
Humberto Morais chega ao set com o corpo preparado e o espírito em estado de escuta. Aos 31 anos, o ator paulistano vive o auge da carreira na pele de Marlon, protagonista da novela Dona de mim, da Globo — um lutador de kickboxing e policial idealista que equilibra força física e vulnerabilidade emocional. O papel, diz ele, exigiu não apenas músculos, mas mergulho: "Subi quatro quilos para fazer o Marlon e assisti a documentários e podcasts de policiais do Rio. Eu me apaixonei pelo esporte e vou continuar, com certeza." A dedicação, porém, vai além do treino. Humberto é desses intérpretes que se colocam inteiros nos personagens — com o corpo, a voz e o que não se vê.
Antes de brilhar na televisão aberta, ele já havia chamado atenção nas séries Sutura, do Prime Video, e DNA do crime, da Netflix. A trajetória, marcada por escolhas ousadas, é atravessada por um compromisso que o artista repete com serenidade e firmeza: representar. "Eu sei o quanto é pesado não ter uma referência. E é maluco pensar que existem jovens que fazem coisas me tendo como uma referência. Rezo para que eu não me perca nesse caminho." Em um país em que protagonistas negros ainda são exceção, Humberto carrega o papel de Marlon como quem segura um espelho voltado para muitos. "Mostra para a indústria a potência de nossos corpos ao contarmos nossas histórias", diz ele. "Para o público, dá esperança de se verem e se reconhecerem nas telas."
No entanto, sua expressão não se limita à atuação. A música, primeiro território artístico de Humberto — influenciado pelo ragga —, segue pulsando como bússola. "Eu sempre construo com música. Cada personagem tem suas fases e uma playlist para cada uma delas. Música é magia ancestral", define. E na moda, outra de suas linguagens, ele encontra poder e proteção. "Aprendi que se eu não me vestir bem, a sociedade vai me maltratar. Gostar de se vestir, para alguns homens negros, é um mecanismo de defesa", desabafa.
Humberto busca histórias que desloquem perspectivas e ampliem o olhar sobre o que é ser um homem negro na tela e fora dela. Quer interpretar um artista plástico que descobre o talento na pichação, ou um jovem de classe média "que vive em um não lugar". Porque, como ele mesmo diz, "todo trabalho tem suas dores e delícias, mas tudo é teatro". E no caso de Humberto, o foco é mostrar para o mundo que está "vivo, presente e atento".
Entrevista / Humberto Morais
Marlon é policial e lutador de kickboxing. Como foi o processo de preparação para incorporar essas duas características tão físicas e mentalmente demandantes?
Eu subi 4kg pra fazer o Marlon, saí de 76/77 para 80/81. Para entender o pensamento, eu vi alguns podcasts de policiais do Rio de Janeiro e documentários. Na luta, tive minha preparação da novela e mergulhei nesse mundo assistindo ao esporte. Não consegui me dedicar como queria, mas me apaixonei pelo esporte e vou continuar com certeza!
Qual foi o maior desafio físico que enfrentou durante as gravações? Aprender kickboxing mudou algo em você pessoalmente?
Os maiores desafios físicos foram as gravações dos campeonatos, foram horas lutando para entregar as coreografia, e outro desafio foi manter o shape nessa maratona de gravações. A luta mudou minha visão de mundo, não só como eu olho para o mundo, mas como me relaciono com ele.
Marlon é um policial que acredita em fazer a diferença. Como você vê a importância de representar um personagem com essa postura positiva dentro de uma instituição tão complexa e frequentemente criticada?
Acho delicado, porém importante. Uma sociedade precisa das suas polícias. Espero que o Marlon contribua como exemplo para as pessoas que têm o sonho de serem policiais e rezo para que essas pessoas se mantenham no caminho do bem, no caminho do servir.
Além das lutas e da farda, o que em Marlon mais ressoa com a personalidade do Humberto? E o que foi mais desafiador por ser muito diferente de você?
Eu e Marlon somos idealistas, acreditamos que temos o poder de mudar o mundo. Porém, o Marlon é mais ingênuo que eu.
Você mencionou em outras ocasiões que busca ser uma referência para jovens negros. Como você lida com o peso e a responsabilidade dessa missão?
Eu sei o quanto é pesado não ter uma referência. E é maluco pensar que existem jovens que fazem coisas me tendo como uma referência. Porém, entendo a importância e reconheço a grandiosidade de ser espelho. Rezo para que eu não me perca nesse caminho.
Ver um homem negro como protagonista de uma novela, em um papel multifacetado (herói, lutador, policial, romântico), ainda é uma exceção. Na sua opinião, o que a escolha para esse papel representa para a indústria e para o público?
Mostra para a indústria a relevância e a potência de nossos corpos ao contarmos nossas histórias. Para o público, acredito que dá esperança para se verem e se reconhecerem nas telas, algo muito importante para a construção da nossa autoestima.
Que tipo de papel ou história você ainda gostaria de interpretar para contribuir com uma representação ainda mais diversa e rara da população negra na televisão?
Gostaria de fazer um artista plástico que aprendeu na pichação o seu talento, ou um jovem de classe média que vive em um não lugar por estar longe dos seus iguais.
Sua carreira começou na música, no universo do ragga. Como a experiência musical influencia sua atuação? Você sente um ritmo ou uma musicalidade diferente ao interpretar um personagem?
Eu sempre construo com música. Cada personagem tem suas fases e uma playlist para cada uma delas. Música é magia ancestral e acredito que essa alquimia muda nossa vibração interior e ajuda a alinhar com a temperatura das situações que os personagens irão viver.
Você já atuou em produções da Globo, Netflix e Prime Video. Como você compara a experiência de trabalhar nessas diferentes plataformas? Existe uma diferença criativa significativa?
Todo trabalho tem suas dores e delícias, mas tudo é teatro.
Sua presença no mundo da moda é marcante. Como o seu estilo pessoal complementa e dialoga com a sua expressão artística?
Eu ouvi esses dias de um pensador de moda que "estilo é sobre estar presente" e concordo com ele. Gosto de me vestir para mostrar para o mundo que eu estou vivo, presente e atento.
O universo da moda permite uma expressão de identidade muito forte. Como você vê a relação entre moda, autoestima e representatividade, especialmente para homens negros?
Desde muito cedo, aprendi que se eu não me vestir bem, a sociedade vai me maltratar. Não tenho a liberdade que meus amigos brancos têm de sair mal vestido na rua, pode ser perigoso no meu caso. Gostar de se vestir, para alguns homens negros, é um mecanismo de defesa.
Com a grande visibilidade de Dona de mim, quais são seus planos e sonhos para o futuro? Existe algum projeto específico (em qualquer linguagem artística) que você queira concretizar?
Meus últimos trabalhos têm tido muita ação e eu gosto muito disso. Quero continuar fazendo projetos de ação, porém sou um apaixonado pelo ofício e pelas surpresas que ele sempre me reserva.
Que conselho você daria para um jovem ator negro que está começando na carreira hoje, inspirado pela trajetória que você está construindo?
"Acredita meu irmãozinho! Eu sei que dá medo, a barriga fica gelada, mas tem muita gente que acredita em você e muitas vezes você nem sabe. Mantenha-se vivo e ame muito. Te amo menó!"
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