
Um mosaico que explora 100 anos de arte brasileira a partir de um olhar histórico, mas também culturalmente diverso, foi o fio condutor da curadora Denise Mattar para reunir as 79 obras da exposição Nossos Brasis: entre o sonho e a realidade, em cartaz na Caixa Cultural a partir de hoje. Com trabalhos de 50 artistas trazidos de nove instituições e de coleções particulares, Denise conta uma história que começa na década de 1920 e chega ao século 21 entrelaçada a um projeto que celebra os 45 anos da Caixa Cultural com exposições em todas as oito unidades distribuídas por capitais brasileiras. "Acabou que a gente está fazendo um panorama que vai da década de 1920 à década de 2020. É uma oportunidade de uma exposição importante para a formação de público, que era o objetivo, com grandes nomes da arte brasileira", avisa a curadora.
Denise dividiu a exposição em três núcleos — Vozes dos Trópicos, Vozes da Rua e Vozes do Silêncio —, opção na qual pôde explorar e organizar temáticas de maneira a deixar de lado a cronologia e investir na própria trajetória da arte brasileira e da formação histórica do país. "Vozes dos trópicos é um módulo que tem artistas que levaram os o país para fora do Brasil", explica a curadora.
Nessa seção, Tarsila do Amaral e Burle Marx são incontornáveis, presenças norteadoras. Burle Marx mudou a visão do mundo com relação aos jardins ao introduzir as plantas tropicais, enquanto Tarsila, ao expor em 1926 em Paris, bagunça a visão do imaginário amazônico cultivada pelo europeu e oferece a realidade caipira da fase pau Brasil. A obra em cartaz na Caixa, O mamoeiro, fez parte da exposição parisiense. O imaginário tropical também ganha corpo nesse conjunto com as pinturas de Beatriz Milhazes, Mariana Palma e Sandra Mazini.
Maria Martins, com uma versão anterior à modelagem final de Impossível, também está neste módulo, que apresenta ainda artistas cuja visão crítica e questionadora orienta boa parte da produção. Os neoconcretistas Lygia Pape, Lygia Clark e Hélio Oiticica estão nesse segmento. Três parangolés, de Oiticica, ficam disponíveis para serem manuseados pelo público, assim como um Bicho, de Clark. Em uma projeção, os visitantes podem acompanhar a célebre performance O ovo, em que Lygia Pape explora a metáfora do nascimento.
Em seguida, o universo indígena é tema de uma série de obras. "Eu quis mostrar que os artistas brasileiros, já na década de 1970, se preocupavam com a questão indígena", explica Denise, que reuniu trabalhos de Glauco Rodrigues sobre a questão e exemplares da série Indigente, de Rubens Gerchman. "Ele faz esse questionamento de como estava caminhando a questão indígena nos anos 1970. E Lygia Pape também, quando fez toda a série do Manto Tupinambá. Trouxemos o Concerto Tupinambá", conta a curadora.
Ainda em Vozes dos Trópicos, ela colocou lado a lado obras de Jaider Esbell e Chico da Silva, artistas de origem indígena cujo diálogo encontra naturalidade surpreendente. "Era um sonho da minha vida juntar as obras dos dois. Elas conversam, e você vê toda a fartura, a mitologia envolvida", revela Denise, que também trouxe obras de Denilson Baniwa. "Essa mítica desse imaginário indígena fica tão marcante quando você olha esse conjunto de obras", garante. Outro grupo de artistas fala das cicatrizes da colonização: Adriana Varejão, Iuri Sarmento e Luana Vitra. "E aí temos um conjunto que está mais na matriz africana, com Dalton Paula, Nadia Taquary, O Bastardo, Sidney Amaral, Rosana Paulino", avisa Denise. Vozes dos Trópicos é o maior módulo e ocupa a galeria central, enquanto os outros dois estão divididos pelas Piccola 1 e Piccola 2.
Vozes da rua reúne artistas que olham para o povo brasileiro, para as manifestações de rua e até para o trabalho na rua. Heitor dos Prazeres, Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Cândido Portinari e Djanira estão nesse módulo. Desta última, um painel de 4,8 metros de comprimento, obra feita para um navio e que trata da indústria automobilística nos anos 1960, ocupa lugar de destaque. "Quando Djanira se dedica à questão dos trabalhadores, ela pesquisa a indústria, então esse painel é um registro de como era a indústria na época", explica a curadora. De Portinari, há uma obra da série dedicada aos músicos e de Di Cavalcanti, um painel de origem curiosa. A pintura retrata uma cena de carnaval, com um grupo de homens prontos para descer o morro e brincar na rua. O artista vendeu a obra em 1937 para um colecionador residente em Paris e a pintura ficou na capital francesa até dois anos atrás. "Foi uma super descoberta esse painel. É uma obra praticamente inédita", garante Denise. Nomes contemporâneos, como Fábio Baroli, com suas cenas de interior de Minas Gerais, e Os Gêmeos e Cobra, referências de murais de rua, completam esse módulo.
O último módulo, Vozes do Silêncio, é dedicado a artistas que não tiveram o Brasil ou as brasilidades como ponto de partida, mas mergulharam em universos mais interiores e subjetivos. Siron Franco, Ismael Nery, Daniel Senise, Farnese de Andrade, Nelson Leirner e Artur Bispo do Rosário fazem parte desse conjunto. "A repetição da questão da apropriação de objetos, muito ligada à questão da memória e a uma visão mais interior, mais introspectiva, aparece aqui", avisa a curadora, que encara a exposição como um verdadeiro panorama da arte brasileira dos séculos 20 e 21.

Diversão e Arte
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