Cinema

Festival de cinema: 4º dia de Mostra Competitiva Nacional dá destaque ao cinema do Nordeste com narrativas LGBTQIAPN+

Corpo da Paz, Boi de Salto e Couraça foram exibidos no Cine Brasília com narrativas históricas e políticas

Corpo da paz foi gravado e produzido em 2020, mas só foi finalizado este ano por questões financeiras -  (crédito: Mariana Reginato)
Corpo da paz foi gravado e produzido em 2020, mas só foi finalizado este ano por questões financeiras - (crédito: Mariana Reginato)

A Mostra Competitiva Nacional chega ao quarto dia com histórias de ficção que abordam momentos históricos do país e narrativas LGBTQIAPN+. Na noite desta terça-feira (16/9), os filmes exibidos foram o longa Corpo da paz (PB), de Torquato Joel, Boi de salto (PI), de Tássia Araújo, e Couraça (BA), de Susan Kalik e Daniel Arcades.

O longa da noite é Corpo da paz do diretor paraibano Torquato Joel. A trama é ambientada no sertão em plena ditadura militar e acompanha o garoto Teobaldo, que enfrenta um embate entre desejo e repressão quando um pesquisador americano chega ao Centro de Pesquisas do Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS).

Torquato Joel enxerga que o Festival de Brasília tem um caráter específico de linguagem e uma maturidade curatorial e de público. “Uma coisa que me impressiona bastante é uma sala tão grande ter uma frequência muito grande de pessoas. Ontem, em uma segunda-feira, em plena segunda, a sala estava lotada. Que maravilha”, elogia o paraibano.

Corpo da paz foi gravado e produzido em 2020, mas só foi finalizado este ano por questões financeiras. O lançamento do longa agora tem um significado especial para o diretor, que acredita em uma sincronia da estreia em um momento político importante no país.

“Tem uma palavra chamada sincronicidade, é que as coisas convergem, que se atraem. Então, a gente terminou esse filme em 2020, mas a gente estava sem grana para concluir. A gente conseguiu, só agora, com a Lei Paulo Gustavo, o recurso para finalização. E a gente termina o filme neste ano, inscreve em Brasília, no ano em que a gente está tendo esse xeque-mate em termos do Brasil colocado em sua soberania”, ressalta.

A quarta noite do festival traz três filmes nordestinos e Torquato ressalta a importância do incentivo para projetos audiovisuais do Nordeste. “Eu acho que é preciso uma regularidade, no incentivo, numa política pública para o desenvolvimento do audiovisual, porque a gente tem interrupções. Tomara que a partir de agora a gente tenha essa regularidade. E o Nordeste é plural. Se o Brasil é plural, o Nordeste também tem suas pluralidades. E é massa que a gente tem um filme do Piauí, outro da Bahia, e um da Paraíba. Estou ansioso para ver os colegas dos outros estados”, reforça.

Fabíola Moraes interpreta Aurora, mãe do personagem principal Teobaldo. Para ela, o Festival de Brasília “é uma janela tão importante no cinema brasileiro”. “É um festival que o filme que passa por aqui, ele acaba tendo uma visibilidade muito interessante”, explica.

Retratando a ditadura, Vinicius Guedes, também ator em Corpo da paz, reflete que o momento atual possuiu ameaças semelhantes. “O timing não podia ser melhor, o filme veio em um momento muito síncrono com o que está acontecendo, as vísceras do imperialismo estão expostas. O filme retrata a ditadura e nós vivemos quase uma retomada de 1964”, reflete.

Além disso, o ator descreve o longa como um filme de muitas camadas. “ Traz questões sobre sexualidade, sobre pertencimento, sobre o corpo e desejos”, afirma.

Com direção de Tássia Araújo, Boi de salto mistura tradições piauienses com a busca da identidade do garoto Abdias. Filho de Francisco e Catarina, que fugiram de uma fazenda e chegam a Teresina para recomeçar, Abdias sonha em dançar de salto alto no grupo mais tradicional de Bumba-Meu-Boi da sua cidade.

A diretora conta que Boi de salto é fruto de 12 anos de pesquisa, e é um filme sobre “resistência, liberdade e memória”. “Estamos muito felizes em integrar a mostra competitiva de curtas de um dos maiores e mais importantes festivais de cinema do Brasil. O Festcine Brasília faz parte da minha história: já estive presente como público em edições anteriores (2012, 2015 e 2018), aprendendo um pouco sobre cinema na tela do Cine Brasília. Hoje, estar com um filme no festival é a realização de um sonho para todos nós e uma vitória para o cinema piauiense”, conta a diretora.

O curta baiano, Couraça, é dirigido por Susan Kalik e Daniel Arcades, traz a história de dois cangaceiros amantes que cruzam o sertão após o massacre do bando de lampião. O objetivo da viagem é levar uma cangaceira grávida de volta para casa de sua família, enquanto enfrentam escolhas que tomaram em um mundo que já não existe mais.

Arcades comenta que o grupo de Lampião evoca “um imaginário de violência, com imagens associadas à guerra”, mas há uma riqueza de discussão acerca da masculinidade. “Ao refletir, percebemos que também valorizavam a estética, os homens se preocupavam com a indumentária, sugerindo uma lógica distinta, talvez ainda não totalmente compreendida”, diz.

“A história desses personagens demonstra que, mesmo em um grupo que aparentemente homogeneizava a maneira de ser homem, existiam indivíduos com desejos, processos e identidades diversos, incluindo a sexualidade”, explica.

Para o diretor, o curta reflete sobre a vivência LGBTQIAPN+ nos dias atuais. “Trata-se de nossas estratégias de sobrevivência, que podem se manifestar no cangaço, em nossos trabalhos cotidianos ou até mesmo em nossos lares. Acredito que o filme aborda a maneira como nos sustentamos em espaços que nos violentam, mas também nos acolhem”, finaliza.

Sobre a oportunidade de apresentar seu filme em Brasília, Susan revela estar muito feliz: “Estar aqui, eu acho que é o desejo de todo mundo que faz cinema no nosso país”. A diretora comenta sobre o curta-metragem, e afirma que “ele traz a possibilidade de a gente discutir sobre afeto, em lugar que o imaginário trabalhou como um lugar de muita violência, que é o cangaço”.

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Couraça apresenta um olhar íntimo e afetivo sobre o cangaço, e é ambientado logo após o massacre do grupo de Lampião. Cada personagem do grupo segue um caminho diferente: “tem aquele que fala: eu vou continuar indo para onde eu ir, ou: eu vou voltar para a casa dos meus pais e o outro personagem que diz não, eu preciso ir para um outro lugar que eu nunca fui”.

A Mostra Competitiva continua nesta quarta (17), com exibições no Cine Brasília e no Complexo Cultural Planaltina. Os filmes da noite são Aqui não entra luz (MG), de Karol Maia, A Pele do Ouro (RR), de Marcela Ulhoa e Yare Perdomo, e Cantô Meu Alvará (MG), de Marcelo Lin.

Colaborou Ricardo Daehn*

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BL
JC
postado em 16/09/2025 22:23
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