televisão

"Recusar diversidade é medo infundado", diz Pedro Alves, de "Dona de mim"

Brasileiro criado na Bélgica e formado na França, o Caco de "Dona de mim", fala sobre multiculturalidade e representatividade. "Na Europa, aprendi uma atuação mais contida. No Brasil, aprendi a expressar emoções", avalia ator de 32 anos

Pedro Alves, ator -  (crédito: Maga Maju)
Pedro Alves, ator - (crédito: Maga Maju)

Ele é a personificação viva da era globalizada. Nascido no Brasil, criado na Bélgica e formado nas escolas de teatro de Paris e do Rio de Janeiro, Pedro Alves carrega a marca de quem aprendeu a ser múltiplo. Com um currículo que passa por HBO e TV Globo e, agora, rumo ao protagonismo na série Vermelho sangue, do Globoplay, Pedro não para. Atualmente no ar na novela Dona de mim, ele conversou com o Correio sobre os caminhos plurais de sua carreira e de sua vida.

A primeira pergunta é inevitável: como um pé na Europa e outro no Brasil influenciam seu ofício? Pedro explica com a clareza de quem já refletiu muito sobre o assunto. "Na Europa, aprendi uma atuação mais contida, tudo é mais nas entrelinhas, espelhando a cultura social na qual cresci. No Brasil, aprendi a soltar o corpo, a expressar as emoções", compara.

Para ele, a miscigenação é uma força, mas exige adaptação constante. "Não sou o Pedro brasileiro na Bélgica e não sou o Pedro de lá quando estou no Brasil. Já causei muito mal-estar por não entender que deveria adaptar minha forma de me comportar. Ainda hoje tenho certas dificuldades", admite, revelando uma camada de vulnerabilidade por trás da confiança de poliglota.

Esse domínio de idiomas — fala português, francês e inglês fluentemente — é um passaporte artístico. "Isso impacta como as pessoas me veem, me abre portas", diz, lembrando de trabalhos como Santos Dumont, da HBO, filmado inteiramente em francês, e Vermelho sangue, cujos testes foram todos em inglês.

Em Dona de mim, Pedro interpreta Caco, um personagem gay em um casal adulto e contemporâneo bem resolvido, cujas cenas de afeto são tratadas com naturalidade — inclusive com uma cena de beijo entre ele e o brasiliense Gabriel Sanches (intérprete de Breno). Ele não titubeia ao classificar a importância dessa representação: "Recusar ver diversidade é fruto de um medo infundado e ignorante".

Sobre a trama envolvendo doação de sêmen para um casal lésbico, um tema corajoso para o horário, o ator defende o papel social da televisão. "É um dever social, artístico e em prol do entretenimento", defende Pedro, que estreou na Globo em Malhação Toda forma de amar como Guga, um adolescente descobrindo sua orientação sexual, repleto de conflitos.

Futuro

Mas se Caco representa a realidade contemporânea, seu próximo desafio mergulha de cabeça no sobrenatural. Em Vermelho sangue, série de Rosane Svartman (a mesma autora de Dona de mim), Pedro vive seu primeiro protagonista: Michel, um vampiro poliglota e centenário. "Foi a preparação mais desafiadora da minha vida. Chorei muito durante o processo. Não me achava digno", confessa. O resultado, garante, valeu a pena: "Aguardem algo ousado, sensual, pulsante, instigante e que te surpreende o tempo todo".

Entre os desejos futuros de Pedro está fazer cinema autoral francês, belga e brasileiro. Mas, no cerne de todas as suas escolhas e identidades, persiste a questão do pertencimento. "Eu me sinto tão brasileiro e tão belga, mas nunca vou conseguir me sentir pertencente 100% em nenhum lugar. É estranho, mas é um sentimento que eu e meus irmãos dividimos." Longe de ser uma fraqueza, ele transforma esse "não lugar" em sua maior força. "Acredito que isso só me fortalece como pessoa e como artista. É muito enriquecedor", conclui.

Pedro Alves, ator
Pedro Alves, ator (foto: Maga Maju)

Entrevista | Pedro Alves

Você cresceu na Bélgica, estudou teatro em Paris e no Rio. Como essas experiências multiculturais influenciam sua forma de atuar?

Acho que miscigenação de culturas só me fortalece. Na Europa aprendi uma atuação mais contida, tudo é mais nas entre linhas, espelhando a cultura social na qual cresci. Aqui no Brasil eu aprendi a soltar o corpo, a expressar as emoções, que também é consequência da forma brasileira de se comunicar. Mas tudo depende do diretor, da produção, eu sou só uma formiguinha e tenho que adequar minha atuação o tempo todo, assim como na vida. Não sou o Pedro brasileiro na Bélgica e não sou o Pedro de lá, quando estou no Brasil. Preciso me adaptar as formas de expressar porque já causei muito mal estar quando não entendia que deveria adaptar minha forma de me comportar dependendo do país. Ainda hj tenho certas dificuldades.

Como o domínio de diferentes idiomas impacta sua escolha de papéis e sua preparação para os personagens?

Acho que ainda estou numa fase que não escolho muito os papéis. Não tenho esse poder. Mas eu comunico ao meu empresário produções que não adianta ele me botar pra fazer teste, porque não condiz muito com o que acredito. Sobre a língua, isso impacta como as pessoas me veem, me abre portas. Eu fiz Santos Dumont na HBO, totalmente em francês e agora em Vermelho sangue, todos os testes foram em inglês. Lá eu falo em português na maior parte mas também em inglês e francês. E dependendo da língua que vou falar, da nacionalidade dos personagens, eu mudo minha atuação.

De Malhação a Vermelho sangue, sua carreira tem sido bastante diversificada. Como você escolhe seus projetos? Há algum tipo de papel que ainda sonha em interpretar?

Olha, eu tive esse privilégio de todos meus personagens serem bem diferentes. Em Vermelho sangue por exemplo, eu passei no teste pra um protagonista que eu nunca imaginava fazer. Eu não esperava e não sonhava fazer um vampiro poliglota, com centenas de anos, duas nacionalidades, super poderes, e com uma história tão rica quanto a dele. Acho que depois do Michel eu nem sei com o que sonhar. Eu não posso falar muito sobre, mas ele é uma mistura de tudo, e por isso me possibilitou cumprir todos meus desejos de personagens, tudo em um só. Só assistindo pra entender.

Em Dona de mim, você interpreta um personagem gay em um casal bem resolvido, com cenas de afeto sendo naturalmente exibidas. Como você vê a importância dessa representação na tevê brasileira?

Importantíssima! A mania de se meter na vida alheia é um velho hábito que precisa mudar. Recusar ver diversidade, é fruto de um medo infundado e ignorante. Que a tv sempre mostre mais da pluralidade do Brasil, que é linda. Acho que Dona de mim tem isso. Ela mostra um Brasil diverso em crenças, e hábitos.

A trama envolve doação de sêmen para um casal lésbico, um tema ainda pouco explorado nas novelas. Como foi abordar essa história? Você acredita que a tevê tem um papel na normalização dessas discussões?

As novelas sempre debateram temas importantes. Lembro de A força do querer que foi um sucesso e debatia a transexualidade com a Ivan/a de Carol Duarte. Aquilo foi forte e lindo. É uma delícia ser instigado enquanto telespectador. Ninguém merece ver uma trama que não te instiga e não provoca debates. É não somente um dever social, é um dever artístico e em prol do entretenimento.

Você já interpretou personagens LGBTQIA+ em outros trabalhos, como em Malhação. Como você vê a evolução (ou falta dela) na representação de personagens queer na televisão?

Olha, eu sou só a ponta final. As decisão e a liberdade de poder retratar esses personagens, não é minha. Eu sempre vou torcer para que histórias sejam contatas. Sobre a evolução… me abstenho.

Você está prestes a viver seu primeiro protagonista em Vermelho sangue, como um vampiro. O que podemos esperar desse personagem? Como foi a preparação para esse papel?

Foi a preparação mais desafiadora da minha vida. Chorei muito durante o processo. Não me achava digno. É um personagem muito complexo do qual não posso dar detalhes agora… Ele demandou não só que eu me doasse por inteiro nas preparações com a incrível Cris Moura, mas também nas aulas de luta, de voz, de escalada, bandolim… No final eu fiquei orgulhoso. As poucas imagens que vi na dublagem são impressionantes. Todos que já viram o primeiro episódio ficaram chocados. Aguardem algo ousado, sensual, pulsante, instigante e que te surpreende o tempo todo com personagens bem característicos que amamos ver.

A série é da mesma autora de Dona de mim, Rosane Svartman. Como é trabalhar com ela novamente em um projeto de gênero tão diferente?

Foi uma surpresa. Todos os trabalhos que fiz, passei porque mandei bem nos testes. Eu não tenho padrinhos e me surpreendi estar na segunda produção consecutiva da Rosane, que é brilhante. É incrível imaginar que ela é a mesma autora da série e da novela, são dois projetos completamente diferentes. Rosane é uma potência mesmo.

O vampiro é uma figura cheia de simbolismos (sexualidade, imortalidade, poder). Como você interpreta esse arquétipo de uma forma nova?

Tudo isso que você falou está muito presente na série. Foi muito desafiador por ser alguém completamente diferente de mim e diferente do que já vimos também. Eu tentei não buscar referências modernas para não ser influenciado. Trabalhamos com clássicos e cinema autoral e criamos algo muito refinado e popular, atinge todos os públicos.

Você já atuou em produções brasileiras, francesas e belgas. Como compara a experiência de trabalhar em diferentes mercados audiovisuais?

Na verdade, eu ainda não fiz audiovisual europeu, somente teatro. As pessoas tendem a achar que Santos Dumont foi uma co-produção, mas foi totalmente produzido no Brasil. Um dia vou poder te dar esse retorno, com maior prazer.

Além da tevê, você tem interesse em teatro, cinema ou até mesmo produções internacionais? Há algum diretor ou ator com quem sonha trabalhar?

Eu quero muito fazer cinema autoral francês, belga e brasileiro. Eu não sei exatamente com qual diretor quero trabalhar, mas sei que todos aqueles que trabalhei me trataram com total respeito e foram pessoas que eu amei estar. Dei muita sorte! Agora, meu sonho é trabalhar com a Ana Paula Arósio e Pedro Pascal. Tenho nem roupa pra isso.

Por ter crescido entre culturas diferentes, como você enxerga a discussão sobre identidade e pertencimento? Isso afeta sua arte?

Como disse acima, isso me afeta todos os dias tanto no trabalho quanto na minha vida pessoal. As culturas são muito diferentes e eu tenho ambas bem presentes em mim. Eu soube aprender a dosar a forma de me expressar e de me comunicar dependendo de onde to. As vezes consigo, as vezes as diferenças falam mais alto. Eu me sinto tão brasileiro e tão belga mas nunca vou conseguir me sentir pertencente 100% em nenhum lugar. É estranho mas é um sentimento que eu e meus irmãos dividimos. Mas acredito que isso só me fortalece como pessoa e como artista. É muito enriquecedor. Obrigado mãe que bravamente imigrou pra Bélgica. (risos)

Além da atuação, você tem outros projetos artísticos ou causas sociais que são importantes para você?

Eu canto e escrevo poemas, mas eu sou tímido, não divulgo. Eu só perco a timidez quando estou em cena ou quando tenho certa intimidade. Eu sou defensor de mil causas sociais. Acredito na pluralidade, na liberdade de sermos diferentes, na importância do meio ambiente, sou contra guerras e o enriquecimentos de Estados através da venda de armamentos ao detrimento e morte de povos inteiros. Na minha vida pessoal eu sempre to comentando sobre questões sociais. Eu não consigo ficar alheio, todas elas me afetam profundamente. Acho que sou bem sensível e isso é essencial para ser considerado artista. Artista tem que trabalhar para o coletivo e para o bem comum, tem que ter um intuito social. A gente quer mudar o mundo. Nada mais entediante que encontrar um colega vazio e que só tem seu ego e sua fama como luta social.

  • Google Discover Icon
postado em 24/08/2025 19:01
x