CRÔNICA

Celebremos!

'Brasília é fruto da criação intencional do artista. Já nasceu como arte, com ritmo, indo muito além da função de ser mero exercício político-administrativo do país'

'Celebremos a Brasília artística!' -  (crédito: kleber sales)
'Celebremos a Brasília artística!' - (crédito: kleber sales)

Por Isabella Paz 

Onde era ermo, fez-se Brasília. Em uma velocidade alucinante, no trabalho constante de milhares, poeira e terra vermelha, vidas dadas, nenhuma pausa para descanso houve. Cordas orquestrais se uniram aos tímpanos e às trompas e ergueram-se monumentos da noite para o dia. Logo soou a Sinfonia da Alvorada, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Brasilia é assim, cinematográfica. E o fator dominante e todo-poderoso da imagem cinematográfica, como diz Tarkovsky, é o ritmo, que expressa o fluxo do tempo, e que nos dá a sensação de fruição através dos símbolos e suas pausas: a harmonia explícita de Niemeyer. Oscar gostava de samba, foi o poeta das curvas, das formas arredondadas, o pai da arquitetura moderna no Brasil, vencedor das maiores honrarias da arquitetura mundial, tinha a sensibilidade contrapontística de um Bach.

Brasília é, pois, fruto da criação intencional do artista. Já nasceu como arte, com ritmo, indo muito além da função de ser mero exercício político-administrativo do país.

E nesse cenário ímpar, de pôr de sol indescritível, o tempo presente mistura-se ao passado e ao futuro, seja quando andamos e transitamos por esquinas carregadas de história, seja quando nos deparamos com as novas gerações de brasilienses fazendo história. História na música, no cinema, no teatro, nas artes plásticas…

Neste exato instante, um time de jovens músicos de alto gabarito leva a várias escolas do Distrito Federal um show educativo sobre este que é orgulhosamente o nosso primeiro gênero musical, tipicamente brasileiro: o choro; o grupo Choro Livre marca a sua presença no Festival de Choro de Paris; Lourenço de Bem expõe seu painel Formas geométricas no Museu do CCBB, após o sucesso de Queda Livre exposta no Espaço Cultural Renato Russo; Jimi Figueiredo — com prêmios acumulados no exterior por diversos curtas — grava seu mais recente filme, com Chico Sant'Anna e grande elenco;  Eliana Carneiro — com sua Cia de teatro Os Buriti — recebe indicações de prêmios ao  representar Brasília em vários festivais internacionais de teatro, de Portugal à Índia, passando por Espanha, Itália e Romênia; e o violeiro Roberto Correa, ah! Interlúdio:    Roberto dava aula no auditório Carlos Galvão sobre história da música caipira e, para minha surpresa, quando ali entrei, ele mostrava uma gravação de Clementina de Jesus! Foi num curso de verão da EMB, eu, professora de canto popular, havia justamente separado trechos de  "O canto dos escravos" com a Clementina para mostrar aos alunos. Dali, convidei-o para fazer uma participação especial em meu show e, para minha surpresa, ele aceitou e gravamos ao vivo Luar do Sertão, de Catulo da Paixão Cearense e João Pernambuco, na Martins Penna lotada. Inesquecível! Obrigada, Roberto!

Despertar o interesse por algo de valor, na capital de Oscar, quando se trata de arte, não é difícil. Brasília tem um excelente público consumidor de arte! Crianças e jovens são receptivos à arte, adultos e idosos também.  Então, que mais orquestras, atores e blocos estejam nas ruas, nas quadras, nos parques, que se reavivem os teatros e salas culturais, que se insira mais arte nas escolas, nos hospitais, que se divulguem mais os benefícios da arte na vida das pessoas, e que por isso, também, mais e mais pessoas produzam arte e sejam motivadas a fazê-lo! A arte nos torna humanos!

Celebremos a  Brasília artística! Bem ali, no bloco da percussão,  está a sala do professor e multipercussionista Ney Rosauro, compositor do Prelúdio em E Menor. Ele está dando uma aula de marimbas e vibrafones. Estamos na Escola de Música de Brasília, anos 1980. Aproximemo-nos! — Olá Ney! Estou fazendo um documentário sobre música em Brasília, para uma disciplina da UnB, ministrada pelo professor Sérgio Porto. Posso entrar? Descubro que Ney foi um dos integrantes de uma das primeiras bandas de rock de Brasília e que ensaiava literalmente numa entrequadra! Viva o arquiteto! Viva o rock! Viva Brasília!

 


postado em 25/04/2025 09:05
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