
A Mostra Competitiva Nacional do 58° Festival de Brasília do Cinema Brasileiro começou na noite deste sábado (13/9), no Cine Brasília. O longa de abertura foi Morte e vida Madalena (CE), do diretor Guto Parente, enquanto Logos (RS), de Britney Federline, e Safo (SP), de Rosana Urbes, foram os curtas escolhidos para o primeiro dia de competição — todos eles com destaque à representatividade LGBTQIAPN+.
O cearense Guto Parente, diretor do longa-metragem da noite, descreve a produção como um “grande delírio”. “Foi uma grande loucura, porque os convites às pessoas da equipe eram, não só para participar da produção, como para atuar. Era algo como: você vai ser assistente de direção, mas você vai atuar também”, relembra. A produção conta a história de Madalena, uma produtora de cinema que tem que conciliar a morte do pai, uma gravidez e a vida profissional.
Sobre o processo de metalinguagem da obra, o diretor afirma que, ao mesmo tempo que havia uma câmera filmando as cenas, havia o equipamento que filmava a própria equipe. “Era um filme que estava apontando pros dois lados”, resume. “Tem um momento que a gente já não entende mais se estamos fazendo um filme ou está vivendo um filme”, complementa.
Sobre abrir a Mostra Competitiva Nacional, o diretor revela estar honrado com a oportunidade de participar e expõe a dualidade de sentimentos: “É como se tivesse um certo peso nisso, uma responsabilidade, mas ao mesmo tempo um alívio muito grande. Eu resolvo o meu problema de ansiedade hoje à noite e vou poder curtir o festival os outros dias mais tranquilo”, ri.
Guto, que tem família em Brasília, e reflete sobre o momento atual do país: “Estamos vivendo
um momento histórico no país, em que golpistas estão sendo punidos. É um momento de celebração e de alegria. Quando você vê milhares de pessoas nas ruas comemorando a vitória da democracia, a gente vê a nossa força da festa”.
Parte da Associação de Profissionais Trans do Audiovisual (APTA), a protagonista do filme, Noá Bonoba, reflete sobre a importância da representatividade trans na noite de abertura do Festival. “O mais importante é que a gente consiga olhar para as pessoas trans como pessoas com repertório, com técnica para além da identidade”, diz a atriz.
“Acredito que pessoas trans ainda são chamadas porque elas são trans, porque querem os travestis para os papéis. E, para mim, é importante que as pessoas comecem a nos ver como atrizes que somos”, celebra.
Estreante no papel de protagonista, a Madalena da ficção revela estar emocionadíssima com a oportunidade de participar do festival, e que a produção é “um presente”. “Ela não recorre a personagens estereotipados. É um filme que está muito além de tudo que a gente está vendo de pessoas trans fazendo no audiovisual”, completa.
Curtas da noite
Cineasta por trás do curta Logos, Britney Federline celebra sua estreia como diretora e roteirista no cinema. “É um filme que é muito íntimo, e transformar ele em uma linguagem cinematográfica foi um desafio”, conta. “É uma produção que tem muita exposição minha — da minha vida, do meu corpo, dos meus afetos”, narra.
A diretora define o curta como uma “autoficção”: Logos nasceu da experiência de Britney ao perder a consciência. Em 2020, ela ficou intubada durante 14 dias devido a complicações da covid-19. “Eu acho que tem uma coisa do universo e do tempo, porque o ex-presidente foi julgado essa semana e parece que as coisas se encaixaram, porque houve todo um negacionismo em relação à covid no governo dele”, lembra. A partir da vivência da cineasta, a produção reflete sobre memória, afeto e corporalidade trans em um espaço hospitalar.
Para ela, Logos é, acima de tudo, um curta político. “O filme ser exibido na mesma semana da condenação, para mim, tem um simbolismo muito legal. Porque eu sobrevivi, mas muitas pessoas não sobreviveram”, declara. “Fico feliz de participar deste dia de representatividade do Festival de Cinema, me sinto menos solitária e mais acolhida”, finaliza.
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Diretora do único projeto de animação da Mostra Competitiva Nacional, Rosana Urbes comemora a presença de Safo no Festival de Cinema de Brasília. “É um marco do audiovisual nacional e esse reconhecimento é super importante para o curta, para mim, para o universo das animações brasileiras, que se empenha em fazer arte de uma maneira muito inventiva”, avalia.
A diretora também ressalta a importância do Festival no momento atual do audiovisual nacional, que teve em sua abertura a exibição de um filme que se passa no período da ditadura militar. ”Nós estamos no florescer do cinema brasileiro. Temos O agente secreto abrindo o Festival de Brasília no momento histórico do Brasil e temos finalmente uma situação de atentado à democracia sendo devidamente julgado e punido, isso é histórico. O Festival de Brasília dita tendência”, declara.
Safo, conta Urbes, é uma personagem presente em sua imaginação desde a infância, quando descobriu a existência de uma poetisa em 600 a.C. Convidada para fazer parte de uma coletânea de diversidade, a diretora escolheu a personagem para escrever sobre e percebeu a vastidão de assuntos possíveis, “suficientes para um filme”.
Um ícone da comunidade lésbica, Safo ressalta o papel feminino. “Fico muito feliz que quando eu comecei o processo do curta, o termo sáfico, por exemplo, ainda não estava muito em voga. E eu demorei o suficiente para agora o filme também ter um canal mais direto de encontrar as pessoas, principalmente as principais pessoas para as quais ele foi feito”, diz Urbes.
“Além disso, ela também é a principal poeta lírica da literatura ocidental entre homens e mulheres. Ela é hoje reconhecida como a figura mais relevante da poesia lírica, ou seja, ela está nas origens da literatura ocidental. Então, eu sinto que estou aqui para espalhar a palavra de Safo em todas as frentes que ela é um ícone”, encerra a diretora.
A Mostra Competitiva continua neste domingo (14), com o longa Xingu à margem (BA), de Arlete Juruna e Wallace Nogueira, e o curta Dança dos vagalumes (PR), de Maikon Nery. A exibição dos filmes vai até a próxima sexta (19) e os vencedores serão anunciados durante cerimônia no Cine Brasília, no sábado (20).
Diversão e Arte
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