
Crítica// O agente secreto ★★★★★
Maternidade e paternidade, elementos que condoeram nas tramas de filmes como Central do Brasil e Ainda estou aqui alimentam a reconstrução emocional do protagonista do mais recente filme de Kleber Mendonça Filho (consagrado melhor diretor no Festival de Cannes): Marcelo (Wagner Moura, contido à perfeição) é um chefe de departamento de pesquisas universitárias em iminente confronto com poderosos, dado que transformará vidas daqueles ao seu redor. Na ciranda de uma roleta-russa, em que se tornará alvo, Marcelo inquietará o destino do filho Fernando e do avô deste (papel do excelente Carlos Francisco), para além da esposa Fatima (Alice Carvalho), numa empreitada ainda movida pela obsessão (sadia) de saber de sua mãe incógnita. Na trama, o Recife serve de refúgio.
Num guardanapo de bar vem o desenho aviltante de um país, sob comando torpe (a ação se passa em 1977): claramente haveria o "Norte" e o "Brasil". A trama do filme alinhava um quebra-cabeças sofisticado que contempla massaroca de violência, redes de solidariedade e uma justiça volante a serviço de acobertamento e trapaças.
Com o personagem do avô projecionista de filmes, o cinema (particularmente, o São Luiz, às margens do rio Capibaribe) é visto como ambiente de resguardo e uma janela para novos mundos, dentro de rico painel de personagens, muitos deles convivendo como refugiados, num núcleo clandestino comandado por Dona Sebastiana (Tânia Maria). Seriam muitas as "pessoas erradas" nos lugares (in)certos. A serenidade aparente é montada por um hábil roteiro que expõe de subornos a uso (de fachada) da máquina estatal, entremeada por humor, muita angústia e adrenalina. Retratos de elitismo vêm junto com o revolver em memórias e arquivos, num filme com forte carga epistolar.
Numa "época cheia de pirraça", nos anos 1970, o "tudo em ordem" escutado de um personagem se mostra progressivamente descabido. Logo no começo do filme, uma placa de veículo demarca, em leitura: "Twist de pobre é macumba". Pontuado por um sincretismo (inclusive, de fundo cinéfilo), o cinema de Kleber Mendonça agrupa, um quadro, a figura de Marilyn Monroe ladeada por Grande Otelo, e tudo rende samba.
Absorvido o risco imposto nas exibições do clássico Tubarão (1975), e acompanhando milimétrico trabalho de Wagner Moura, o espectador, perto do final, entre visagens de maracatus, profetas e poetas de rua, testemunha uma antológica sequência arquitetada à altura de um Hitchcock específico: O homem que sabia demais (1956). Ao som entorpecente de pífanos, o fôlego vai aos ares, com o desfecho em andamento de apressada locomotiva. Apoteose pura, num filme de escavação de informações, com manejo à la Brian De Palma.
Diversão e Arte
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