
A cineasta brasiliense Rafaela Camelo retorna ao Festival de Cinema de Brasília com o longa A natureza das coisas invisíveis, obra exibida neste sábado (20/9), no encerramento do evento. Formada em Audiovisual pela Universidade de Brasília (UnB), a diretora falou ao Correio Braziliense sobre sua trajetória, os desafios da distribuição de filmes no país e o desejo de conquistar reconhecimento, sobretudo, em território nacional.
Durante a entrevista aos jornalistas Ricardo Daehn e Mariana Reginato, Rafaela relembrou a formação acadêmica e o contato inicial com o cinema ainda na adolescência, quando frequentava cursos de Sérgio Moricone, na 508 Sul, e as disputadas sessões do Festival de Brasília. "Eu não venho de uma família que tinha bagagem cultural forte. Então, estar nesses espaços foi essencial para entender o funcionamento do cinema e como poderia me integrar a ele", conta.
A diretora também destacou o peso da experiência internacional em festivais, como Berlim, mas ressalta que seu objetivo maior é o público brasileiro. Para ela, a valorização no exterior tem importância, mas não substitui a necessidade de fortalecimento interno do cinema nacional. "O grande lugar é o Brasil. É aqui que a gente precisa valorizar os nossos filmes. Lá fora, por mais especial que seja conquistar uma janela, tudo acontece de forma muito rápida. O que eu quero é reconhecimento em casa", afirmou.
Temas universais
A natureza das coisas invisíveis aborda temas complexos, como morte, maternidade e relações intergeracionais, mas parte da perspectiva de personagens infantis. A escolha, segundo Rafaela, surgiu do desejo de tratar a finitude da vida sem dureza excessiva, mas sem perder a honestidade. "Era muito importante não banalizar a morte. A ideia era falar sobre isso de maneira sensível, quase como um filme coração quentinho", explica.
A produção também reflete marcas da pandemia de covid-19, período que, para a diretora, intensificou a ausência de rituais de despedida e o luto coletivo. "O filme nasce desse desejo de tratar o tema com cordialidade, num momento em que estávamos perdendo tantas pessoas sem poder nos despedir", disse.
Outro destaque da narrativa é a presença majoritária de personagens femininas, algo que, segundo a cineasta, ocorreu naturalmente, mas que dialoga com sua filmografia anterior. "Eu queria contar a história de duas meninas no centro da trama. E, quando expandi esse núcleo, me pareceu natural que fossem duas mães, já que o cuidado, historicamente, é um trabalho relegado às mulheres", detalha.
Telas internacionais
Formada na turma de 2010 da UnB, Rafaela começou a trajetória acadêmica acreditando que seguiria o jornalismo, mas se encantou com as disciplinas de audiovisual. Seus primeiros contatos profissionais ocorreram ainda durante a graduação, enquanto acompanhava de perto o Festival de Brasília.
Antes de estrear no longa-metragem, construiu carreira sólida nos curtas. Produções como As miçangas e O mistério da carne, que esteve na Mostra Brasília da 51ª edição do festival, consolidaram sua abordagem delicada de temas sensíveis, sempre permeados por religiosidade, espiritualidade e questionamentos sociais. "No Mistério da carne, fui mais ácida ao falar sobre a criação opressiva em ambientes religiosos. Já em A natureza das coisas invisíveis, a espiritualidade aparece como parte cotidiana da vida das personagens, sem um rótulo específico", afirmou.
Desafios do mercado
O longa é uma coprodução Brasil-Chile e conta com distribuição nacional da Vitrine Filmes, dentro do projeto Sessão Vitrine Petrobras, que garante ao menos um mês de exibição em salas com ingressos populares. A estreia está prevista para 27 de novembro.
Apesar da conquista, a diretora reconhece as dificuldades estruturais do setor. "O Brasil tem muitos filmes e poucas salas de cinema. Em Gramado, foram 340 inscrições para apenas 10 selecionados. Esse descompasso torna o ambiente cruel, porque há uma safra enorme de obras financiadas por leis de incentivo que talvez nunca encontrem o público", analisou.
Expectativa para Brasília
Exibir o filme em sua cidade natal tem significado especial para Rafaela. "É um grande prazer passar em casa, reunir a equipe e celebrar essa trajetória. Espero que a sessão seja emocionante e que desperte no público a vontade de assistir também quando o longa entrar em cartaz", declarou.
Ao refletir sobre o prestígio internacional do cinema brasileiro, que recentemente celebrou vitórias de nomes como Gabriel Mascaro e Kleber Mendonça Filho, a diretora reiterou sua convicção: "Existe reconhecimento lá fora, especialmente em festivais como Berlim, que abraçam muito o cinema brasileiro. Mas o público com quem eu quero me comunicar é o daqui. Meu medo é ser uma diretora de um filme só, e, para seguir produzindo, eu preciso de reconhecimento em casa".
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