Sóter pensou o livro Quase em quase tudo, a ser lançado hoje, às 18h, no Bar Padim (405 Norte), e amanhã, às 19h, no Bar do Kareka (CNF 2, Taguatinga), a partir da vontade de "valorizar essas pessoas que, no cotidiano, sempre encontram uma saída para algum problema que atinja a comunidade". A obra começa, justamente, pelo poema que leva o mesmo nome do livro: "nunca me especializei / sou um generalista / desses que sempre / encontram saídas / na cotidianidade / tornei-me especialista em quase: / sou quase / em quase tudo".
O segundo aspecto que motivou a publicação do livro foi a inovação da inteligência artificial. A capa, em formato quadrado e com elementos de Brasília, o prefácio e ilustrações de poemas com efeitos de nanquim foram feitos pelo Microsoft Copilot, ferramenta de IA da Microsoft. "Eu estava brincando de ilustrar os poemas, só para conhecer, e pensei 'vou fazer uma parceria com isso'. Fiz algumas ilustrações de poemas e ficaram muito boas, me empolguei e pedi para fazer a capa. Depois, peguei e pedi mais longe: para escrever o prefácio do livro. Achei o maior barato, nem eu mesmo escreveria um prefácio desse jeito", conta Sóter.
Poeta da geração mimeógrafo de Brasília, que se utilizava da ferramenta para publicar livros de forma independente, Sóter considera a inteligência artificial apenas como uma "ferramenta". "Minha curiosidade sobre a IA foi a mesma sobre o mimeógrafo, que acabou criando condições para publicar os livros em Brasília", explica. "Eu me apropriei dele pra agitar Brasília, então aqui estou me apropriando da IA como ferramenta, assim como são o lápis, o caderno, o WhatsApp."
Para ele, o mecanismo é análogo ao funcionamento de agências de publicidade, por exemplo, com a diferença que o resultado é entregue em "segundos". "O que vai determinar o conteúdo e sua execução pela IA é justamente o comando que você dá. Ou seja, o autor dá o comando, como a gente faz ao encomendar uma peça a uma agência de publicidade: dá um briefing e aquela agência entrega um resultado. Com a IA é a mesma coisa, você faz um briefing, te dá um resultado e, se não gostou, pede pra mudar", diz. Apesar disso, ressalta que os poemas são "analógicos": "Gosto de brincar com as palavras e não vou terceirizar isso."
Geração mimeógrafo
Sóter diz que "não há início" para sua trajetória na poesia. "A partir do momento que se aprende a ler e escrever, começamos a brincar com palavras e imagens, sem qualquer consciência", conta. "Acaba que aquilo vai se desenvolvendo, nós vamos convivendo com a forma de se ver o mundo e detalhes que outros não veem, começamos a ver as nuances com as palavras que vamos aprendendo e fica quase que natural."
A diferença está em quando se assumiu poeta. Para ele, José Luiz nasceu em Goiás; Sóter é de Brasília. A geração mimeógrafo, relembra, começou de forma espontânea. O escritor havia se mudado para Brasília há pouco tempo para assumir a posse de um concurso e, enquanto andava pela cidade com Paulo Tovar, amigo de infância e também poeta, encontraram Nicolas Behr vendendo um livro num bar. "Foi aquele momento 'eureka!'. Paulo Tovar era compositor, músico, mas se dedicou à poesia no mimeógrafo. Eu já tinha também meus poeminhas e resolvi reunir e fazer um livrinho, e ficamos amigos os três: Toval, Behr e eu. Com a facilidade da produção, começou a aparecer mais gente querendo. Cada qual no seu cada qual, mas cada um indo na mesma direção", relembra.
Sóter define Tovar como um "irmão". "Íamos para a roça, brincávamos de poetas e criticávamos a música caipira, fazendo letras mais concisas e líricas. Até que a família dele se mudou para Brasília e, quando me formei, vim para cá e me hospedei na casa deles por seis meses", conta.
Depois, voltaram brevemente a Catalão, cidade natal da dupla, com uma exposição de arte brasiliense, composta de quase 60 artistas e que durou uma semana na cidade. Tinham personalidades opostas: Sóter, mais tímido; Tovar, mais "assanhado", o que, para o poeta, "equilibrava nossas aventuras". A única lamentação de Sóter é que nunca fizeram uma música juntos.
Sóter define a geração mimeógrafo como a da "poesia atitude". "Ninguém enclausurado, no pedestal. Todo mundo na vida diária, ocupando espaços e correndo atrás, mas tudo sem pretensão nenhuma, fazendo por fazer", afirma. Na época, Brasília tinha apenas 15 anos de inaugurada. "Não tinha nada e nós, todos jovens, também não tínhamos nada. Estávamos aqui no zero, numa cidade no zero, e a gente cheio de vitalidade, curiosidade, criatividade e muito espaço para ser ocupado", conta.
O objetivo principal era desvincular Brasília da "oficialidade". "Tudo acontecia de forma independente, autônoma, não ligada ao Estado. No teatro, se apresentavam com autonomia; músicos ocupavam as praças por conta própria, sem ficarem preocupados com patrocínio", finaliza.
E depois?
Sóter não concorda com a visão de que sua poesia renegue a tradição. O que aconteceu, diz, é que com envolvimento com determinados setores (e as margens desses setores), o propósito era levar a poesia popular para o papel "sem a interferência do poeta, tal qual ouvia e percebia nas feiras, bares, rodoviárias e na porta do teatro". "Eu usava essa expressão: poesia sem intervenção do poeta", resume.
Depois, passou a ter preocupações diferentes das de outros autores. "Pessoal tinha mania de fazer poesia cantando as belezas. Eu passei a cantar a impotência do esterco, que faz com que a roseira fique bonita", diz. Posteriormente, viu que "o principal veículo da poesia era o gracejo, a gaiatice" e passou a fazer trabalhos pelo "jocoso, colocar um pouco de descontração na poesia".
Sóter também fundou a editora Semim, que define como "fruto da geração mimeógrafo, porque foi com a aquisição dele que produzi livros e comecei a ser editor". A companhia é definida por ele como "sem fins lucrativos, independente e radicalmente autônoma", com o objetivo de fazer a publicação de livros "sem que o autor tenha que meter a mão no bolso". Para o escritor, o livro deve se pagar sozinho.
Após ter o cargo de professor cassado, passou a trabalhar na produção de projetos culturais, promovendo ações para levar quadros de artistas brasilienses para as Entrequadras da cidade e poetas e músicos ao Setor Comercial Sul, além de atuar nas áreas de teatro, música e dança.
Mesmo com o fim da geração mimeógrafo, Sóter observa que a nova geração de poetas de Brasília compartilha de muitas semelhanças. "Tem continuidade, inclusive na diversidade. Atitudes, editoras independentes em Brasília, e os poetas não ficam enclausurados e nem no pedestal", explica. "A geração fez escola."
*Estagiária sob supervisão de Severino Francisco
Lançamento de Quase em quase tudo
De Sóter. Hoje, às 18h, no Bar Padim (405 Norte); amanhã, às 19h, no Bar do Kareka (CNF 2, Taguatinga).
Quase em quase tudo
nunca me especializei
sou um generalista
desses que sempre
encontram saídas
na cotidianidade
tornei-me especialista em quase:
sou quase
em quase tudo
