Artes visuais

Arte e resistência: Museu do Amanhã recebe exposição sobre os Yanomami

Poucos meses antes da COP, o Museu do Amanhã abre as portas para exposições que convidam os visitantes a entenderem a importância do maior evento de sustentabilidade do mundo

Intitulada Ocupação Esquenta COP, a mostra incentiva o público a responder, por conta própria, a importância e a finalidade do evento que será realizado de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Pará -  (crédito: Christus Nóbrega)
Intitulada Ocupação Esquenta COP, a mostra incentiva o público a responder, por conta própria, a importância e a finalidade do evento que será realizado de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Pará - (crédito: Christus Nóbrega)

Meses antes de o Brasil sediar o maior evento de sustentabilidade do mundo, o Museu do Amanhã, um dos principais do país, convida os visitantes a entenderem do que trata a Conferência das Partes, a COP. Intitulada Ocupação Esquenta COP, a mostra incentiva o público a responder, por conta própria, a importância e a finalidade do evento que será realizado de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Pará, e reunirá representantes de políticos de todo o globo. Em meio às três exibições dispostas na área expositiva, destaca-se a inédita Claudia Andujar e seu universo: Ciência, sustentabilidade e espiritualidade, com a obra da renomada fotógrafa que dedicou a carreira à causa dos povos yanomami.

Iniciado na década de 1970, o trabalho de Claudia com o grupo indígena que vive na Floresta Amazônica segue até hoje. "Continuo a lutar para que eles sejam respeitados como um povo. Não são umas aldeias aqui, outras lá. Normalmente eles falam a mesma língua e têm que ficar unidos, isso é o mais importante. O governo brasileiro nunca teve interesse em mantê-los como um povo, mas vamos continuar lutando. Eles mesmos entenderam como isso é importante", diz a fotógrafa suíça radicada no Brasil.

Sob curadoria de Paulo Herkenhoff, a mostra apresenta vídeos, desenhos e instalações que revelam as diferentes perspectivas sobre memória e cultura e os desafios enfrentados por tais comunidades. "Os governos não têm interesse nos povos indígenas", afirma a artista de 94 anos. "Tenho um conjunto de trabalhos que viaja por diversos países para que o mundo veja quem são os Yanomami. É muito importante. É uma luta contínua. Eles precisam se manter fortes para manter suas terras. Os garimpeiros entram para tirar ouro da terra deles e, quanto mais entram, mais perigoso fica para eles. É preciso que eles se mantenham protegidos", acrescenta.

"Hoje, eles entendem o que está acontecendo. Entendem como é importante se manterem organizados e em diálogo. Senão acabam enquanto povo. Os governos no Brasil nunca entenderam o que é o povo yanomami. No passado, nós íamos muito a Brasília para falar sobre eles. É importante continuar essa conversa", defende a fotógrafa.

Ao todo, são 130 fotografias de Claudia que dialogam com trabalhos de outros artistas, como Cildo Meireles, Sebastião Salgado e Christus Nóbrega, morador da capital federal. "Trazer a luta e a cosmologia yanomami, registradas de forma tão profunda por Claudia Andujar, para um espaço que debate o futuro, é um ato político de grande força. O trabalho dela é um marco, uma denúncia que deu rosto à causa desses povos, tornando impossível ignorar a violência e a negligência que eles sofreram e ainda sofrem", declara o artista.

"Expor esse legado no centro do debate nacional, às vésperas da COP em Belém, nos lembra que não há como discutir o futuro do planeta sem ouvir os povos da floresta", completa.

Representatividade

Autor do trabalho Jogo de ossos, Christus conta que a ideia da obra nasceu de uma necessidade de "tensionar a narrativa oficial da fundação de Brasília". Para criá-la, o artista contou com ajuda da inteligência artificial para trazer uma cena ficcional em que o urbanista Lúcio Costa utiliza ossos para desenvolver o plano urbanístico da capital. "A criação da cidade é quase sempre contada como um gesto épico, racional, o triunfo do modernismo que brotou do zero no Planalto Central. Eu quis investigar o que estava por baixo dessa superfície, o que essa narrativa apagava", relata.

Segundo ele, na obra, o oráculo de ossos jogados por Lúcio Costa é uma referência direta "às práticas divinatórias de matrizes africanas". "E isso serve de alegoria para lembrarmos que Brasília foi construída sobre parte do quilombo Mesquita", destaca. "Os ossos, nesse jogo metafórico, são os próprios fundamentos da cidade: representam os corpos anônimos dos candangos que morreram na construção, as comunidades quilombolas e os povos originários que foram deslocados, e toda a ancestralidade que foi soterrada em nome do 'progresso'", continua.

"A obra, portanto, busca renarrar a fundação de Brasília não como uma página em branco, mas como um ato complexo e até violento, inscrito sobre um território já carregado de história e de vidas", explica. Para Christus, o diálogo direto entre Jogo de ossos e as fotografias de Claudia resulta, de um lado, na realidade e a resistência dos corpos na floresta e, do outro, num questionamento dos mitos da fundação do poder central em Brasília, evocando os corpos e as ancestralidades soterradas pelo projeto modernista.

"Essa justaposição, criada pelo curador Paulo Herkenhoff, sugere que a violência contra os yanomami na Amazônia e o apagamento das histórias dos candangos, quilombolas e indígenas no Planalto Central, nascem da mesma matriz de pensamento, do mesmo projeto de 'desenvolvimento' que ignora vidas e saberes", finaliza o artista.

Para Herkenhoff, a representatividade candanga na exposição não para por aí. "Vemos Brasília sendo representada, também, como a sede da constituinte, onde foram realizados inúmeros protestos indígenas. A obra de Edu Simões, por exemplo, traz caixões em frente ao Congresso Nacional, em meio a uma cor vermelha, que representa tanto o vermelho sanguíneo, dos genocídios, como também dos partidos de luta", interpreta o curador.

Claudia Andujar e seu universo: Ciência, sustentabilidade e espiritualidade fica exposta até 4 de novembro na Ocupação Esquenta COP. Além do trabalho da fotógrafa, fazem parte da mostra Água Pantanal fogo, que reúne imagens dos fotodocumentaristas brasileiros Lalo de Almeida e Luciano Candisani, sob curadoria de Eder Chiodetto, e Tromba d'água, que traz pinturas, fotografias e videoartes de 14 mulheres latino-americanas.

 

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postado em 22/09/2025 06:00
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