Como ressignificar a ausência de quem foi seu porto seguro? Para o ator e autor Daniel Pereira, a resposta veio por meio da arte. Seu curta-metragem de estreia, Refúgio, é um mergulho íntimo e visceral na jornada de um filho que, após perder quem foi seu abrigo, encontra no amor, na memória e na fé um novo sentido para a vida. Baseado em fatos reais, o filme celebra a força silenciosa de quem, mesmo ferido, reencontra esperança nas pequenas coisas — no café na cozinha, no abraço de uma amiga, na dança solitária.
Inspirado na relação com a própria mãe, que faleceu em 27 de junho de 2020 após uma batalha de oito anos contra o câncer, o projeto é mais do que uma realização artística. "Sempre vi a arte como uma forma de ressignificar qualquer momento em nossa vida, e foi através dela que tive curas... fazer nossa história um filme é a mais pura e sincera homenagem que poderia fazer a ela", conta Pereira, que não apenas atuou, como também coordenou a produção e a direção, ao lado de Denise Sganzerla.
Processo de cura
O processo de criação foi, por si só, uma jornada de autoconhecimento e cura. Daniel revela que viver todos os processos — da escrita à atuação — foi necessário, mesmo quando doloroso. "Foram processos necessários pra eu poder reviver momentos, por mais dolorosos que sejam. Eles fizeram eu entender e me curar de certa forma", compartilha. Um momento particularmente intenso ocorreu durante as filmagens, em uma cena que o fez chorar incontrolavelmente por três minutos.
"Eu por alguns minutos me desconectei do ator, do trabalho artístico, e vivi minha realidade, a ausência da minha mãe", lembra. "Temos muito essa conexão através do café, ela sempre fazia café pra mim, e refazer esse momento... foi uma dor profunda." A emoção foi tão forte que ele teve uma queda de pressão e precisou ser socorrido, quase desmaiando. A equipe parou as gravações, deu um tempo e, depois, retomou o trabalho.
Para equilibrar a necessidade de acessar memórias dolorosas com a preservação da saúde mental, Daniel contou com uma sólida rede de apoio. Amigos próximos, como a atriz e diretora de arte Marilha Galla e a assistente de direção Larissa Casale, estiveram ao seu lado. "Toda dor que a gente acessa na vida, sempre bom ter uma rede de apoio ao lado", reflete.
Desafios de uma produção independente
Tendo no currículo uma participação no filme ganhador do Oscar Ainda estou aqui, de Walter Salles, com Fernanda Torres e Fernanda Montenegro, o catarinense Daniel Pereira estrelou, em 2023, o monólogo Ao soar do sino, ressignificando, nos palcos, a abordagem sobre o câncer de mama.
Acumular as funções de ator, roteirista, diretor e produtor em uma produção independente foi um desafio hercúleo. "Literalmente tudo!", exclama, ao ser questionado sobre as dificuldades. Ele destaca, no entanto, a generosidade da arte quando o movimento é feito "com verdade e com coração". Contou com a supervisão de roteiro de Alessandro Marson (autor de novelas da TV Globo), a co-direção de Denise Sganzerla — que assumiu a direção durante suas cenas para que ele pudesse se dedicar integralmente à atuação — e com um elenco que inclui Larissa Maciel, Rodrigo Fagundes, Marilha Galla e Vini Rodrigues.
"São atores que admiro muito, sou fã! Dois grandes amigos. Pessoas de bom coração e generosos, me deram esse presente", diz sobre os colegas de elenco. Ele buscou, intencionalmente, artistas que tivessem vivência com a perda e o amor incondicional, para trazer sensibilidade às cenas.
Questionando a masculinidade
Refúgio também é um filme que questiona os padrões tradicionais de masculinidade. Daniel relata que, durante o tratamento de sua mãe, testemunhou homens abandonando suas companheiras. "Por experiência própria, meu pai traiu minha mãe quando ela mais precisou. Nunca entendi porque o ego masculino é mais importante que a dor de uma mulher, sabendo que uma mulher o gerou!", desabafa. "Eu era um dos poucos filhos que ficava do início ao fim nas quimioterapias da minha mãe... Larguei minha vida por isso, mas fiz a minha parte. Todo homem deve sua vida a uma mulher."
A presença simbólica de sua mãe no filme foi meticulosamente construída pela direção de arte de Marilha Galla, que também é uma amiga íntima. "Ela pegou fácil toda a essência. Mostrei fotos, momentos meus com minha mãe... ela reconstruiu esses cantinhos próximos da realidade", explica.
Um longa-metragem no horizonte
A história não para no curta. Daniel planeja uma versão de longa-metragem, onde pretende explorar novas camadas de sua relação com a mãe, incluindo os momentos vividos no hospital e a despedida final. Seu sonho é ter Denise Weinberg, com quem já atuou, interpretando sua mãe. "Já falei com ela sobre o projeto... tenho muito esse sonho. Eu a vejo e vejo minha mãe."
Para a jornada de Refúgio nos festivais, a expectativa é de que o filme, feito "por e com amor", possa "furar bolhas" e ganhar visibilidade. "Entreguei meu melhor e fiz com muito amor, espero que possamos ganhar espaços", torce.
Após cinco anos, Daniel conseguiu ressignificar o momento da morte de sua mãe como "lindo", um aprendizado que atribui a ela mesma. "Ela me deu essa honra de viver esse momento com ela, lado a lado... é sim o momento mais lindo que terei na vida. Nascer é um momento lindo, mas receber a honra de deixar ir... é muito forte, é muito lindo."
E se sua mãe pudesse ver o filme? "Ela ia odiar! 'Odiar positivamente'", ri, ao lembrar que ela tinha vergonha das homenagens que ele fazia nas redes sociais. "Mas, hoje, eu sei que ela está feliz e orgulhosa de mim."
Por fim, Daniel espera que Refúgio inspire o público a reconstruir relações. "Espero que histórias sejam reconstruídas, que amores sejam perdoados, que mulheres sejam cuidadas como devem ser... e que acima de tudo, a vida não acaba aqui, mas que aqui possamos ser nossa melhor versão."
Daniel finaliza com um agradecimento e um manifesto: "Queria agradecer toda minha equipe do filme Refúgio que tornaram esse sonho em realidade comigo. Sem essa galera fazendo arte independente nada estaria acontecendo em nosso cinema nacional. O Brasil deve muito a esses profissionais que fazem por amor... Viva o cinema independente, viva o cinema nacional."
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