Festival de Cinema: Protagonismo feminino dá o tom do terceiro dia de Mostra Competitiva

Os três filmes exibidos na noite desta segunda-feira (15/9) — Quatro meninas, Faísca e Laudelina e a felicidade guerreira — foram dirigidos por mulheres

Equipe de Quatro meninas apresenta o longa da terceira noite de Mostra Competitiva no Festival de Cinema -  (crédito: Isabela Berrogain/CB/D.A Press)
Equipe de Quatro meninas apresenta o longa da terceira noite de Mostra Competitiva no Festival de Cinema - (crédito: Isabela Berrogain/CB/D.A Press)

O terceiro dia de Mostra Competitiva Nacional do Festival de Cinema de Brasília deu destaque ao protagonismo feminino por trás e em frente às câmeras. Na noite desta segunda-feira (15/9), os três filmes exibidos foram dirigidos por mulheres — o longa Quatro meninas (RJ), de Karen Suzane; e os curtas Faísca (CE), de Bárbara M Kariri, e Laudelina e a felicidade guerreira (RJ), de Milena Manfredini.

Ao mostrar personagens que optam pela coragem e fogem de ambientes que as prendem e oprimem, a narrativa de Quatro meninas se relaciona com a experiência feminina no século 21, mesmo que a história do longa se passe em 1885. Na trama, as protagonistas, que moram em um casarão abandonado, enfrentam desafios de convivência — as mulheres negras exploram poder, amor e sonhos de futuro, enquanto as brancas resistem a assumir tarefas domésticas, cuidar de si e reconhecer erros.

“Acho que a conexão entre a história e o tempo atual é no sentido que podemos fazer nossas escolhas e devemos fazer isso sem medo. O filme nos convida a trazer o que tem de bom dentro da gente para fora e experienciar o novo”, explica a diretora Karen Suzane.

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Estreando seu primeiro longa, Karen destaca a importância de dividir a noite com mais duas diretoras. “As mulheres, na sociedade como um todo, devem e podem alcançar os cargos mais altos de poder, e a partir do momento que nós conseguimos alcançar esses lugares, a gente está reverberando o que a gente sente, trazendo coisas muito benéficas pro mundo”, ressalta a cineasta. “É muito importante fazer isso, ser o que a gente nasceu pra ser e dirigir esses filmes”, conclui.

Em Quatro meninas, a atriz Ágatha Marinho interpreta Tita, a mais velha do grupo. A personagem, apesar da frieza que lhe é característica, acaba por ocupar a função de cuidado com a outras no internato. Quando Tita, Lena, Francisca e Muanda decidem fugir, descobrem que as quatro sinhás às quais são subordinadas também desejam escapar. Neste momento, o filme revela a misoginia que afeta todos os corpos femininos.

"Esse contraste entre as quatro meninas escravizadas e as quatro sinhás é muito interessante e importante de ser debatido porque elas compartilham a opressão até certo ponto", comenta Ágatha Marinho. Quando elas fogem para o casarão e os papéis de hierarquia são questionados, “acontece uma revolução", afirma.

"No final, da forma que tem que ser ser, que não é leve, as oito conseguem chegar num senso comum de humanidade. Isso é muito interessante de ser discutido, principalmente hoje em dia com tantos grupos marginalizados cuja humanidade é deixada de lado", pondera a atriz.

Histórias da vida real

Dando início à terceira noite de Mostra Competitiva, o curta Faísca denuncia o desaparecimento das onças na comunidade kariri do interior do Ceará. “A gente começou a pensar nesse filme logo após a pandemia, época em que houve um ressurgimento das onças pardas na nossa comunidade, após um longo período de desaparecimento”, conta a diretora de arte Silvilene Matias.

“Houve muitas queimadas e muito desmatamento na caatinga como um todo, o que causou um afastamento de animais de diversas espécies. Após a pandemia, tudo isso diminuiu e as onças reapareceram e foi aí que nos questionamos do porquê desse ressurgimento”, explica. “Eu acho que não tem como fazer arte ou qualquer outra coisa sem pensar no meio ambiente. É uma questão central em todas as discussões e não tem como a gente deixar isso de lado. É uma necessidade, uma urgência”, afirma Silvilene.

“Faísca é um grito de socorro, mas, ao mesmo tempo, um grito de alegria em prol da vida e da biodiversidade”, declara Silvilene, que também é bióloga e ressalta o protagonismo femino na obra.

Segundo a diretora de arte, o filme é um curta feito por mulheres de diferentes idades, “inclusive indígenas do povo kariri”. “É um projeto de muito afeto, porque é familiar. A diretora é minha irmã, e minha mãe, minha sobrinha e minha avó aparecem no filme”, adianta.

No segundo curta da noite, Milena Manfredini homenageia Laudelina de Campos Mello, ativista negra e idealizadora do primeiro sindicato das empregadas domésticas no Brasil. Enquanto antropóloga, pesquisadora, cineasta e mulher negra, Milena ressalta a importância de visibilizar histórias e existências negras: “Não que Dona Laudelina precise de mim para nada, porque ela já é imensa por sua própria natureza, mas é importante dar o movimento em direção a essa memória que, na minha percepção, deveria ser muito mais difundida, que tinha que está presente nos livros escolares”.

A cineasta teve contato com a trajetória de Laudelina por meio de pesquisas sobre trabalho doméstico na graduação, mestrado e doutorado. Para ela, dar visibilidade para esta história é honrar seu compromisso político e sua relação com a sétima arte.

Além disso, ela reforça a importância da presença feminina na frente e por trás das câmeras: “Laudelina foi uma figura importantíssima para o movimento negro e para a história brasileira. Uma mulher extremamente à frente do seu tempo. Para mim, é simbólico apresentar o curta em uma sessão feminina. Acredito que o cinema feminino é muito rico e não tem tanta visibilidade quanto merece. Ainda mais se a gente for fazer um recorte de raça e de gênero”, finaliza.

A Mostra Competitiva continua nesta terça (16), com exibições no Cine Brasília e no Complexo Cultural Planaltina. Os filmes da noite são Corpo da paz (PB), de Torquato Joel, Boi de salto (PI), de Tássia Araújo, e Couraça (BA), de Susan Kalik e Daniel Arcades.

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JP
postado em 15/09/2025 23:24 / atualizado em 15/09/2025 23:24
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