essas camadas para evitar que o personagem se torne apenas um caricato ou o "vilão" da história?

Acredito que, na dramaturgia da novela, apesar de saber que temos uma construção com início, meio e fim, mas por se tratar de uma obra extensa e aberta, como se diz, faz sentido me debruçar em um trabalho específico de cena-a-cena, bloco-a-bloco. É preciso dar atenção ao que existe até o momento, sempre com o vislumbre do que foi orientado previamente pela autora e pela direção, mas o foco vai estar no dia-a-dia. E assim, na interação com cada personagem, cada nova situação, tenho como ir construindo um ser mais complexo. Tem situações que podem ser mais leves, cômicas, ágeis e outras que vão exigir tensão, calma, raiva, por exemplo, ou tantas outras emoções complexas.

Como você e Pedro Alves trabalharam juntos para construir a química e a credibilidade desse casal que enfrenta uma crise tão específica?

A gente conversa muito sobre tudo que surge para os nossos personagens. É muito comum ele me mandar mensagem perguntando se eu li o que chegou de novo e o que estou pensando sobre o material novo. A partir disso, dialogamos muito. Isso acaba sendo um excelente exercício para viver um casal maduro, apaixonado e que tem o diálogo como segurança de bem estar. Em cena, fluímos bem juntos, sem medo, sem crise, sem insegurança, confiando no que vem do outro e com muita escuta paras as necessidades de cada um.

O que você acha que esse casal Breno e Caco precisa aprender ou superar para que isso seja possível?

Na verdade, acho que Breno e Caco tem tudo para serem um casal marcante na teledramaturgia brasileira, o que precisamos é de coragem para colocar tudo o que temos de melhor nessa história. É um exercício coletivo inclusive. Coragem de quem escreve, de quem dirige, de quem produz, de quem atua. Se estamos nessa sintonia, acreditando juntos nessa história, ela vai ser possível!

O visual do Breno é muito marcante: peças oversized, tons sóbrios e um ar muito elegante. De que forma o figurino ajuda você a entrar no personagem? Há alguma peça específica que você vestiu e imediatamente "sentiu" que era o Breno?

Os óculos do Breno são muito marcantes pra mim, ele complementa o visual de uma forma que reconheço o personagem na hora, no espelho inclusive. Mas eu adoro tudo o que o Breno traz na estética. O figurino dele é muito lindo e elogiado por toda a equipe. Eu visto qualquer roupa e recebo elogios do camarim até o set de gravação.

Além de ator, você também pinta, faz cerâmica e arranjos artísticos para decorar sua casa. De onde vem essa necessidade de criar com as próprias mãos? A atuação e as artes manuais são expressões de uma mesma veia artística para você?

Já faz tempo que entendi uma coisa sobre o meu trabalho, algo essencial para minha expressão: necessito de materialidade, meu corpo é minha ação e expressão no mundo. Minha mente é parte desse corpo, ela funciona melhor vivendo a ação do corpo. Ficar prospectando, conjecturando, analisando, calculando, filosofando, estudando ou executando qualquer atividade que priorize o exercício mental, não contribui para minha manifestação artística da mesma forma que acontece quando meu corpo está em ação conjuntamente. Então, procuro movimentos que aliem mente e corpo na ação. Danço, faço cerâmica, escrevo, treino acrobacia, tudo isso com a consciência de que faz parte da minha expressão artística, da corporificação da minha criatividade, ou manifestação da minha arte. Então, sim, tudo faz parte de uma mesma veia, ou um mesmo organismo artístico, eu diria.

O que a cultura queer representa para você? E que avanços você enxerga na sociedade em termos de aceitação, respeito e até admiração?

Eu sou parte do que é cultura queer. Apesar de acreditar que a arte ultrapassa rótulos e gêneros, acredito que esses rótulos e gêneros nos servem para nos reconhecermos e criar corpo para estar no mundo. A cultura queer foi o que me libertou de preconceitos e mostrou que meu desejo é livre e real. Quanto mais eu for o que sou, mais autêntico e realizado estarei, e mais livre para oferecer o meu melhor. Ainda vejo, por outro lado, um olhar fetichista e folclórico para o que é diferente da norma, do padrão e justamente aí que a cultura queer atua, não deixando que sejamos objeto do outro, não deixando que nosso projeto seja romantizado pelo capital. A cultura queer sempre vai ser revolucionária e questionadora, ela não vai te deixar definir o que ela é porque ela é transformação pulsante, é movimento e contra-movimento. E justamente por essa característica a cultura queer não é mainstream e não pode ser a referência de uma nova “norma”, por exemplo. A cultura queer vai sempre demandar que o outro aprenda um pouco mais, revisite seus conceitos e padrões.

Como você acha que a cultura e a estética única de Brasília te influenciaram como artista e na sua forma de ver o mundo? Existe algo particularmente "candango" em você ou no seu trabalho?

Brasília me deu a oportunidade de desterritorializar sempre. Por um lado, na infância, foi difícil porque era como seu não conseguisse definir uma identidade. Sou de uma época que Brasília não tinha um sotaque, eram vários, Brasília não tinha um modelo de personalidade, mas vários de vários estados. Brasília é uma criação forjada por brasileiros de todos os cantos do país, por diferentes razões e realidades. E é uma cidade muito jovem, em pulsante formação e expansão. Quando criança, essas características me assustavam, eu buscava entender, definir, saber os significados e definições, foi difícil, mas hoje, essa característica de alargamento me faz estar num constante fluxo de expansão também, ser múltiplo, ser cultura e contra-cultura, por exemplo. A cidade é ampla, tem espaço pra dilatar, crescer, criar com linhas e curvas por todo aquele horizonte sem fim. Eu sou apaixonado pela poesia que é Brasília.

Brasília é uma cidade com uma cena artística muito forte e particular. Como foi dar os primeiros passos na carreira artística aqui?

Tive a oportunidade de me apresentar no teatro nacional ainda na adolescência, aos 16 anos, fiz teatro por dois anos na Cia da Ilusão, fiz todas as peças de escola que foram possíveis, mas foi no quintal da minha avó onde fiz minhas primeiras peças para vizinhos empolgados em encorajar crianças brincando. Sou muito inspirado por essa criança que pode gesticular, rebolar ao som de “é o tcham”, inventar mundos de barro vermelho e lagos artificiais. Mas lembro de chegar aos 17 anos, véspera da decisão importante (ao meu ver prematura) sobre o futuro profissional, e pensar “Brasília não vai dar conta do meu sonho, preciso ir pro mundo.” Era um pensamento de um jovem que não via ainda em Brasília a grandeza que ela tem, a importância de sua cena artística e cultural, um jovem ambicioso e curioso de vida. Hoje, sempre que volto à cidade, fico mais feliz de encontrar tanta efervescência e saber que Brasília é minha origem, meu início, minha fonte de inspiração.

Que conselho você daria para os jovens artistas de Brasília que, como você, almejam uma carreira nacional?

Hoje em dia, o acesso à informação é mais fácil por causa do avanço da internet. As escolas, as bibliotecas, os museus, os teatros, tudo tem perfil nas redes sociais e promove seus cursos e ferramentas através das plataformas. Isso ajuda muito o jovem que tem interesse na atuação. Ainda assim, não tem outra forma de aconselhar senão dizendo “estudar”. Aproveitar a facilidade da internet é muito bom e ajuda bastante em coisas que pra mim foram mais lentas ou trabalhosas, mas não tem outra forma de seguir a carreira senão estudando. E não precisa fazer como eu que fui morar no RJ aos 17 necessariamente. Brasília tem profissionais e instituições incríveis que oferecem treinamento e formação. O que o importa é dar escuta ao desejo, acreditar no seu sonho e então se dedicar aos estudos. Não falo apenas de estudo formal, falo também da pesquisa que cada um pode fazer, ler livros, escrever, dançar, treinar atuação, etc.

Olhando para frente, depois de viver um personagem tão complexo como o Breno, que tipo de papel ou projeto você gostaria de enfrentar a seguir? Existe um gênero ou uma história que você sonha em contar?

Muitas coisas me animam sobre uma perspectiva de futuro, tanto as coisas que já estão programadas como o infantil Gagá, que volta para uma circulação no estado do Rio e que dessa vez faço como ator, ou o novo álbum de Sara e Nina, quanto as coisas que ainda não são projetos concretos, mas desejos. Tenho um roteiro de longa metragem no qual estou trabalhando, por exemplo. Tenho muito interesse em atuar em outras áreas também, como roteiro e direção. Mas, vou assumir algo que tem cada dia mais ficado evidente no meu campo de desejos, quero ampliar minha atuação na tevê também, sabe? Acho que agora estou mais maduro, tanto profissional como pessoalmente, para viver o protagonismo que a teledramaturgia exige. Quero fazer mocinho e quero fazer vilão, mas quero o desafio e a responsabilidade do protagonismo. E quero poder contar histórias que sejam pessoalmente importantes pra mim, histórias com as quais me identifique, mas quero também poder contar outras histórias, aquelas que podem me fazer ser outro, desafiar meu caminho, meu pensamento e meu corpo. Romper a barreira de escalação que define meu trabalho naquilo que me representa como indivíduo.

 

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postado em 07/09/2025 08:00
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